10 Discos Essenciais: Warp Records

/ Por: Cleber Facchi 03/06/2019

Formado na cidade de Sheffield, Inglaterra, em 1989, por Steve Beckett, Rob Mitchell e Robert Gordon, o Warp Records é um selo britânico responsável por revelar ao mundo alguns dos projetos mais importantes da música eletrônica que surgiram nas últimas três décadas. De Aphex Twin a Squarrepusher, de LFO a Oneohtrix Point Never, não foram poucos os artistas que tiveram seus trabalhos lançados pela gravadora. Para celebrar os 30 anos de fundação do selo, organizamos uma lista com dez obras essenciais. São trabalhos que atravessam a IDM dos anos 1990 e chegam até o presente cenário, revelando a tentativa de seus realizadores em dialogar com novos artistas e diferentes campos da música.


Autechre
Tri Repetae (1995, Warp)

Ruídos eletrônicos, captações industrias e incontáveis quebras rítmicas. Em Tri Repetae, terceiro álbum de estúdio da dupla britânica Autechre, cada fragmento do registro parece pensado para brincar com a interpretação do ouvinte, efeito direto da mudança de direção adotada pelos produtores Sean Booth e Robert Brown durante toda a execução da obra. Do momento em que tem início, na lenta composição de Deal, passando pelo turbilhão criativo de Clipper ou mesmo a base futurística de Rsdio, todos os elementos do disco se projetam de forma a estimular a essência experimental das batidas, melodias e entalhes eletrônicos, conceito que seria melhor aproveitado nos trabalhos seguintes do Autechre, como LP5 (1998) e Confield (2001). Sequência ao maduro Amber (1994), registro que havia transportado o som produzido pelo duo para um campo melódico, o trabalho de dez faixas e pouco mais de 70 minutos de duração encontra no reducionismo dos elementos a passagem para uma obra que parece maior e mais complexa a cada nova audição.

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Aphex Twin
Richard D. James Album (1996, Warp)

Poucos artistas demonstraram tamanha versatilidade no início da década de 1990 quanto Richard D. James como Aphex Twin. Depois de se aventurar no uso de temas atmosféricos, em Selected Ambient Works 85–92 (1992) e Selected Ambient Works Volume II (1994), o produtor irlandês assinou com a Warp Records por onde lançou o elogiado …I Care Because You Do (1995). Entretanto, foi com a chegada do autointitulado registro entregue em novembro de 1996 que o artista passou a dialogar com uma parcela maior do público. Concebido inteiramente a partir de um Macintosh, o trabalho preserva a essência melódica e ambientações detalhadas nos primeiros registros de estúdio, porém, se permite provar de novas possibilidades e ritmos. Do uso remodelado da voz, em To Cure a Weakling Child, passando pelos arranjos de cordas, em 4, Girl/Boy Song e Goon Gumpas, ao domínio dos sintetizadores, em Fingerbid, cada composição do disco parece transportar o ouvinte para um novo universo criativo, reforçando a capacidade do artista e brincar com a própria identidade.

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Boards of Canada
Music Has the Right to Children (1998, Warp)

Mike Sandison e Marcus Eoin haviam passado grande parte da década de 1990 se aventurando em uma série de experimentações com instrumentos analógicos, uso inusitado de samples e fragmentos que transportaram a música eletrônica para um novo território, vide a sequência de faixas apresentadas nos inaugurais Twoism EP (1995) e Hi Scores EP (1996). Todavia, foi durante a produção do primeiro álbum de inéditas, Music Has the Right to Children, que o duo escocês alcançou melhor resultado em estúdio. De essência cósmica, o trabalho dominado pela inserção de sintetizadores etéreos, vozes submersas, captações de campo e variações do ambient techno/downtempo convida o ouvinte a se perder um universo de pequenas incertezas. São pouco mais de 70 minutos em que cada fragmento do disco parece bagunçar as experiências do espectador, flutuando em uma cama de melodias abstratas, base para a composição de Pete Standing Alone, Aquarius, Turquoise Hexagon Sun e demais faixas sutilmente apresentadas pela dupla no decorrer da obra.

