10 Discos de 1985

/ Por: Cleber Facchi 24/06/2013

Nada de sintetizadores, o clima colorido da New Wave e a celebração neon que tomou conta do início da década de 80, em 1985 a cena musical crescia entre sonorizações noturnas e guitarras completamente sujas. Enquanto na Inglaterra o punk e o pós-punk passavam por alterações visíveis, quase experimentais, nos Estados Unidos o rock assumia uma tonalidade cada vez mais ruidosa, brindando o público com o princípio do cenário alternativo. Seguindo com a nossa seção 10 Discos, preparamos uma seleção de obras que marcaram o meio da década de 1980. Trabalhos que vão da produção britânica, passando pela cena estadunidense, até alcançar o Brasil. Assim como nas edições anteriores do nosso especial – 1967, 1977, 1979 e 1990 – os leitores têm até a próxima sexta-feira (28) para decidir qual será o próximo ano listado.

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Hüsker Dü
New Day Rising (SST)

Caseiro, sujo e acelerado, do momento em que tem início, até o ecoar da última faixa, New Day Rising, terceiro registro em estúdio do Hüsker Dü se apresenta como uma verdadeira desconstrução de sons e vozes. Caótico e impulsionado pela firmeza das guitarras de Bob Mould, o disco cresce em uma convergência natural de Punk, Hardcore e todas as preferências que ocupavam o rock alternativo norte-americano naquele momento. Desprovido de possíveis respiros e manifestações sonoras acessíveis, o álbum segue até o último segundo em uma construção instrumental ascendente e de plena inquietação. Vozes que cortam acordes, batidas esbarrando em distorções e um completo cenário de desconstrução tomam conta do disco. Como se o ouvinte estivesse em uma apresentação ao vivo da banda, o álbum rompe com qualquer limitação de estúdio, transformando músicas como I Apologize, Folk Lore e Celebrated Summer em canções que mais parecem explodir ao redor do ouvinte. No mesmo ano a banda ainda lançaria o ótimo Flip Your Wig, prova da boa fase que tomava conta do trio de Minnesota.

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Kate Bush

Kate Bush
Hound Of Love (EMI)

Descoberta por David Gilmour (Pink Floyd) em meados da década de 1970, Kate Bush passou os primeiros anos da carreira brincando com os experimentos em busca de um resultado de invento próprio. Ainda que Never for Ever (1980) e The Dreaming (1982) já fossem capazes de sustentar criativamente a carreira da cantora, foi só com a chegada de Hound Of Love que a britânica realmente atingiu o ápice da invenção. Base para aquilo que Florence Welch, Grimes, Beach House e tantos outros artistas recentes trazem como “novidade”, o quinto registro em estúdio de Bush é um encontro coeso entre as dualidades da música barroca com os sintetizadores e experimentos do Art Rock. Com produção assinada pela própria artista e um conjunto imenso de composições épicas, o álbum segue até o último instante brincando com as vocalizações da cantora. Faixas de esforço crescente (Running Up That Hill), músicas focadas na perversão do pop (The Big Sky) e um imenso catálogo de referências e sons que se fossem lançados hoje, teriam o mesmo impacto que há quase trinta anos.

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Legião Urbana
Legião Urbana
Legião Urbana (EMI)

A primeira edição do Rock In Rio, o período de abertura política e a interferência da música estrangeira preparavam o terreno para o que viria a ocupar a cena nacional no restante da década de 1980. Talvez isolados em relação ao que ocupava a produção musical carioca – muito mais focada na New Wave norte-americana -, com o primeiro registro em estúdio, a Legião Urbana parecia brincar com a essência construída anos antes na música inglesa. Autointitulado, o primeiro disco do grupo comandado por Renato Russo passeia entre a furtividade de bandas como The Clash (Petróleo do Futuro), o toque sombrio do Joy Division (Perdidos no Espaço), além do esforço sutil do The Smiths (Por Enquanto). Um jogo assumido de colagens e interpretações particulares, mas que não escondem a habilidade da banda em transitar seguramente por inventos próprios. Agrupado de clássicos como Será, Geração Coca-Cola e Ainda É Cedo, o disco custaria a ser recebido pelo grande público, sendo compreendido em totalidade apenas com o lançamento do álbum Dois em Julho de 1986.

