10 Discos Para Gostar de Shoegaze

/ Por: Cleber Facchi 31/07/2013

Por: Cleber Facchi

Shoegaze

Reza a lenda de que durante as primeiras apresentações do The Jesus and Mary Chain, a timidez dos irmãos Jim e William Reid era tamanha, que olhar para os próprios tênis (shoes) parecia ser a única forma de se manter longe do público. Boato ou apenas atenção redobrada no manuseio dos pedais e distorções, veio daí o título para o som desconcertante proposto pelo duo: Shoegaze. Ainda que seja responsabilidade da dupla parte da construção do termo atribuído ao gênero, a forma orquestral incorporada aos ruídos vem de muito antes disso. Das distorções propostas pelo The Velvet Underground na década de 1970, aos ruídos sombrios que abasteceram os primórdios do Pós-Punk, anos de experimentação levaram ao sustento do estilo, que ao fim dos anos 1980 explodiu.

Passeando por diferentes estágios do gênero, preparamos uma seleção de 10 Discos para Gostar de Shoegaze. São obras antigas e recentes que refletem aspectos característicos da época em que foram lançados. Por se tratar de uma lista pequena, algumas obras acabaram de fora da seleção final, caso de Ferment (1992) do Catherine Wheel, Mezcal Head (1993) do Swervedriver, Doppelgänger (1992) do Curve e outras obras clássicas assinadas pelos mesmos artistas já expostos na lista. Outros trabalhos talvez sejam encontrados em nossa outra lista, a de 10 Discos para Gostar de Dream Pop.

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Whirpool

Chapterhouse
Whirlpool (1991, Space Age)

Entre o fim da década de 1980 e o começo dos anos 1990, o Reino Unido era soterrado por uma verdadeira avalanche de bandas inclinadas aos ruídos. No meio desse cenário criativo, nascia o Chapterhouse, grupo que trouxe na comunhão entre as guitarras e os vocais submersos, um princípio de identidade. Em exercício desde 1987, o grupo fez do primeiro registro em estúdio, Whirlpool, um catálogo natural de faixas marcantes para o gênero. Esparramando bases psicodélicas em cima de uma verdadeira tapeçaria de ruídos, o álbum serve de abrigo para canções como Pearl, Falling Down e Treasure, alimento para aquilo que grupos como Slowdive e uma centena de outros grupos trariam na mesma década. Lançado no mesmo ano que Loveless do My Bloody Valentine e todo o altar de clássicos que ocuparam 1991, o disco passaria completamente despercebido pelo grande público, se transformando anos mais tarde em um objeto de inspiração para uma centena de jovens músicos. Em produção até 1994, o Chaperthouse ainda lançaria o satisfatório Blood Music (1993) antes de ser dissolvido, com seus integrantes dando vida a uma série de outras bandas.

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Deerhunter

Deerhunter
Microcastle (2008, Kranky/4AD)

Enquanto Cryptograms (2007) representa um despertar na maturidade autoral do Deerhunter, Microcastle é a plena compreensão sobre todo esse fenômeno poético e instrumental da banda. Terceiro registro em estúdio do grupo original de Atlanta, Georgia, o álbum se sustenta como um aproveitamento conciso das distorções em um estágio próximo da psicodelia. Experimental e ainda assim capaz de reproduzir melodias associáveis, o trabalho cresce em uma estufa de experiências caóticas e ainda assim controladas, uma abertura para os inventos poéticos de Bradford Cox, proclamador de um universo sempre melancólico e soturno. Saindo das cortinas, Lockett Pundt assume o caráter climático do disco, delineando guitarras quase opositivas aos temas sujos expostos pelo parceiro de banda. O resultado dessa soma de irregularidades intencionais está na construção de faixas como Nothing Ever Happened, Agoraphobia e Never Stops, cardápios abertos de ruídos e sentimentos tomados pela confusão. Concebido como uma obra dupla, o álbum cresce por conta do disco bônus Weird Era Cont., lançado em paralelo.