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Prefuse 73
One Word Extinguisher (2003, Warp)

Depois de uma série de trabalhos independentes lançados sob diferentes pseudônimos, Scott Herren decidiu reunir parte dessas experiências em um novo projeto. O resultado desse maior refinamento criativo está nas canções de Vocal Studies + Uprock Narratives (2001), primeiro álbum de estúdio do produtor norte-americano como Prefuse 73 e uma colorida colcha de retalhos conceituais que vai do experimentalismo eletrônico ao hip-hop produzido no início dos anos 1980. Entretanto, foi com a chegada de One Word Extinguisher, dois anos mais tarde, que o Herren organizaria melhor suas ideias. Marcado pela criativa colagem de referências, o trabalho vai do uso instrumental da voz, em The Wrong Side of Reflection (Intro), ao detalhamento nostálgico dos temas, como em Perverted Undertone, utiliza de pequenas corrupções estéticas, samples e variações instrumentais como o estímulo para um material propositadamente irregular, torto, estrutura que viria a orientar o trabalho do artista pela próxima década.

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Battles
Mirrored (2007, Warp)

Formado no início dos anos 2000 por Ian Williams, John Stanier, Tyondai Braxton e Dave Konopka, o Battles é um grupo de math rock nova-iorquino que passou os primeiros anos de formação testando diferentes fórmulas instrumentais e se aventurando por diferentes campos da música. Produto final dessa criativa colisão de ideias, que vai do jazz dos anos 1970 ao rock alternativo da década de 1990, está em Mirrored, primeiro álbum de estúdio do quarteto norte-americano. Concebido a partir de camadas, o trabalho parte da contínua repetição dos elementos com estímulo para capturar a atenção do ouvinte. O resultado desse forte direcionamento conceitual está na produção de músicas como Atlas, com seus sete minutos de puro delírio, e Tonto, composição que se espalha a partir de variações melódicas, guitarras carregadas de efeitos e quebras rítmicas. Surgem ainda composições como a frenética Tij, ou mesmo a curtinha Leyendecker, com suas vozes distorcidas e inserções climáticas que seriam melhor aproveitadas no álbum seguinte da banda, Gloss Drop (2011).

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Grizzly Bear
Veckatimest (2009, Warp)

O explícito amadurecimento criativo em Yellow House (2006) foi apenas o início de uma série de transformações que marcaram a carreira do Grizzly Bear na segunda metade dos anos 2000. Fino exemplo desse profundo amadurecimento poético e instrumental ecoa com naturalidade nas canções de Veckatimest. Terceiro álbum de estúdio do quarteto nova-iorquino, o trabalho não apenas avança em relação ao antecessor, como revela ao público um mundo de novas possibilidades. São coros de vozes que parecem apontar para a obra de veteranos como The Beach Boys, arranjos que transitam entre as melodias acústicas de Nick Drake e o jazz avant-garde, versos políticos e instantes de profunda exposição sentimental. De fato, cada composição do disco se abre de forma a revelar um universo de pequenos detalhes. Do canto gospel em Fine For Now aos pianos coloridos de Two Weeks, da atmosfera delirante de Ready, Able à melancolia minimalista de Foreground, difícil não se emocionar com o rico material orquestrado em conjunto entre Ed Droste, Daniel Rossen, Chris Taylor e Christopher Bear.

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Flying Lotus
Cosmogramma (2010, Warp)

Fortemente influenciado pelo trabalho de veteranos da cena eletrônica, como Aphex Twin e Boards of Canada, além, claro, de beber do hip-hop de Madlid e MF DOOM, e do jazz de Herbie Hancock, Miles Davis e Alice Coltrane, essa última, sua tia-avó, Steven Ellison passou os primeiros anos da carreira provando de diferentes fórmulas instrumentais, como se estivesse em busca da própria identidade. Depois de dois ótimos registros lançados pela Warp Records, 1983 (2006) e Los Angeles (2008), foi com a chegada de Cosmogramma, em maio de 2010, que o artista californiano alcançou um novo estágio criativo. Marcado pelas texturas, uso minucioso de samples, melodias etéreas e vozes, o trabalho resgata uma série de elementos originalmente testados no jazz cósmico da década de 1970, porém, partindo de uma linguagem atual, por vezes íntima do pop torto adotado pelo artista nos trabalhos lançados para o Cartoon Netwoork. São pouco mais de 40 minutos em que Ellison parece brincar com os instantes, estreitando a relação com nomes como Thom Yorke (…And the World Laughs with You), Thundercat (Mmmhmm) e Laura Darlington (Table Tennis).

