10 Discos de 1993

/ Por: Cleber Facchi 01/07/2013

Em plena expansão, o rock alternativo decidia parte dos rumos na cena musical firmada no começo da década de 1990. Fosse pelo fenômeno causado por Nevermind (1991) do Nirvana, ou mesmo a centena de outros lançamentos do gênero, o que não faltavam eram artistas capazes de manejar boas doses de distorção a seu favor. Em 1993 não seria diferente. Ano de estreia e consolidação para artistas como Björk, Liz Phair e PJ Harvey, o cenário lentamente saia da mão dos homens para brilhar nos vocais femininos, isso sem contar na expansão da eletrônica, os primórdios do Britpop e a plena influência do Hip-Hop. Com muita dificuldade listamos 10 Discos de 1993, obras essenciais e que mesmo ambientadas com a sonoridade do período, se mantém válidas ainda hoje. Menções honrosas para a dupla Mazzy Star com So Tonight That I Might See, Catherine Wheel e o disco Chrome, Autechre com Incunabula e Legião Urbana com O descobrimento do Brasil, todos álbuns lançados no mesmo ano. Os leitores do Miojo Indie podem indicar nos comentários até a próxima sexta-feira (05) qual o próximo ano a ser listado em nosso especial.

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Björk

Björk
Debut (One Little Indian)

Ao lado do coletivo Sugarcubs, Björk havia atravessado a década de 1980 em meio a inventos claros de uma artista que buscava se encontrar. Ainda que de forma tímida, talvez essa resposta ou possível identidade tenha surgido em Debut, estreia solo da cantora islandesa e uma base nítida para os inventos que viriam a conduzir a obra da artista durante todo o restante da década. Brincando com elementos do Jazz, Trip-Hop e Eletrônica, a cantora usa do primeiro disco como uma completa perversão do pop tradicional. São músicas como Venus as a Boy, Like Someone in Love e Human Behaviour, que mesmo encapadas por uma sonoridade essencialmente experimental, não se distanciam de uma solução de vozes e sons conduzidos pela natureza acessível dos elementos. Um caminho provocativo, mas que se mantém comercial durante todo o tempo. Versátil sem deixar de ser encantadora, Björk transforma referências literárias, passagens cotidianas e efeitos tomados de excentricidade em um material de beleza particular, uma medida menos épica do que viria a conduzir a trilogia Post (1995), Homogenic (1997) e Vespertine (2001), mas um trabalho de significado talvez maior.

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Nirvana

Nirvana
In Utero (DGC)

De todo os trabalhos lançados na década de 1990, nenhum deles foi encoberto por tamanha expectativa quanto In Utero, terceiro e último registro em estúdio do Nirvana. Lançado dois anos após o impacto estabelecido por Nevermind (1991), o disco veio cercado pelos olhares famintos da crítica e do público, ouvintes sedentos por uma continuação daquele que imediatamente acabou se transformando em um dos marcos do rock alternativo daquele período. Cada vez mais afundado no uso de drogas e intensamente consumido por sua depressão, Kurt Cobain dava todos os sinais de que o álbum jamais seria lançado. Um efeito que quase se confirmou quando a DGC (braço da Universal e selo por trás da banda), irritada com os resultados da gravação e produção de Steve Albini pediu para outro produtor (Scott Litt) desse novo acabamento ao álbum. Contra todas as expectativas, o disco acabou lançado sob forte aceitação, propondo um som tecnicamente distante daquilo que a banda havia produzido previamente. Recheado por clássicos como Heart Shaped Box, All Apologies e Rape, o álbum acabou revelando como um trabalho tão importante quanto seu predecessor e mais um nítido ponto de acerto na curta trajetória do Nirvana.

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The Smashing Pumpkins

The Smashing Pumpkins
Siamese Dream (Virgin)

A explosão do movimento grunge e todas as transformações do rock alternativo no começo dos anos 1990 praticamente tornaram Gish, primeiro álbum do The Smashing Pumpkins, em um registro esquecido. Mesmo hoje, quando olhamos para os clássicos de 1991, a estreia do quarteto de Chicago, Illinois passa despercebida. Entretanto, quem havia deixado de lado a estreia da banda comandada por Billy Corgan teria uma bela surpresa mais tarde, afinal, é com Siamese Dream, segundo registro em estúdio que a banda seria de fato apresentada ao mundo. “Hoje é o melhor dia que já vivi” despeja o vocalista no clássico Today, faixa que soa como um grande resumo do que se encontra pelo álbum. Como se exorcizasse demônios, Corgan desfila pelo disco revivendo uma série de fantasmas do passado – como os problemas com os pais em Disarm e o fim de relacionamento em Soma –, tudo isso enquanto destila guitarras como um ícone dos anos 1970, bebendo diretamente de grupos como Black Sabbath. Primeiro trabalho tocado e composto quase inteiramente por Corgan (o que seria natural nos discos seguintes), Siamese Dream é ainda hoje a obra mais crua e confessional da banda, que encontraria no trabalho seguinte, Mellon Collie and the Infinite Sadness (1995), uma extensão requintada dos mesmos elementos.