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The Cure

The Cure
The Head On The Door (Fiction)

Embora impulsionado pelo sucesso do single Boys Don’t Cry, o The Cure não custou a definir uma sonoridade particular e de grandeza maior do que o próprio hit. Desde o lançamento do álbum Faith (1981) que os rumos da banda britânica comandada por Robert Smith pareciam alterados. Um misto de ambientação sombria que em nenhum momento se distanciava das afinações com o pop, propósito que transformou The Head on the Door em um passo seguro dentro da carreira do grupo. Condensado de músicas banhadas pelo romantismo doloroso da banda, o álbum nada mais é do que uma representação musical e poética dos próprios anseios do vocalista. Focado em declarações de amor e términos de relacionamento, Smith assume a condução de alguns dos maiores exemplares do trabalho da banda, faixas como Six Different Ways, a pacata Close To Me e In Between Days, provavelmente uma das canções mais dolorosas de toda a década de 1980. Delicado e ainda assim tomado por pretensões comerciais, o disco é a base para o que seria aprimorado pelo grupo até a chegada do clássico Disintegration (1989).

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The Fall

The Fall
This Nation’s Saving Grace (Beggars Banquet)

Mark E. Smith nunca foi interessado na natureza óbvia da literatura, cinema e muito menos dos sons, tanto que ao dar início ao trabalho do The Fall na segunda metade da década de 1970, o músico britânico fez do experimento sua única certeza. Exemplar mais completo e desafiador daquilo que o músico e os parceiros de banda encontraram nos anos 1980, This Nation’s Saving Grace trabalha quase cinquenta minutos de colagens e influências alihadas dentro da mentalidade torta de Smith. Doses assumidas de Can, The Velvet Underground, The Stooges, além de uma variedade de preferência literárias (como Laranja Mecânica, de Anthony Burgess) e televisivas (vide as passagens pela série Além da Imaginação) passeiam livremente pelo álbum. Flutuando em uma medida caótica e melódica na mesma proporção, o álbum parece assumir um propósito distinto em relação a tudo o que ocupava a cena inglesa do período. Uma leitura particular do que o Pós-Punk, o Art Rock e as bases do rock alternativo pareciam predispostas. Acompanhado de um time mutável de instrumentistas, Smith queria apenas brincar com os sons, e é exatamente isso que ele alcança com o disco.

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Psychocandy
The Jesus and Mary Chain
Psychocandy (Blanco Y Negro)

Um oceano de distorções orquestradas de acordo com as necessidades de Jim e William Reid, assim é a orientação caótica e ordenada de Psychocandy, registro de estreia do The Jesus and Mary Chain. Ponto fundamental do que viria a ser entendido como Dream Pop, Shoegaze e Noise Pop pelas gerações posteriores, a estreia do grupo escocês é um verdadeiro brinde ao ruído sem que haja qualquer distanciamento dos vocais e versos de apelo acessível. Sustentado em cima de canções de amor e versos típicos que circundam o cotidiano de jovens adultos, o álbum é um rastro de sensações e manifestações instrumentais agridoces que nunca cessam. Blocos de ruídos capazes de fluir de maneira sombria até os últimos instantes, sem que haja qualquer limitação. Morada de clássicos como You Trip Me Up, Never Understand e Just Like Honey, o álbum viria a crescer como base para aquilo que a dupla desenvolveria nos lançamentos seguintes, principalmente dentro das invenções estendidas de Darklands (1987).