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Lush
Split (1994, 4AD)

O Lush parece ser um típico exemplar de bandas que ocuparam criativamente a década de 1990. Com uma discografia escassa, fruto de um período curto de atuação, o grupo britânico montado no fim dos anos 1980 faz da relação entre vozes amigáveis e doses consideráveis de distorção um princípio de invento. Com três registros em estúdio, a banda fez do segundo álbum, Split, seu melhor exemplar. Contrariando a lógica de outros grupos nascidos no mesmo período, o coletivo inglês trouxe na presença de duas vocalistas/guitarristas um ponto de novidade ao que parecia guiado com exclusividade pelos homens, efeito acertado com beleza na construção sonora e vocal do álbum. Aos comandos de Miki Berenyi e Emma Anderson, o registro cresce em uma medida quase frenética, relacionada em maior grandeza com o Rock Alternativo da mesma época do que as distorções climáticas em si. Embora arquitetado em um caráter de urgência, Split é uma obra atenta aos detalhes, marca que a banda soluciona com uma reprodução coesa de vozes, camadas instrumentais e composições sonoras divididas entre sonorizações terrenas e ainda assim etéreas.

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Medicine

Medicine
The Buried Life (1993, Def American)

Formado na cidade de Los Angeles, Califórnia em 1990, o coletivo Medicine parecia ser uma resposta natural à invasão de ruídos proclamados por diversas bandas britânicas. Aos comandos do multi-instrumentista Brad Laner – que desde o começo dos anos 1980 vinha experimentando com as distorções -, o grupo norte-americano fez do primeiro registro em estúdio, Shot Forth Self Living (1992) um anúncio do que viria a definir o gênero em solo estadunidense. Entretanto, é no lançamento de The Buried Life, em 1993, que reside o verdadeiro acerto em torno da obra do grupo. Confortado em uma camada inexata de ruídos e vozes melódicas, o álbum traz na desconstrução das guitarras um princípio de crescimento para cada uma das 12 canções. Enquanto Laner desenvolve verdadeiras paisagens climáticas e experimentais, a voz delicada de Beth Thompson surge em um efeito voluntário de oposição, mergulhando o ouvinte em um catálogo essencial de sons agridoces. Seria a abertura para o trabalho de uma centena de outros grupos.

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Loveless

My Bloody Valentine
Loveless (1991, Creation)

Três anos de gravação, a quase falência do selo Creation Records e Kevin Shields teria em mãos a obra mais celebrada do Shoegaze: Loveless. Exemplar fundamental para tudo o que viria a guiar o gênero pelos próximos anos, o segundo registro em estúdio do My Bloody Valentine eleva uma “simples” carga de ruídos à um caráter próximo do orquestral. São pouco mais de 40 minutos de duração em que as guitarras não apenas ditam os rumos da obra como parecem se movimentar e “pensar” de forma independente pelo disco. Gravado em diferentes estúdios ao longo dos anos, o álbum é uma natural evolução daquilo que a banda já havia experimentado em Isn’t Anything (1988), com Shields investindo fortemente no contraste entre as vozes brandas e a tapeçaria quase intransponível de sons que ocupam o álbum. Morada de composições essenciais como When You Sleep, Only Shallow e Loomer, Loveless serviria de alimento para uma centena de outros grupos, sejam eles bandas nascidas na década de 1990 ou artistas surgidos no começo dos anos 2000. Grandioso e uma das obras mais importantes já feitas na história do rock, o disco praticamente lançaria o MBV em um hiato obrigatório que só viria a ser rompido duas décadas mais tarde.

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Rocketship
Rocketship
A Certain Smile, A Certain Sadness (1996, Slumberland)

No meio de tantas obras clássicas que ocupam o rock alternativo nos anos 1990, A Certain Smile, A Certain Sadness do Rocketship parece ser uma resposta criativa e singular. Enquanto canções de amor dançam em um esforço pueril de temáticas intimistas, as guitarras frenéticas Dustin Reske crescem em meio a ruídos de evidente apelo pop. São apenas oito composições, quase um EP se não fosse pela extensa duração de algumas faixas, prelúdios de experimentos carregados por sintetizadores e ruídos frequentes. Centrado no que parece ser a história de um casal – e de tantos outros mundo afora -, o álbum se corrompe em declarações de amor e versos de pleno desespero. Um estágio aleatório de temas que circulam entre os instantes finais de um relacionamento e o começo de uma mesma história. Delineado por elementos do Twee Pop, o disco viria a antecipar uma série de conceitos mais tarde explorados por outras bandas, entre elas a nova-iorquina The Pains of Being Pure at Heart.