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Liz Phair
Liz Phair
Exile In Guyville (Matador)

Em um mundo dominado por homens de camisa xadrez, Liz Phair parecia surgir como um grito solitário no rock alternativo. Ao lançar o insuperável Exile In Guyville, em Junho de 1993, a norte-americana deixaria o anonimato para firmar de vez seu nome na história do recente da música. Na época com 26 anos, a cantora fez do primeiro trabalho em estúdio um verdadeiro marco para o “rock feminino” – ainda que tente se esquivar do rótulo. Apresentando ao mundo uma série de composições assumidamente confessionais, Phair soube como discutir amor, solidão e sonhos, porém longe da representação de uma garota frágil. Um contraponto natural ao que predominava em outros registros do mesmo gênero. Destilando riffs de guitarra perfeitamente encaixados, versos memoráveis (como os de Fuck and Run) e vocais bem esculpidos, a cantora – ao lado de PJ Harvey e Kim Deal – conseguiu pavimentar um caminho bem resolvido para que uma série de outras vocalistas pudessem se apresentar futuramente. Cuidadoso em cada uma das 18 canções, o álbum seria o primeiro e único grande trabalho de Phair, que em meio a tentativas falhas e projetos redundantes não conseguiria produzir um disco tão impactante e belo quanto o primeiro.

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Sepultura

Sepultura
Chaos A.D. (Roadrunner)

Desde o lançamento do álbum Schizophrenia, em 1987, que a banda mineira Sepultura vivia uma fase criativa poucas vezes igualada por outros artistas do gênero. Ampliando de forma significativa o que havia sido testado em Beneath the Remains (1989) e Arise (1991), o grupo fez de Chaos A.D. uma extensão assertiva da mesma comunhão entre guitarras e batidas, elemento que conduz com invenção cada aspecto do disco. Enquanto a bateria de Igor Cavalera se desdobra em efeitos criativos e tribais de percussão (exercício que seria ampliado com o lançamento do álbum Roots, 1996), a guitarra de Andreas Kisser cresce desmedida, sobrepondo camadas que servem como estrutura para realçar os vocais praticamente vomitados de Max Cavalera. Em meio a clássicos do grupo, como Propaganda, Refuse/Resist e Slave New World, letras consumidas pelo ódio e critica social crescem por toda a obra, transformando Chaos A.D. em uma manifestação ruidosa de tudo que o Brasil passava durante o mesmo período.

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Slowdive

Slowdive
Souvlaki (Creation)

Os ruídos sempre encontraram no trabalho do Slowdive uma morada segura. Formada no final da década de 1980, a banda de Reading, Inglaterra trouxe com Souvlaki, de 1993, o ápice de uma curta discografia que se estenderia até meados de 1995. Homogêneo em relação ao antecessor Just for a Day (1991), o segundo registro em estúdio do grupo é uma mescla entre as climatizações do Dream Pop e a psicodelia suja do Shoegaze. Um jogo cuidadoso de vozes e distorções que se encontram a todo o instante, transformando o álbum em uma espécie de continuação natural daquilo que o My Bloody Valentine havia testado dois anos antes com Loveless. Letárgico, o disco deixa que faixas como Machine Gun, Here She Comes e 40 Days cresçam livremente pela obra, transformando cada uma das 10 canções originais em uma espécie de representação particular de um cenário próprio. Ora mágico, ora essencialmente doloroso, o álbum – que contou com a presença de Brian Eno – foge a todo o instante de qualquer repetição do gênero, exercício bem explorado no manuseio límpido dos vocais e das nuances detalhistas que se derramam com plena atenção por todo o disco.

