10 Discos Essenciais: 4AD

/ Por: Cleber Facchi 27/03/2018

 

Um dos berços da música gótica e hoje casa de alguns dos principais representantes do pop-rock mundial, a 4AD — ou Forward, quando fundada —, passou os últimos anos presenteando o público com alguns dos trabalhos mais influentes da cena alternativa. Formado em 1980 pelos músicos Ivo Watts-Russell e Peter Kent, o selo que revelou ao mundo nomes como Bauhaus, Cocteau Twins e The Breeders hoje segue como responsável por alavancar a carreira de artistas como Grimes, St. Vincent e Deerhunter.

Perto de completar quatro décadas de fundação e ainda responsável pela contínua distribuição de uma variedade de obras significativas, listamos dez trabalhos essenciais que resumem parte expressiva da rica discografia montada pela 4AD ao longo dos anos. Menções honrosas: Singles (2014) do Future Islands, Whokill (2011) de Tune-Yards, High Violet (2010) do The National, Ask Me Tomorrow (1996) do Mojave 3 e o segundo álbum do Red House Painters, lançado em 1993.

 

Bauhaus
In the Flat Field (1980, 4AD)

Poucos registros resumem com tamanha naturalidade os primeiros anos da década de 1980 quanto In the Flat Field. Um dos marcos do rock gótico, o trabalho que conta com produção dividida entre os membros do Bauhaus — Peter Murphy (vocais, guitarra), Daniel Ash (guitarra), David J (baixo) e Kevin Haskins (bateria) —, sintetiza parte do som caótico que vinha sendo explorado por diferentes representantes do rock inglês desde o fim dos anos 1970. Uma colisão de ideias que passa pela obra de Joy Division, Siouxsie and the Banshees e David Bowie, porém, sempre mergulhando em um conceito ruidoso, sujo. Não por acaso, Murphy e os parceiros de banda escolheram Dark Entries como faixa de abertura do disco. São pouco menos de quatro minutos em que guitarras carregadas de efeitos, vozes berradas e distorções se revelam ao público de forma claustrofóbica, sufocando o ouvinte lentamente. Da icônica imagem de capa ao cuidado na composição de faixas como A God in an Alcove e Dive, cada fragmento do disco parece explorado de forma provocativa e insana, inspiração para todo um universo de bandas que viriam a surgir no decorrer da década.

 

This Mortal Coil
It’ll End in Tears (1986, 4AD)

Três décadas depois de lançado, It’ll End in Tears, álbum de estreia do coletivo This Mortal Coil, continua ecoando em diferentes obras da cena alternativa. Basta voltar os ouvidos para o trabalho de artistas como Beach House, Björk e Slowdive para perceber como as ambientações lançadas por Ivo Watts-Russell, grande mente aos comandos da 4AD, continuam vivas, ainda ecoando. Pensado como uma coletânea de ideias e colaboradores vindos de diferentes projetos relacionados ao selo britânico, o trabalho concebido em um intervalo de poucos meses vai de experimentações breves com o pós-punk, vide Not Me – música interpretada por Robbie Grey e Simon Raymonde –, ao uso de ambientações etéreas, sempre soturnas, como na releitura de Song to the Siren, de Tim Buckley – por Elizabeth Fraser e Robin Guthrie, ambos integrantes do Cocteau Twin. Uma seleção melancólica de versos intimistas, provocativos e confessionais, cuidado que se reflete desde a abertura do trabalho, com Kangaroo, versão para uma das grandes composições de Alex Chilton (Big Star), e segue por todo o álbum, vide Waves Become Wings, de Lisa Gerrard (Dead Can Dance), e a derradeira A Single Wish, do escocês Gordon Sharp.

 

Pixies
Doolittle (1989, 4AD / Elektra)

Insano, Surfer Rosa (1988) acabou servindo como um poderoso indicativo da completa versatilidade do Pixies dentro de estúdio. Frações inexatas do mais profundo experimento instrumental e poético assinado em parceria com o produtor Steve Albini. Nada que se compare ao trabalho da banda no álbum seguinte, Doolittle (1989). Do momento em que tem início, em Debaser, passando pela construção de músicas como Wave of Mutilation, I Bleed, Monkey Gone to Heaven e Hey, cada fragmento do registro produzido por Gil Norton serve de passagem para um universo próprio da banda. São versos surrealistas, delírios poéticos assinados pelo vocalista Black Francis e colisões instrumentais que transportam a banda para diferentes territórios criativos. Mesmo músicas acessíveis, como Here Comes Your Man, uma confessa homenagem ao pop-rock dos anos 1960, em nenhum momento parece seguir um caminho óbvio. De fato, a cada nova composição, um novo conceito parece desmembrado pela banda, na época formada por Joey Santiago (guitarras), David Lovering (bateria) e Kim Deal, co-autora de Silver. Mesmo recebido de forma tímida pelo público, Doolittle acabaria influenciando uma geração de artistas como Nirvana, Radiohead, Pavement e outros nomes de peso da década de 1990.

