25 Discos de 1988

/ Por: Cleber Facchi 19/03/2018

 

Um ano de transformações para o mundo da música. Da consolidação da cena alternativa nos Estados Unidos, passando pela prolífica produção inglesa, até alcançar a mistura de ritmos que tomava conta do rock brasileiro, revisitar 1988 é mergulhar em uma verdadeira coleção de clássicos. De um lado, a explícita maturação de artistas que vinham trabalhando desde o início dos anos 1980, como Sonic Youth, R.E.M., Metallica e Talk Talk. No outro oposto, a força criativa de novatos como Tracy Chapman, Public Enemy e My Bloody Valentine. Um imenso conjunto de tendências, composições memoráveis e registros icônicos organizados em nossa lista com 25 discos essenciais lançados há três décadas. Nos comentários, conta pra gente: qual é o seu disco favorito de 1988?

 

Beat Happening
Jamboree (1988, K / Rough Trade)

Jamboree é o típico caso de uma obra que acabou influenciando centenas de expoentes da música norte-americana nas últimas décadas, porém, segue como uma registro completamente desconhecida do grande público. Inspiração confessa para o trabalho de veteranos como Death Cab For Cutie, Beck, Bright Eyes e Nirvana – Kurt Cobain citou a banda em diversas entrevistas enquanto vivo –, o álbum de 11 faixas mostra o esforço dos músicos Calvin Johnson, Heather Lewis e Bret Lunsford em transformar os próprios sentimentos e desilusões no componente central para a formação dos versos. Uma coleção de faixas essencialmente confessionais, cuidado que se reflete na construção de músicas como Indian Summer, Bewitched e Ask Me. São atos curtos, poucos mais de dois ou três minutos em que o trio original da cidade de Olympia, Washington, sutilmente amplia parte do material testado durante a produção do homônimo disco lançado três anos antes.

 

Cazuza
Ideologia (1988, Phillips / Universal Music)

Em busca de tratamento para a AIDS, Cazuza viajou no final de 1987 para os Estados Unidos, onde permaneceu até o início de dezembro. De volta ao Brasil, claramente tocado por esse período, entrou em estúdio para as gravações de uma de suas obras mais importantes: Ideologia. De essência política, conceito reforçado logo na imagem de capa do disco, com polêmica composição de uma suástica nazista junto de uma Estrela de Davi, o sucessor do romântico Só se For a Dois, lançado um ano antes, nasce como um complemento à poesia afiada do músico carioca. Estão lá composições icônicas como Brasil, posteriormente eternizada na voz da cantora Gal Costa, a autointitulada faixa de abertura, além, claro, de preciosidades como Blues da Piedade, parceria com Frejat que reforça o profundo interesse do músico pelo blues, gênero detalhado durante toda a obra. Todavia, importante notar que mesmo marcado pelo peso dos versos, Ideologia em nenhum momento oculta faixas de forte sensibilidade romântica. Canções como Minha Flor Meu Bebê, a bucólica Um Trem Para As Estrelas e a derradeira Faz Parte do Meu Show, música posteriormente regravada por uma dezena de artistas.

 

Cocteau Twins
Blue Bell Knoll (1988, 4AD)

Não seria uma surpresa se em 1988 os integrantes do Cocteau Twins apresentassem uma obra menor. Em atuação desde o final da década de 1970, a banda de Grangemouth, Escócia conseguiu ultrapassar os próprios limites com a sequência de obras lançadas dois anos antes, em 1986 – Victorialand, The Moon and the Melodies e o EP Love’s Easy Tears –, tornando o futuro do projeto claramente incerto. Satisfatório perceber em Blue Bell Knoll, quinto registro de inéditas da banda escocesa, um novo e precioso exercício criativo. Reflexo do profundo isolamento do trio formado por Elizabeth Fraser, Robin Guthrie e Simon Raymonde em um estúdio particular na cidade de Londres, o trabalho lançado em setembro de 1988 mostra o esforço do grupo em produzir um registro que mesmo acessível, encantando pelos detalhes e complexo refinamento na composição dos arranjos. Casa de algumas das principais canções da banda, como Carolyn’s Fingers, Cico Buff, Athol-Brose e a própria faixa-título, Blue Bell Knoll cresce em um intervalo de 35 minutos livre de possíveis erros e tropeços, hipnotizando o público pela forte interferências das guitarras coloridas de Guthrie, como um complemento à voz de Fraser.

