10 Discos de 1977

/ Por: Cleber Facchi 11/06/2013

10 Discos de 1977

Em grande parte das vezes caracterizado como um marco para o movimento Punk – em pleno invento na cena britânica -, o ano de 1977 vai além de um único segmento musical. Ponto de invenção e cruzamento de ideias, o ano trouxe ao mundo o firmamento o Krautrock, as experimentações eletrônicas, uma nova capa ao Folk e ao Rock, além de boa parte das influências do que viriam a alimentar a produção musical na década seguinte. É dentro deste cenário que selecionamos 10 registros fundamentais para o período – poderiam ser mais. Naturalmente alguns álbuns acabaram de fora, entre eles Before And After Science (Brian Eno),  Zombie (Fela Anikulapo Kuti & Africa ’70), From Here to Eternity (Giorgio Moroder), Lust for Life (Iggy Pop) e My Aim Is True (Elvis Costello), trabalhos que merecem ser conhecidos. Assim como nas listas passadas – 1990 e 1967 -, vocês têm até a próxima sexta-feira (14) para decidir qual será o próximo ano listado em nossa seção.  

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Maria Fumaça

Banda Black Rio
Maria Fumaça (Atlantic/WEA)

Soul, Jazz, Samba, Funk e algumas baforadas de maconha. No catálogo de elementos que marcam a estreia do grupo carioca Banda Black Rio reside uma manifestação exata de tudo o que movimentou a música negra na década de 1970. Trabalhado de forma climática e calorosa, o registro segue até o último instante em um cruzamento natural de ritmos que se abastecem de diferentes fontes. Sons que parecem relacionados com o propósito dançante dos antigos clubes de jazz, das noites de gafieira ou mesmo das rodas de samba, que ao serem cruzados no interior de Maria Fumaça revelam uma das obras mais ricas da produção nacional. Instrumental, o disco assume nos comandos do saxofonista Oberdan Magalhaes um delineamento marcado pelo groove e o caráter atmosférico de razões ensolaradas, resultado que naturalmente transforma o álbum em uma descrição musical do Rio de Janeiro ou qualquer outra cidade brasileira banhada pelo mar e o Sol.

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Low

David Bowie
Low (RCA)

David Bowie havia atravessado os anos 1970 em meio a um dos catálogos mais inventivos da história do rock. Entre obras como The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars (1972), Aladdin Sane (1973) e Diamond Dogs (1974), o melhor havia ficado para o fim da mesma década, quando ao lado de Brian Eno e do produtor Tony Visconti o músico inglês deu vida ao brilhantismo da “Trilogia Berlim”. Amplamente influenciado pela cultura alemã – seja ela o Krautrock de bandas como Neu!, as pinturas impressionistas, a literatura ou mesmo a música clássica -, cada aspecto das referências germânicas passeiam pelas melodias acessíveis de Low, primeiro álbum da série de lançamentos que viriam a transformar a carreira do músico. Catálogo recheado por obras como Sound and Vision, Speed of Life e Warsawa, o disco praticamente absorve tudo o que havia de mais criativo na música época para desenvolver dentro de uma representação própria. Estão lá as influências de Iggy Pop, as guitarras climáticas e experimentais de Eno, bem como um resumo apurado daquilo que Kraftwerk e outras bandas pareciam interessadas em desenvolver na mesma época.

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Rumours

Fleetwood Mac
Rumours (Warner Bros.)

Durante mais de uma década o Fleetwood Mac se manteve como uma banda ativa, de grandes vendagens e álbuns bem recebidos pelo público e crítica, porém, nada do que o coletivo anglo-ameircano havia lançado parecia capaz de surpreender em totalidade, se concentrando em grande parte no esforço de uma ou outra músicas individualmente. Com a chegada do músico Lindsey Buckingham e da vocalista Stevie Nicks em 1975 para a construção do 10º disco da banda, os rumos do grupo se alteraram. O resultado desse nítido aprimoramento viria apenas em 1977, quando Rumours, 11º disco da banda definiria o futuro do grupo, bem como as bases para uma infinidade de obras recentes. Delicado, inventivo e carregado de pequenos clássicos musicais, o disco cresce em uma mistura suave entre o Soft Rock, Blues, Folk e delicados arranjos de vozes. Um colosso de referências inéditas dentro da carreira do grupo, e talvez esquecidas desde o fim da década de 1960 por outras bandas. Influências para Death Cab for Cutie, Fleet Foxes, Grizzly Bear e uma variedade de artistas, Rumors é ainda hoje uma das obras mais importantes da década de 1970 e da música de forma geral.