 

Cocteau Twins
Heaven or Las Vegas (1990, 4AD)

A colorida imagem de capa em Heaven or Las Vegas funciona como um poderoso indicativo da transformação que marca o som produzido pelo Cocteau Twins no sexto registro de inéditas da banda. Inaugurado pela força instrumental e poesia subjetiva de Cherry-coloured Funk, o sucessor do maduro Blue Bell Knoll (1988) parte exatamente de onde o trio escocês havia estacionado dois anos antes, sustentando na força dos versos e arranjos um novo capítulo dentro da rica discografia do grupo. Fortemente influenciada pelo nascimento da primeira filha, Lucy Belle, Fraser transporta para dentro do disco parte dessas novas experiências. O resultado está na construção de um trabalho marcado pela particularidade e fino toque de esperança dos versos, como um convite a desvendar o ambiente familiar da cantora. Na composição dos arranjos, uma interpretação musical da paranoia e constantes delírios de Robin Guthrie, na época sufocado pelo vício em drogas, garantindo ao baixista Simon Raymonde maior autonomia no processo de construção do trabalho. Colorido quando próximo da atmosfera soturna que marca os primeiros discos da banda, o trabalho faz de cada composição um registro precioso. Além da já citada faixa de abertura, uma das canções mais executadas na história da banda, sobram clássicos como Pitch The Baby, Iceblink Luck e a climática I Wear You Ring, estímulo para o nascimento de diferentes projetos e artistas pelas próximas décadas. Recebido de forma positiva pelo público — o álbum alcançou a sétima posição nas paradas inglesas —, Heaven or Las Vegas seria o último capítulo do grupo dentro do selo 4AD, servindo de base para a sequência de obras produzidas pelo trio até o meio dos anos 1990.

 

The Breeders
Last Splash (1993, 4AD / Elektra Records)

Kim Deal já havia dado uma boa mostra da própria identidade artística durante o lançamento do primeiro álbum de estúdio do The Breeders, Pod (1990). Todavia, foi com a produção de Last Splash, entregue ao público três anos mais tarde, que a cantora e compositora norte-americana alcançou melhor resultado. Acompanhada pela irmã, a guitarrista Kelley, e os músicos Jim MacPherson (bateria) e Josephine Wiggs (baixo), o quarteto, em parceria com o produtor Mark Freegard, fez do registro de 15 faixas uma criativa sobreposição de ideias. Enquanto preserva parte da sonoridade explorada como integrante do Pixies, vide a surf music detalhada em No Aloha e o noise rock de Roi, perceba como Deal se permite provar de novas possibilidades dentro de estúdio, fazendo de cada composição um objeto marcado pelo frescor dos elementos. Das guitarras, respiros e temas melódicos que invadem o hit Cannonball, passando pela composição climática de Mad Lucas ao pop nostálgico de Drivin’ on 9, música que parece resgatada dos anos 1960, cada fragmento do disco parece transportar público e banda para um novo território.

 

TV On The Radio
Return to Cookie Mountain (2006, 4AD / Interscope / Touch and Go)

Com o lançamento de Desperate Youth, Blood Thirsty Babes, em março de 2004, os integrantes do TV On The Radio conseguiram estabelecer as regras do som produzido pela banda. Uma colagem de ideias que passeia por diferentes épocas e sonoridades de forma sempre curiosa, inventiva. Entretanto, ninguém parecia preparado para a transformação que viria em Return to Cookie Mountain. Primeiro trabalho da banda com a presença de Jaleel Bunton e Gerard Smith, o trabalho de 11 faixas impressiona logo nos primeiros minutos, efeito da colisão de ritmos que marca I Was A Lover, música que ainda se apropria de samples de Teardrop do Massive Attack. Entre instantes de maior melancolia (Dirty Whril) e faixas marcadas pela explosão dos arranjos (Playhouses), o destaque acaba ficando por avalanche de vozes, guitarras e metais que cobre toda a extensão de Wolf Like Me, quinta faixa do disco e uma das melhores composições da banda. Bem-recebido pela imprensa e público, Return to Cookie Mountain abriria passagem para que o grupo fosse convidado a participar de diversos festivais ao redor do globo, servindo de passagem para a madura transformação no álbum seguinte, o elogiado Dear Science (2008).