 

Cowboy Junkies
The Trinity Session (1988, Latent / RCA)

Quer entender a força do trabalho produzido pelo Cowboy Junkies? Pergunte ao universo de artistas assumidamente influenciados pelo quarteto de Toronto. De Rilo Kiley a Ryan Adams, sobram representantes de peso da cena alternativa que encontraram no segundo álbum de estúdio da banda canadense, The Trinity Session (1988), um importante componente criativo. Conciso e atmosférico quando próximo do material detalhado dois anos antes no debute Whites Off Earth Now!! (1986), o trabalho que conta com produção de Peter J. Moore reflete o completo amadurecimento da banda formada por Margo Timmins, Alan Anton, Michael e Peter Timmins. Mais do que um revistar de temas íntimos do cancioneiro norte-americano, como o folk e o blues, o grupo acabou encontrado em referências jazzísticas e elementos do rock de vanguarda, principalmente, na obra do The Velvet Underground, um fino ponto de renovação. São 11 faixas tratadas de forma sempre aproximada, como parte de um mesmo bloco de ideias e preferências, mesmo que muitas delas, como a versão para o clássico Blue Moon, não necessariamente tenham partido originalmente das mãos do grupo.

 

Dinosaur Jr.
Bug (1988, SST / Blast First / Au Go Go)

Sequência direta ao clássico You’re Living All Over Me (1987), Bug concentra todos os elementos que você poderia esperar de um disco do Dinosaur Jr. Entregue ao público no Halloween de 1988, o álbum de nove faixas e pouco mais de 30 minutos de duração chega como um soco, efeito da impactante sequência de abertura formada por Freak Scene, No Bones e They Always Come. São verdadeiros paredões de ruídos que se conectam diretamente à voz descompassada do vocalista e líder J Mascis, convidando o ouvinte a se perder em um território de pequenas incertezas. Entretanto, para além do bloco inicial do registro, o terceiro álbum do grupo de Massachusetts mantém firme a boa forma até o último instante da obra. Estão lá faixas como a explosiva Let It Ride, o respiro leve em Pond Song, além, claro, do completo delírio que invade a derradeira Don’t. Uma caótica nuvem de sons psicodélicos, versos berrados e experimentações que pareciam indicar os rumos assumidos pela banda no sucessor Green Mind (1991). Um dos trabalhos mais queridos do público, Bug seria o último registro da banda com a presença do baixista Lou Barlow, de volta apenas para as gravações de Beyond, lançado em 2007.

 

Galaxie 500
Today (1988, Aurora)

Meses antes de finalizar a obra-prima do Galaxie 500, On Fire (1989), Dean Wareham, Damon Krukowski e Naomi Yang fizeram do primeiro álbum de estúdio da banda um esboço sombrio. Longe do cenário onírico e da sonoridade densa que tomaria conta do registro seguinte, Today chega ao público como um disco que reforça todas as particularidades do trio norte-americano, fazendo de cada composição um objeto de doce recolhimento. Arranjos e vozes econômicas, por vezes submersas, batidas ponderadas e instantes de breve silenciamento. Fragmentos condensados de forma sempre homogênea, proposta que se reflete mesmo nos instantes mais “aceleradas” do disco, caso de Pictures e Parking Lot. Depressivo, mas não menos apaixonante, Today, como o título aponta, revela um exercício despretensioso por parte do trio, como versos cotidianos, típicos de jovens adultos, porém, sempre mergulhados em doses leves de distorção. Um minucioso conjunto de versos tão íntimos de cada integrante da banda, como do próprio ouvinte, vide a profunda sensibilidade detalhada em Don’t Let Our Youth Go to Waste e Temperature’s Rising.

 

Ira!
Psicoacústica (1988, WEA)

Terceiro registro em estúdio do Ira!, Psicoacústica não apenas distanciou o quarteto paulistano da estética assumida em Vivendo e Não Aprendendo, de 1986, como forçou a banda e encontrar um novo universo de possibilidades. Do reggae que invade Receita Para Se Fazer um Herói, passando pelos flertes com a eletrônica em Farto do Rock ‘n’ Roll, até o Hip-Hop, na essencial Advogado do Diabo, cada música do álbum dança em um sentido de oposição ao que Titãs, Legião Urbana e tantos outros artistas da época pareciam inclinados a desenvolver. Até a capa do disco, holográfica, parece garantir novo sentido à plasticidade imposta previamente pelo grupo, aproximando o quarteto de um estágio próprio de lisergia e invento. Com direito a trechos de áudio extraídos do filme O Bandido da Luz Vermelha (1968), de Rogério Sganzerla, o trabalho atravessa um jogo de experiências urbanas, dissolvendo discussões que envolvem política, religião e até o isolamento do próprio homem entre os versos. A estrutura versátil assumida para o disco – que ainda inclui samples e outros elementos raros na época -, obviamente, não agradou ao grande público, mas serviria de base para que Nasi e André Jung assumissem de forma definitiva a produção do primeiro álbum de Rap do país, o clássico Hip-Hop Cultura de Rua (1988). Base para o que a banda desenvolveria anos mais tarde em Você Não Sabe Quem Eu Sou (1998), Psicoacústica ainda hoje se revela como a obra mais completa e ainda assim isolada de toda a produção nacional do período.