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Kraftwerk

Kraftwerk
Trans-Europe Express (Kling Klang)

Com o lançamento de Autobahn em 1974, o Krafwerk finalmente parecia finalmente ter encontrado uma medida assertiva para os experimentos eletrônicos que vinham desenvolvendo desde o começo dos anos 1970. A busca por uma sonoridade cada vez mais calcada em experimentos e resgates específicos da música clássica alemã fez com que ainda em 1975 o grupo já esboçasse uma nítida evolução, transformando Radio-Activity, quinto registro da carreira, nas bases para o que viria a alimentar o maior invento do grupo germânico: Trans-Europe Express. Lançado em março de 1977, o álbum cresce em uma medida ambiental de nítido alinhamento orquestral, trazendo na atuação precisa de Ralf Hütter e Florian Schneider a matéria-prima para o que viria alimentar boa parte da eletrônica e Ambient Music nos anos seguintes. Obra menos comercial de toda a discografia do grupo, é ao lado de Tago Mago (1971) do Can e a estreia do Neu! uma das principais obras do Krautrock.

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Sex Pistols
Sex Pistols
Never Mind the Bollocks, Here’s the Sex Pistols (Virgin)

Não há nada além de ruídos, berros e distorções no propósito que movimenta o Sex Pistols em Never Mind the Bollocks, Here’s the Sex Pistols. Talvez por isso ele permaneça tão atrativo, mesmo hoje, mais de 30 anos desde seu lançamento. Trabalho de estreia da banda inglesa, o registro cresce em uma medida natural de efemeridade e anarquia, como se tudo o que a banda quisesse fosse apenas se divertir de forma caótica. Enquanto os vocais de Johnny Rotten se espalham com aspereza, guitarras desfiguradas e a bateria de Paul Cook crescem e tropeçam a todo o instante, aprisionando o ouvinte em um cenário de completo descompromisso. Recheado por alguns dos maiores clássicos do Punk Rock – como God Save The Queen, Problems, Anarchy in The U.K. e Holiday In The Sun -, o disco segue até o último instante em uma medida desinteressada e ainda assim atrativa. Um recorte da juventude britânica no fim da década de 1970, mas que estranhamente se mantém atual.

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Suicide

Suicide
Suicide (Red Star)

Em meio ao cenário criativo que se espalhava em Nova York – gerando bandas como Talking Heads, Blondie e Television -, o trabalho de Alan Vega e Martin Rev do Suicide parecia seguir por um caminho de esforço e inventos próprios. Brincando com um molde inexato da eletrônica em aproximações com o Garage Rock, Rockabilly e Punk, a dupla faz dos mais de trinta minutos da obra um passeio sombrio e decidido dentro de um cenário bastante específico. Enquanto músicas como Rocket U.S.A e Girl brincam com os versos soturnos e camadas leves de batidas, um estranho ruído vai crescendo ao fundo, ambientando o ouvinte dentro do panorama desconcertante que a dupla firma com a obra. Influência direta para o trabalho de bandas como Spiritualized, The Horrors, Klaxons e Dirty Beaches, o duo segue de forma quase anônima desde o fim da década de 1970, sendo querida de uma parcela muito específica do público, corajosos que se atrevem a mergulhar nos versos dolorosos e no clima estranho ainda hoje proposto pela dupla.