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The Pogues

The Pogues
Rum, Sodomy & The Lash (MCA)

Passadas as reinvenções do The Clash a partir de London Calling (1979) e todas as transformações que ocuparam o punk inglês pós-77, a busca de grande parte dos grupos britânicos não estava mais na manifestação política e crítica dos versos, mas na renovação sonora e particular de cada álbum. Sem fugir das predisposições do gênero e resgatando marcas específicas da música Folk e Celta, ao alcançar Rum, Sodomy & the Lash os membros do The Pogues alcançavam uma das obras mais inventivas do mesmo período. Carregado pelo lirismo de versos fantásticos, histórias épicas e uma boa dose de álcool, o segundo disco da banda londrina cresce como um ponto bucólico e de plena nostalgia em meio ao cenário urbano da musica inglesa. São 13 músicas que se ausentam parcialmente da presença de guitarras para brincar com violões, sanfonas, efeitos de percussão e uma variedade de outros instrumentos não convencionais ao estilo. A capa do álbum, inspirada na tela A Balsa de Medusa do pintor Théodore Géricault, e com os rostos dos integrantes da banda é apenas um complemento ao universo de referências que se encontram pela obra.

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The Replacements

The Replacements
Tim (Sire)

Let It Be (1984) pode até ser considerada a obra prima do The Replacements e um dos marcos do rock alternativo norte-americano, entretanto, com o lançamento de Tim em 1985, a banda provou ser capaz de ir além dos próprios domínios. Melódico e pontuado por manifestações acessíveis, o álbum tinha tudo para transformar o grupo de Minnesota em um dos grandes exemplares da nova safra estadunidense, porém, problemas internos e uma postura anti-comercial dos integrantes impediram que o disco tivesse maior contato com o grande público. Com produção assinada por Tommy Ramone e uma maior relação com os sons proclamados na década de 1960 – principalmente Big Star -, o disco cresce até o último instante em uma frente pegajosa de faixas tomadas por sons radiantes. Do brilho pop de Bastards Of Young (com o famigerado clipe do aparelho de som tocando a música) aos acertos acolhedores de Swingin’ Party, o registro deixa claro a boa forma de Paul Westerberg, vocalista e principal mente nos comandos da banda. O disco ainda abriria espaço para o que seria desenvolvido no trabalho seguinte, o também ótimo Pleased to Meet Me (1987).

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The Smiths
The Smiths
Meat Is Murder (Rough Trade)

Depois de um número grande de shows e vários singles lançados, os Smiths pareciam ter superado a inexperiência inicial, e isso se refletiu em Meat is Murder. Trabalhando com temáticas mais politizadas do que na estreia – há desde críticas à monarquia inglesa em Nowhere fast até canções em prol dos direitos dos animais como a faixa título -, o disco apresenta maior ecletismo musical da banda, experimentando novas sonoridades e estruturas em suas canções. Foi também o momento no qual a banda passou a soar mais coletiva, com performances inspiradas em cada integrante. Aparecem referências ao Rockabilly em Rusholme Ruffians além do rock enérgico de What She said. That joke isn’t funny Anymore, uma das mais belas canções já gravadas pelo grupo, apresenta diversas camadas sonoras e guitarras sobrepostas à violões criando uma verdadeira parede sonora. A produção da faixa parece algo à frente de seu tempo, e sem dúvida, inspirou uma verdadeira escola de outras bandas que viriam nos anos seguintes. (Cozinhando Discografias: The Smiths)

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Tom Waits
Tom Waits
Rain Dogs (Island)

Tom Waits havia atravessado a década de 1970 em meio a uma sequência de lançamentos tímidos e pouco expressivos. Talvez fosse a grande carga inventiva que ocupava os trabalhos de outros artistas da época e um possível rompimento com as afinações mais tradicionais do Blues, mas o fato é que o espaço do cantor norte-americano ainda era mínimo. Movido pelo esforço de transformar a si próprio em diferentes personagens, além da capacidade em perverter a essência do Blues, ao alcançar a trilogia iniciada em 1983 com Swordfishtrombones, Waits apresentaria ao mundo um dos projetos mais criativos e por isso intensos de todo o período. Utilizando dos vocais amargos como único elemento linear da obra, o músico faz da obra-prima Rain Dogs o ponto máximo de todas as invenções sonoras da época. Ao brincar com o rock e uma medida experimental, o músico fragmenta o Blues, o Country, o Gospel e até elementos da música folclórica de diferentes localidades em um imenso composto de sobreposições amargas. Uma passagem para o estranho universo que naquele instante parecia explodir na mente de Waits.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.