 

Ariel Pink’s Haunted Graffiti
Before Today (2010, 4AD)

Depois de uma década se revezando na produção de obras caseiras, composições lançadas de forma independente e experimentações, Ariel Pink aceitou o convite da 4AD para a produção do primeiro álbum em um selo de médio porte: Before Today. Entre variações de faixas já conhecidas, como a inaugural, Hot Body Rub, Pink se concentra em revisitar o rock psicodélico dos anos 1960, 1970 e 1980, porém, de forma sempre curiosa, torta. São composições como Bright Lit Blue Skies e Can’t Hear My Eyes, com suas melodias e temas empoeirados, como fragmentos resgatados de uma antiga fita cassete. Uma lenta sobreposição de ideias que mostra o esforço do músico californiano em adaptar de forma acessível parte do material originalmente testado nos primeiros discos, como The Doldrums (2000) e House Arrest (2002). É justamente dessa colisão de ideias que nasce a principal composição do álbum: Round and Round. São pouco mais de cinco minutos em que Pink e um time de instrumentistas parecem brincar com os instantes, detalhando camadas de sintetizadores, vozes em coro, guitarras climáticas e curvas instrumentais que crescem como um complemento à poesia intimista lançada pelo artista. Um vívido ponto de transformação para a discografia do músico, postura evidente também nos trabalhos seguintes, Mature Themes (2012) e Pom Pom (2014).

 

Deerhunter
Halcyon Digest (2010, 4AD)

Em um ano de obras fantásticas, como My Beautiful Dark Twisted Fantasy, The Suburbs e High Violet, Halcyon Digest conseguiu não apenas transformar o trabalho do Deerhunter, apresentado o grupo a toda uma nova parcela de ouvintes, como ainda estabeleceu a passagem para um ambiente isolado dentro da discografia da banda. Ao mesmo tempo em que grande parte das canções soam como uma extensão dos ruídos testados em Microcastles, cada música assinada por Bradoford Cox funciona como uma pequena peça do cenário lisérgico/onírico exposto ainda na inaugural Earthquake. Um universo de desilusões sentimentais (He Would Have Laughed), tormentos típicos de um jovem adulto (Don’t Cry) e personagens (reais), caso da homenagem a Dimitry Marakov em Hellicopter. Musicalmente, o Deerhunter dá um novo passo em relação aos primeiros discos. Além do explícito resgate de ruídos minimalistas e distorções melódicas testadas no trabalho de 2008, a precisa inserção de novos instrumentos parece aproximar o grupo de um campo ainda maior de possibilidades. Do saxofone instável em Coronado, inspirado de forma confessa no clássico Exile On Main Street. (1972) dos Rolling Stones, ao uso de guitarras limpas e violões, em Revival, todos os elementos do álbum se organizam de forma harmônica, como uma interpretação torta da música pop de diferentes épocas. Com um pé na psicodelia e outro na mente instável de Cox, Halcyon Digest é a passagem para um universo tão próprio (e perturbador) quanto a imagem que estampa a capa do álbum.

 

St. Vincent
Strange Mercy (2011, 4AD)

Annie Erin Clark é o clássico caso de uma artista que já nasceu madura, pronta. Basta voltar os ouvidos para os dois primeiros álbuns de estúdio como St. Vincent, Marry Me (2007) e Actor (2009), para perceber o cuidado na composição de cada fragmento poético ou instrumental lançado pela musicista. Nada que se compare ao esmero da cantora e compositora texana nas canções que abastecem Strange Mercy (2011). Regido pelas guitarras, o terceiro álbum de estúdio de Clark encontra na completa exposição detalhada nos versos o estímulo para a formação de uma obra crescente, forte, cuidado que se reflete em cada uma das 11 faixas do disco. Produzido em parceria com o experiente John Congleton, o trabalho centrado no cotidiano, angústias e conflitos intimistas da guitarrista faz de cada composição um objeto precioso, postura reforçada mesmo no pop melódico que delicadamente invade músicas como Cruel e Cheerleader, duas das principais composições do disco. O destaque acaba ficando por conta do som ruidoso, por vezes invasivo, de Northern Lights, composição que se espalha em meio a pequenas desconstruções instrumentais, alavancando a voz da artista até a última nota.

 

Grimes
Art Angels (2015, 4AD)

Passada a divulgação de Visions (2012), Grimes mudou-se para Los Angeles, onde começou a trabalhar no quarto álbum de inéditas. Incomodada com o resultado das canções e o machismo da indústria – “Eu não quero ser infantilizada por que me recuso a ser sexualizada […] Estou cansada da insistência estranha de que preciso de uma banda ou que preciso para trabalhar com outros produtores” -, a cantora jogou fora todo o material produzido – incluindo a pegajosa Go, faixa originalmente composta para Rihanna -, e decidiu começar do zero. O resultado dessa ruptura se reflete nas canções de Art Angels (2015). Livre do som “etéreo” que marca o álbum de 2012, Grimes parece dançar em um ambiente essencialmente eufórico, comercial quando necessário e íntimo de diferentes núcleos da música pop. São fragmentos de J-Pop/K-Pop (Kill V. Maim), diferentes adaptações do trabalho produzido por Taylor Swift (California), passagens pelo rock alternativo da década de 1990 (Flesh Without Blood) e até conceitos instrumentais resgatados dos primeiros discos da cantora (Realiti). Produzido em um período de dois anos, com Grimes aprendendo a tocar grande parte dos instrumentos, Art Angels ainda entrega ao ouvinte as contribuições de Janelle Monáe (Venus Fly) e da rapper taiwanesa Aristophanes (SCREAM).

 

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.