10 discos “obscuros” de David Bowie que você deveria conhecer

/ Por: Cleber Facchi 10/02/2014

David Bowie

Rock, eletrônica, pop e até música barroca, em mais de cinco décadas de carreira, poucos artistas brincaram tanto com a própria estética quanto David Bowie. Fazendo jus ao título de “Camaleão Do Rock”, o veterano da música britânica assume em cada registro em estúdio uma obra entregue ao reinvento. Entre discos clássicos como The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars (1972), Aladdin Sane (1973) e a aclamada trilogia Berlim – Low (1977), “Heroes” (1977) e Lodger (1979) -, o cantor reserva para os trabalhos mais obscuros e distantes do grande público uma série de referências e experimentos a serem revisitados. Para quem busca por um caminho alternativo de forma a desbravar a discografia do cantor, separamos dez discos pouco conhecidos da discografia de Bowie, mas que merecem ser desvendados pelo público.

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David Bowie

David Bowie
David Bowie (1967, Deram)

Longe da verve cênica que impulsionaria sua carreira ao longo dos anos, em 1967 David Bowie parecia seguir a trilha dos novos artistas britânicos. Partilhando as mesmas experiências líricas e músicas propostas por grupos como The Beatles, o cantor fez do primeiro álbum de estúdio um trabalho inofensivo, mas nem por isso pouco estimulante. Impulsionado pelo ritmo marcial de Rubber Band e os arranjos sutis de Love You Till Tuesday, o registro de 14 faixas reforça toda a capacidade do músico em lidar com melodias acessíveis e canções de versos fáceis.Seja pela capa marcada pela figura de bom moço, aos arranjos íntimos do Baroque Pop, Bowie ainda estava longe, muito longe, do personagem excêntrico que viria a sustentar em pouco tempo.

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David Bowie
Young Americans (1975, RCA)

As vozes densas, os metais e o clima cativante de Young Americans entregam: a música negra ocupava a mente de Bowie em 1975. Brincando com elementos do Soul, R&B, Gospel e todos os ingredientes que definiram a música norte-americana naquele instante, o músico britânico fez do nono registro em estúdio uma fuga do percurso assumido desde Hunky Dory (1971). Nada conceitual e livre da personagem assumida em Ziggy Stardust, o cantor trouxe na leveza das canções um mecanismo natural para se aproximar de uma nova parcela do público. Gravado parcialmente no mítico Electric Lady, estúdio nova-iorquino construído por Jimi Hendrix em 1970, o álbum encontra nas vocalizações em coro e no ritmo pulsante do Funk um ponto de isolamento dentro da discografia do artista. São músicas como Fascination e Can You Hear Me, faixas que se dividem entre o erotismo dos arranjos e a melancolia das confissões. Em um cenário onde Sly & the Family Stone e outros nomes próximos eram reis, Bowie conseguiu deixar sua marca.

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David Bowie
Station to Station (1976, RCA)

Quem foi seduzido por David Bowie em Young Americans (1975), ou se encantou pelas histórias cantadas pelo cantor no começo de carreira, provavelmente levou um susto em 1976. Para o décimo registro em estúdio, Station to Station, o camaleão do rock não apenas resolveu mudar a própria direção, como abraçou de vez o experimento. Antecipando parte da estética que viria a decidir a “Trilogia Berlim”, o álbum passeia de forma atenta por elementos da eletrônica, rock progressivo e funk, distanciando o músico de uma composição essencialmente voltada ao pop. A complexidade em torno da obra – inaugurada pela faixa homônima, com mais de 10 minutos de duração -, de forma alguma priva o ouvinte de instantes mais acessíveis. Basta uma rápida passagem pelo ritmo suingado de Golden Years ou clima “familiar” de TVC 15 para perceber a série de elementos típicos do lado mais radiofônico do cantor. Todavia, a beleza da obra reside nos instantes de maior invenção, trazendo em referências que vão de Nietzsche a Aleister Crowley o real sustento do disco. Um mero “aperitivo” para o que viria de forma ainda mais instigante no ano seguinte.

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David Bowie
Lodger (1979, RCA)

Quem ouve a comentada “Trilogia Berlim” de David Bowie, quase sempre passa pelas canções de Low e “Heroes”, mas esquece do derradeiro Lodger. Um erro. Tão inventivo quanto as obras que o antecedem, o 13º álbum de estúdio do cantor é um brinde à experimentação. A relação com a música germânica, principalmente o Krautrock, parece ter encontrado um novo resultado nas mãos do cantor, que entre sintetizadores e guitarras carregadas de efeito transporta o ouvinte para um ambiente quase particular. Ao mesmo tempo em que brinca com sobrecargas de ruídos e elementos que esbarram na música eletrônica em um sentido provocativo, Bowie de forma alguma parece esquecer do grande público. Em busca de melodias acessíveis e versos sempre atrativos, o cantor espalha pelo álbum canções como DJ, Look Back in Anger e Yassassin, faixas que se dividem entre o Art Rock e parte dos elementos que definiram a recém-inventada New Wave.