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Ride

Ride
Nowhere (1990, Creation)

Nowhere surgiu como um ponto de concentração para aquilo que iria ocupar a música britânica nos primeiros anos da década de 1990. Acomodado em espessas barreiras de distorção, vocais submersos e todo um artificio ruidoso que se conectava ao que outros representantes da cena inglesa haviam testado anos antes, o trabalho de estreia do Ride é um exemplar coeso da relação entre Andy Bell e os parceiros de banda. Mais do que um exercício peculiar de íntima relação entre versos e sons explorados em meio a orquestrações ruidosas, o registro seria um aquecimento para aquilo que My Bloody Valentine e outros grupos viriam a desenvolver no restante da década. Concentrando experiências que incluem os primeiros anos do Sonic Youth, bem como outros representantes da cena nova-iorquina, o álbum nada mais é do que um imenso catálogo de hits sujos, indo do clássico Vapour Trail, até canções “menores” como Kaleidoscope e Dreams Burn Down.

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Slowdive

Slowdive
Souvlaki (1993, Creation)

Os ruídos sempre encontraram no trabalho do Slowdive uma morada segura. Formada no final da década de 1980, a banda de Reading, Inglaterra trouxe com Souvlaki, de 1993, o ápice de uma curta discografia que se estenderia até meados de 1995. Homogêneo em relação ao antecessor Just for a Day (1991), o segundo registro em estúdio do grupo é uma mescla entre as climatizações do Dream Pop e a psicodelia suja do Shoegaze. Um jogo cuidadoso de vozes e distorções que se encontram a todo o instante, transformando o álbum em uma espécie de continuação natural daquilo que o My Bloody Valentine havia testado dois anos antes com Loveless. Letárgico, o disco deixa que faixas como Machine Gun, Here She Comes e 40 Days cresçam livremente pela obra, transformando cada uma das 10 canções originais em uma espécie de representação particular de um cenário próprio. Ora mágico, ora essencialmente doloroso, o álbum – que contou com a presença de Brian Eno – foge a todo o instante de qualquer repetição do gênero, exercício bem explorado no manuseio límpido dos vocais e das nuances detalhistas que se derramam com plena atenção por todo o disco.

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Jesus

The Jesus And Mary Chain
Psychocandy (1985, Blanco Y Negro)

Um oceano de distorções orquestradas de acordo com as necessidades de Jim e William Reid, assim é a orientação caótica e ordenada de Psychocandy, registro de estreia do The Jesus and Mary Chain. Ponto fundamental do que viria a ser entendido como Dream Pop, Shoegaze e Noise Pop pelas gerações posteriores, a estreia do grupo escocês é um verdadeiro brinde ao ruído sem que haja qualquer distanciamento dos vocais e versos de apelo acessível. Sustentado em cima de canções de amor e versos típicos que circundam o cotidiano de jovens adultos, o álbum é um rastro de sensações e manifestações instrumentais agridoces que nunca cessam. Blocos de ruídos capazes de fluir de maneira sombria até os últimos instantes, sem que haja qualquer limitação. Morada de clássicos como You Trip Me Up, Never Understand e Just Like Honey, o álbum viria a crescer como base para aquilo que a dupla desenvolveria nos lançamentos seguintes, principalmente dentro das invenções estendidas de Darklands (1987).

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The Pains Of being

The Pains Of Being Pure At Heart
The Pains Of Being Pure At Heart (2009, Slumberland)

Metade The Jesus and Mary Chain, metade Belle and Sebastian, a banda nova-iorquina The Pains Of Being Pure At Heart trouxe uma dose extra de entusiasmo quando apareceu ao público em 2009. Brincando com os ruídos em uma musicalidade delineada pela sutileza dos arranjos, o grupo fez de temáticas pós-adolescentes o princípio para um trabalho marcado de forma curiosa pela nostalgia. Reflexo de um amadurecimento musical alimentado por grande clássicos do Shoegaze/Dream Pop, o trabalho segue até o último instante em um contraste doce entre vozes e distorções. Recheado por faixas de composição voltada ao toque jovial dos arranjos e temas, o disco se sustenta com timidez em músicas como A Teenager in Love e Young Adult Friction, capazes de representar toda a particularidade do grupo e ao mesmo tempo uma forte relação com o passado. De forte relação com o Noise Pop e produção assinada pelos próprios integrantes de banda, o autointitulado registro seria a abertura para uma série de inventos característicos do grupo.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.