 

Jane’s Addiction
Nothing’s Shocking (1988, Warner Bros.)

Em 1987, depois de produzir e lançar de maneira independente um registro de inéditas ao vivo, os integrantes do Jane’s Addiction receberam o convite da Warner Bros. para gravar o primeiro álbum de estúdio da banda. Concebido em meio a diversos conflitos entre os membros do grupo – na época formado por Perry Farrell (voz, piano) Dave Navarro (guitarras), Eric Avery (baixo) Stephen Perkins (bateria) –, Nothing’s Shocking faz justamente dessa relação instável o estímulo para a formação de uma obra essencialmente versátil. São ecos de glam rock (Had a Dad), flertes com o jazz (Thank You Boys), colisões entre o punk e funk (Idiots Rule) e até composições marcadas pela forte psicodelia (Mountain Song), como uma clara tentativa do grupo em resgatar (e transformar) uma série de elementos originalmente apresentados na década de 1970. Entre composições já conhecidas, como Jane Says, música originalmente apresentada no álbum anterior, Nothing’s Shocking não apenas sintetiza o trabalho do Jane’s Addiction, como abre passagem para todo um novo universo de representantes do metal/rock alternativo que viria a ocupar os anos 1990.

 

Leonard Cohen
I’m Your Man (1988, Columbia Records)

Quando o assunto é a música produzida nos anos 1980, que tipo de pensamento toma conta da sua cabeça? O brilho neon das cores fluorescentes, sintetizadores frenéticos e saxofones embriagados? Sem necessariamente perverter a própria essência, é exatamente isso que o cantor e compositor Leonard Cohen entrega ao público durante a produção do confessional I’m Your Man. Oitavo álbum de estúdio do músico canadense e o primeiro desde o mediano Various Positions (1984), obra em que parecia flertar com o soft rock, o registro entregue ao público em fevereiro de 1988 sustenta em composições como Ain’t No Cure for Love, Take This Waltz, First We Take Manhattan, Everybody Knows, além, claro, da própria-faixa título, um curioso exercício de Cohen em dialogar com a sonoridade e, principalmente, temas e conceitos da época. Canções que mergulham em temas como AIDS, terrorismo, drogas, conflitos sociais e, claro, nos sentimentos do próprio compositor, fazendo do álbum um capítulo isolado, porém, precioso dentro da discografia do músico.

 

Metallica
…And Justice for All (1988, Elektra)

Poucos artistas se mostraram tão coesos quanto o Metallica na década de 1980. Com uma sequência bem-sucedida de obras em mãos — Kill ‘Em All (1983), Ride the Lightning (1984) e Master of Puppets (1986) —, o grupo californiano decidiu entrar em estúdio para a gravação do quarto trabalho de inéditas da carreira. Primeiro registro da banda com a presença do baixista Jason Newsted — Cliff Burton havia morrido dois anos antes durante um acidente na turnê da banda pela Europa —, …And Justice for All mostra uma clara predileção do grupo pelo metal progressivo. São camadas de texturas instrumentais vividamente destacadas pelas guitarras de James Hetfield e Kirk Hammett durante toda a execução da obra. O resultado dessa explícita transformação está na montagem de faixas grandiosas, extensas e complexas, cuidado evidente na composição de músicas como One, The Frayed Ends of Sanity e, principalmente, na “instrumental” To Live Is To Die, com quase dez minutos de duração. Casa de algumas das composições mais lembradas da banda, como Harvester of Sorrow e Eye of the Beholder, …And Justice for All evidencia um claro amadurecimento poético por parte de Hetfield, mergulhando em debates políticos, o medo de uma possível guerra nuclear, censura, repressão e a seletividade de justiça.