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PJ Harvey
PJ Harvey
Rid Of Me (Island)

Ao longo de toda a década de 1980 não foram poucas as mulheres (em carreira solo ou em projetos coletivos) que deram vida a de trabalhos de plena importância para a expansão feminina na cena musical. Uma sequências de lançamentos tomados de guitarras ensurdecedoras, letras repletas de confissão e instrumentação conduzida com identidade. Porém, nem mesmo o melhor dos registros parecia capaz de retirar da veterana Patti Smith o posto de “rainha do rock”. Isso até a chegada da novata PJ Harvey e a crueza imposta em Ride Of Me. “Lamba minhas pernas, eu estou em chamas”, canta a britânica logo na abertura do trabalho, isso enquanto projeta uma soma imensa de guitarras levemente distorcidas e que fazem uma clara reverência ao blues dos anos 1950. Quente, denso e tomado de versos marcantes, o segundo álbum de Harvey surgiu emanando um tipo de luz própria, algo que tornava a musicista uma personagem distinta em meio ao panteão de bandas relacionadas ao crescente movimento Grunge. Base para tudo o que a artista viria a lançar futuramente, o trabalho é a plena representação de Harvey, que praticamente assume todas as direções e instrumentos do registro sozinha. Gostem ou não, o título de “rainha do rock” agora teria outra responsável.

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The Breeders

The Breeders
Last Splash (4AD)

Se por um lado as crises internas no Pixies encerravam precocemente a carreira de uma das mais importantes bandas do rock norte-americano, por outro lado os mesmos desentendimentos fizeram nascer um dos projetos mais importantes do período, o The Breeders. Comandado por Kim Deal, o grupo (formado em 1988) alcançaria o ápice em 1993 com o lançamento do clássico Last Splash, trabalho que praticamente posicionava Deal como uma das maiores, se não a maior voz feminina do rock dos anos 90. Diferente daquilo que a musicista havia proclamado em sua antiga banda, com o novo projeto havia a constante busca por um som mais despojado, inspirado por diversos segmentos do mundo da música e não a fixação em um único estilo ou fórmula instrumental – algo já observado no disco Pod, de 1990. Por mais que álbum não trouxesse a mesma excentricidade que Kim parecia encontrar ao lado do ex-parceiro Black Francis, por todos os lados do trabalho ecoam faixas que fecham ou pelo menos ocultam tal lacuna, algo bem exemplificado por músicas como Divine Hammer, Saints ou Cannonball, um dos registros mais pegajosos e memoráveis da mesma década.

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Wu-Tang Clan

Wu-Tang Clan
Enter the Wu-Tang (36 Chambers) (Loud)

No começos dos anos 1990 o hip-hop norte-americano se dividia em dois eixos específicos. Na Costa Oeste, o Gangsta Rap e o G-Funk de nomes como Snoop Dogg, Ice-T e Dr. Dre decidiam de forma crua e lisérgica as afinações do gênero. Do outro lado, na Costa Leste, o rap politizado e os experimentos de grupos como Public Enemy ocupava uma outra lacuna. No meio desse turbilhão de distintas referências nasceu o Wu-Tang Clan, projeto que diferente dos dois segmentos predominantes criou seu próprio caminho. Nada de versos tomados pela lisergia ou discursos políticos transformados em rimas, mas sim a busca por uma temática cotidiana e filosoficamente encaixadas em metáforas às artes marciais. Do coletivo formado por oito integrantes nasceu o clássico Enter the Wu-Tang (36 Chambers), trabalho que rapidamente caiu nas graças do público e da crítica, transformando o grupo em um projeto celebrado durante o período. Mais do que o lançamento de uma obra fundamental ao rap, o primeiro álbum do coletivo nova-iorquino abriu as portas para que todos os demais integrantes do projeto se aventurassem em carreira solo, efeito talvez mais significativo do que o próprio debut em si.

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Yo La Twngo

Yo La Tengo 
Painful (Matador)

Se em 1993 o que predominava no rock alternativo era a construção de um som cada vez mais sujo e agressivo, tal lógica se fazia inválida pelas mãos do grupo Yo La Tengo. Transformando guitarras distorcidas em passeios por universos etéreos e quase místicos, o grupo de Nova Jersey faz de Painful, sexto registro em estúdio, um encontro natural com a maturidade. Alavancando composições que bebem tanto dos ruídos exaltado por grupos britânicos quanto pelo soft rock proposto pelos artistas norte-americanos da década de 1970, o disco faz valer a tradução exposta no título, se revelando como um verdadeiro catálogo de canções dolorosas. Logo na faixa de abertura, Big Day Coming, a banda deixa transparecer muito do que será encontrado no decorrer da obra, introduzindo o ouvinte em reverberações sublimes e adocicadas. Mesmo que boa parte das faixas obriguem o trio a navegar por entre nuvens de sons aprazíveis, ainda assim é possível encontrar trechos de maior exaltação. Em Sudden Organ, por exemplo, mesmo que as densas camadas de guitarras ainda estejam por lá é a condução radiante que predomina, evidenciando um disco versátil e encantador. A boa fase do Yo La Tengo estava apenas começando.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.