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Television

Television
Marquee Moon (Elektra)

Um registro em estúdio, oito faixa e o Television deixaria um dos maiores legados da história recente da música. Aproveitando de elementos conquistados uma década antes pelo The Velvet Underground, a banda norte-americana faz de cada instante em Marquee Moon um passeio pela cidade de Nova York. São pessoas que se fundem à melancolia, vozes presas à saudade enquanto uma sequência de guitarras velozes, vocais agradáveis anunciariam as bases para o que centenas de outros grupos ainda hoje viriam a incorporar. Mais da metade dos elementos que você encontra em Is This It (2001) do The Strokes está por aqui; Os rúidos que serviriam de inspiração para o Sonic Youth ou as vozes descompassadas do Pixies, tudo se faz presente na imensidão criativa de Venus, See No Evil e outros clássicos que praticamente construíram o que hoje é entendido como Rock Alternativo. O grupo ainda viria a lançar dois registros – Adventure (1978) e Television (1992) -, mas nada capaz de superar ou igualar a genialidade do álbum de estreia.

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The Clash

The Clash
The Clash (CBS)

Enquanto Never Mind the Bollocks, Here’s the Sex Pistols, anárquica estreia do Sex Pistols parecia lidar apenas com a ideia de caos e destruição (tanto no contexto lírico como instrumental da obra), ao estrear com o The Clash Joe Strummer e os parceiros de banda pareciam dar um passo além no que caracterizava a cena punk britânica. Apoiado em versos tomados por referências esquerdistas e um tratamento melódico que parecia ir além dos três acordes propostos pelo Ramones um ano antes, o bem sucedido debut era a abertura para aquilo que a banda viria aprimorar em poucos anos com a obra-prima London Calling (1979). Trabalhado em cima de letras recheadas de agressividade, um contraste ao propósito melódico do álbum, o autointitulado disco cresce em meio a canções rápidas como London’s Burning, White Riot e I’m So Bored With The U.S.A., alguns dos melhores exemplares do Punk 77.

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The Congos

The Congos
Heart of the Congos (Black Art)

Em 1977 Bob Marley e os parceiros do The Wailers alcançavam aquela que seria conhecida como a obra-prima do cantora e compositor jamaicano, Exodus. Sem o mesmo apelo comercial, porém, tratando da mesma proposta com uma inventividade talvez maior, no mesmo ano os integrantes do The Congos apresentavam ao mundo seu registro de estreia, o suave Heart of the Congos. Com produção assinada por um Lee “Scratch” Perry no ápice da inventividade, o primeiro álbum do grupo jamaicano encontra na percussão leve e no uso assertivo dos vocais o instrumento para pontuar o álbum com extrema leveza. Banhado por elementos do Dub, da música africana e pequenas doses de psicodelia, o disco ocupa as dez composições com canções alimentadas pelos mesmos versos esperançosos de Marley, porém, dentro de um contexto mais cotidiano, como se a banda apenas contasse histórias. Ainda na ativa, o grupo permanece como influência clara para o trabalho de produtores como Diplo e artistas a exemplo de M.I.A., que vez ou outra encontram no trabalho um riquíssimo catálogo de samples e bases instrumentais.

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Wire

Wire
Pink Flag (Harvest)

Por vezes descartada do grupo dos grandes representantes do punk inglês – em geral focado na presença de bandas como Sex Pistols e The Clash -, o Wire talvez seja uma das bandas mais influentes e desafiadoras de todo o período. Embora abastecida pelas mesmas experiências que orientavam o trabalho de Ramones e outros pequenos gigantes do período, o grupo londrino trouxe na construção de Pink Flag um trabalho de propósito desafiador. Tratando da crueza dos sons, vozes e guitarras com novidade, a banda fez de cada instante do primeiro álbum da carreira um exercício claro de experimentação. São métricas sujas que por vezes beiram o Art Rock, ruídos distribuídos de forma climática e um imenso jogo de colagens sonoras que rompem e iniciam a todo o instante. Com 21 faixas – em sua maioria canções de um minuto ou mais -, o trabalho parece fugir a todo o instante da medida desoladora que ocupava a proposta de grande parte dos artistas da época, promovendo uma obra de detalhes sóbrios e inevitavelmente climáticos.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.