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Oneohtrix Point Never
R Plus Seven (2013, Warp)

Com a boa repercussão em torno de Replica (2011), Daniel Lopatin decidiu relançar os três primeiros trabalhos de estúdio, revisitar uma série de canções inéditas dentro das coletâneas Drawn and Quartered e The Fall Into Time, lançar o colaborativo Instrumental Tourist (2011), parceria com o canadense Tim Hecker e ainda trabalhar na produção do quarto álbum de estúdio do Ducktails, The Flower Lane (2013). Todo esse processo de inquietação acaba se refletindo na composição do experimental R Plus Seven. Sexto álbum de inéditas de Oneohtrix Point Never, o registro de apenas dez faixas flutua entre diferentes décadas, referências e possibilidades dentro de estúdio. Instantes em que a música de Lopatin mergulha na obra de Brian Eno, Phillip Glass, Aphex Twin e Steve Reich sem necessariamente perder a própria essência. Rupturas, quebras e colagens instrumentais que assumem diferentes orientações em faixas como Zebra, Inside World, Still Life e Boring Angel, essa última, bem-sucedida parceria entre Lopatin e o diretor John Michael Boling.

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Kelela
Take Me Apart (2017, Warp)

Sem pressa, Kelela passou grande parte da última década mergulhando na composição de obras colaborativas, vide a série de encontros com Teengirl Fantasy e Kindness; revelou ao público uma bem-sucedida coleção de músicas avulsas, caso de OICU e Rewind, além, claro, do experimentalismo na mixtape Cut 4 Me (2013) e da completa entrega emocional que embala Hallucinogen EP (2015). Interessante perceber em Take Me Apart, registro de estreia da cantora e primeiro grande título feminino promovido pela Warp Records, um natural acumulo de todas essas experiências. Do momento em que tem início, em Frontline, passando por Waitin, Better, LMK e Blue Light, cada composição do disco reflete a capacidade da artista em colidir passado e presente da música negra de forma autoral. São variações eletrônicas que se espalham em meio a versos provocativos, sempre confessionais, estrutura que se completa pela presença de produtores como Ariel Rechtshaid, Jam City, Arca e Kwes.

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Yves Tumor
Safe in the Hands of Love (2018, Warp)

A incerteza talvez seja a principal marca do som produzido por Yves Tumor. Depois de dois discos marcados pelo estranho cruzamento de ideias, caso de When Man Fails You (2015) e Serpent Music (2016), o cantor, compositor e produtor norte-americano decidiu investir na formação de uma obra minimamente acessível, estreitando a relação com uma parcela maior do público. Utilizando de versos românticos, temas existencialistas e pequenas desilusões amorosas, o músico passeia em meio a criações puramente delirantes, como um convite a se perder em um universo de formas particulares. Entre fragmentos eletrônicos, melodias recortadas e vozes assumidas por diferentes colaboradores, Yves Tumor revela algumas de suas composições mais importantes. São músicas como a eletrônica Honesty, o completo delírio de Noid e instantes de profunda entrega emocional, caso de Licking an Orchid, bem-sucedida colaboração com James K. Um colorido catálogo de referências que parte da base instrumental do disco e seque até a criativa identidade visual adotada para divulgar o registro.

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Menções Honrosas: Frequencies (1991), do LFO; a coletânea Artificial Intelligence (1992); Hard Normal Daddy (1997), do Squarrepusher; Haha Sound (2003), do Broadcast; Saint Dymphna (2008), do coletivo Gang Gang Dance; Glass Swords (2011), do Rustie; 93 Million Miles (2011), da dupla Africa Hitech; Atrocity Exhibition (2016), do rapper Danny Brown.


Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.