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David Bowie
Scary Monsters (and Super Creeps) (1980, RCA)

Em um ano em que Talking Heads, Pretenders e outros nomes de peso apresentaram obras significativas para a New Wave, o camaleão do rock não poderia passar sem deixar sua marca. Interpretação sombria da estética Neon da década de 1980, Scary Monsters (and Super Creeps) encontra no uso de guitarras sujas e vozes quase inacessíveis um ponto de reformulação para a música da época. Faixas como It’s No Game, com seus samples turbulentos, diálogos em japonês e referências condensadas aproximam e distanciam Bowie de um trabalho musicalmente acessível. Pouco mais de 40 minutos em que elementos do Pós-Punk, Art Rock e Pop dançam pelas orquestrações instáveis do músico. Imenso bloco de referências, o álbum assume uma curva excêntrica em relação ao que os predecessores registros da “Trilogia Berlim” pareciam anunciar. Com produção assinada pelo velho colaborador Tony Visconti, e com Pete Townshend (The Who) e Brian Eno entre os produtores, Scary Monsters é a entrada definitiva de Bowie nos anos 1980.

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David Bowie
Black Tie White Noise (1993, Savage)

Se a chegada de David Bowie aos 1980 foi marcada por obras assertivas como Let’s Dance (1983), sair da mesma década não foi um exercício tão simples para o artista. Depois de uma temporada de obras recebidas de forma negativa – caso de Tonight (1984) e Never Let Me Down (1987) -, além do flerte com o Hard Rock no projeto paralelo Tin Machine, Bowie fez de Black Tie White Noise um satisfatório retorno a fase solo. Com produção assinada pelo veterano da Funk Music, Nile Rodgers, o álbum se sustenta como um verdadeiro cruzamento de referências. São quase 60 minutos de duração em que elementos da soul music, eletrônica e rock alternativo dançam pelos inventos do cantor. Impulsionado por músicas como You’ve Been Around, além da própria faixa-título, o álbum é a base de boa parte dos registros que guiariam o cantor ao longo dos anos 1990.

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David Bowie
The Buddha Of Suburbia (1993, BMG)

Poucos meses depois do retorno com Black Tie White Noise, David Bowie já estava em estúdio para mais um novo álbum. Produzido especialmente para a série britânica The Buddha of Suburbia, a trilha-sonora homônima aponta para uma direção oposta ao que Bowie parecia assumir no começo dos anos 1990. Ao lado de Lenny Kravitz, o cantor resgata as mesmas peças experimentais deixadas na década de 1970, abraçando o Art Rock em uma atmosfera nostálgica e ao mesmo tempo transformadora, como um mergulho no passado sem necessariamente fugir do presente. Com versos carregados de ironia (Sex and the Church) e faixas marcadas pela visão particular de Bowie sobre o mundo (Strangers When We Meet), o álbum segue até o último segundo como uma passagem turbulenta pela mente do próprio cantor.

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David Bowie
Outside (1995, BMG)

Parceiros desde o fim da década de 1970, quando juntos deram vida à Trilogia Berlim, David Bowie e Brian Eno voltaram a se encontrar em 1995 para a construção do conceitual Outside. Antecipando uma série de referências que viriam a conduzir a obra dos conterrâneos do Radiohead no clássico OK Computer (1997), a dupla fez do álbum uma observação crítica sobre a desconstrução da cultura (e do próprio homem) na era digital. Embora marcado pelo uso de versos existenciais e composições tratadas em uma atmosfera quase intimista, o álbum curiosamente conseguiu atrair o público. A capacidade de Bowie em construir músicas radiofônicas (vide os versos em The Hearts Filthy Lesson e Hallo Spaceboy) segue por toda a obra, que entre ruídos e colagens experimentais típicas de Eno brinca de forma provocativa com a mente do espectador.

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David Bowie

David Bowie
Earthling (1997, BMG)

O interesse de David Bowie pela música eletrônica se estende desde o fim da década de 1970. Fascinado pela estética de grupos como Kraftwerk, o cantor fez dos primeiros álbuns na década de 1990 uma passagem direta para o gênero, que entre pequenos experimentos encontrou em Earthling sua melhor forma. Guiado em totalidade pela colagem de batidas eletrônicas, vozes robóticas e toda uma carga de referências sintéticas, o álbum traz em cada música uma aproximação explícita com elementos que vão do Drum and Bass ao Rock Industrial. Dividido entre faixas de forte aceleração (Little Wonder) e canções esculpidas com leveza (Looking for Satellites), o álbum reforça toda a capacidade de adaptação do músico. Seguindo as pistas de “novatos” como Nine Inch Nails e Moby (artistas que cresceram influenciados por seu trabalho), Bowie atravessa as nove composições do disco em uma estrutura que vai das pistas ao recolhimento, como um imenso remix de sua própria carreira. Da capa produzida pelo designer Alexander McQueen ao cruzamento de referências em cada canção, o álbum se sustenta como dos melhores resumos da música construída na segunda metade dos anos 90.

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David Bowie
Heathen (2002, Columbia)

Os versos soturnos e a ambientação atenta de Heathen marcaram a entrada de David Bowie nos anos 2000. Depois de uma série de registro frenéticos e musicalmente instáveis lançados na década de 1990, o cantor encontrou na própria sobriedade um ponto de equilibrio e ainda assim transformação. Espécie de interpretação compacta das mesmas invenções testadas na Trilogia Berlim, o álbum serviu para provar que mesmo passadas quatro décadas de carreira, Bowie ainda conseguia surpreender. Ao lado do companheiro de longa data, Tony Visconti, o músico britânico fez da evidente relação entre as músicas um ponto de sustento para a obra. São arranjos tímidos, em geral orquestrados por sintetizadores atmosféricos, mas que abrem espaço para que a voz do cantor ecoe em um raro estado de limpidez. Compacto em essência, o disco se sustenta entre baladas melancólicas e composições abrandadas, como uma versão desacelerada de tudo o que o músico conquistou décadas antes.

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Texto originalmente publicado no Brasil Post

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.