 

Morrissey
Viva Hate (1988, HMV / Sire /Reprise / EMI)

Lançado sob grande expectativa, Viva Hate, primeiro álbum de Morrissey em carreira solo, segue como um dos trabalhos mais completos de toda a discografia do músico inglês. Produzido em um intervalo de poucas semanas após o lançamento do elogiado Strangeways, Here We Come (1987), último trabalho como integrante dos Smiths, o registro que conta com produção assinada por Stephen Street (Blur, The Cranberries) reflete com maior naturalidade o lado intimista do compositor. Difícil não se deixar conduzir pela poesia ora sensível e acolhedora, ora irônica e provocativa que invade o disco. Estímulo para a formação de faixas como Everyday Is Like Sunday, Angel, Angel Down We Go Together, Little Man, What Now? e Margaret on the Guillotine, essa última, um ataque direto à ex-Primeira Ministra britânica Margaret Thatcher. O destaque acaba ficando por conta da memorável Suedehead, o maior sucesso comercial do disco e, junto de I Don’t Mind If You Forget Me, canção que melhor incorpora a essência dos antigos trabalhos de Morrissey nos Smiths.

 

My Bloody Valentine
Isn’t Anything (1998, Creation Records)

Meses depois de assinar com a Creation Records, Kevin Shields fez do EP You Made Me Realise, lançado em agosto de 1988, um precioso indicativo do som que viria a ser produzido pelo My Bloody Valentine pelos próximos anos. Todavia, foi com a chegada do debute Isn’t Anything, em novembro do mesmo ano, que o guitarrista de fato estabeleceu um minucioso conjunto de regras, ponto de partida para toda a sequência de obras que viriam a consolidar o trabalho do grupo irlandês. Acompanhado pelos integrantes da formação clássica do MBV, Bilinda Butcher (guitarra, vocal), Colm Ó Cíosóig (bateria) e Deb Googe (baixo), Shields se entrega ao uso detalhado de texturas, camadas de ruídos e blocos imensos de pura distorção. A principal diferença em relação ao material produzido no trabalho seguinte da banda, o clássico Loveless (1991), está na estrutura ritmada que move o disco. Pouco menos de 40 minutos em que o quarteto entrega ao público uma coleção de pequenos clássicos como Feed Me with Your Kiss, You Never Should e Lose My Breath. Um repertório enxuto, reflexo inevitável do pouco tempo em estúdio que a banda teve para produzir o trabalho.

 

Nick Cave and The Bad Seeds
Tender Prey (1988, Mute)

Do momento em que tem início, em The Mercy Seat, passando pelo blues dramático de Up Jumped the Devil, o pop-rock-nostálgico de Deanna, até alcançar a derradeira New Morning, Tender Prey segue como um intenso turbilhão criativo, detalhando vozes, ritmos e arranjos de maneira frenética, como uma explosão. Fuga propositada do som explorado pelo grupo durante a produção do álbum anterior, Your Funeral… My Trial (1986), o quinto registro de inéditas de Nick Cave and The Bad Seeds estabelece uma espécie de ponte criativa para a coletânea de covers Kicking Against the Pricks (1986), efeito reforçado na estrutura musical que banha o registro durante toda a execução. Ora sensível e econômico (Watching Alice), ora grandioso (City of Refuge), Tender Prey parece jogar com os instantes, transportando o ouvinte para um novo universo criativo a cada composição. Parte desse resultado vem do novo time de colaboradores convidados a participar do trabalho, além do esforço de Cave em se aproximar de novas referências, dialogando com elementos da música gótica e do cancioneiro norte-americano de forma explícita, abrindo passagem para a sequência de obras icônicas do músico durante toda a década de 1990.

 

N.W.A.
Straight Outta Compton (1988, Ruthless / Prioriy / EMI)

Três décadas depois de lançado, Straight Outta Compton, álbum de estreia do N.W.A., continua tão atual (e necessário) quanto na época em que foi apresentado ao público. Casa de alguns dos principais exemplares do Hip-Hop norte-americano na década de 1980, caso de Express Yourself, Gangsta Gangsta, If It Ain’t Ruff e a censurada Fuck tha Police, o trabalho de 13 faixas faz de cada composição um precioso retrato das ruas, criminalidade, abusos com drogas, racismo e repressão policial que tomava da cidade de Los Angeles no período em que foi produzido. Um esforço coletivo da dupla de produtores DJ Yella e Dr. Dre em preparar o terreno para as rimas dos parceiros de coletivo Arabian Prince, Eazy-E (morto em 1995), Ice Cube e MC Ren. Político por essência, hedonista quando exige ser, Straight Outta Compton não apenas viria a servir de base para o segundo álbum de estúdio do grupo, o também excelente Niggaz4Life (1991), como viria a servir de base para as gerações seguintes de artistas, como 2Pac, Snoop Dogg e, mais recentemente, Kendrick Lamar.

 

Os Paralamas do Sucesso
Bora-Bora (1988, EMI)

Das praias do Caribe, para o litoral brasileiro, da Polinésia Francesa, para o arquipélago do Havaí. Quarto registro de inéditas d’Os Paralamas do Sucesso, Bora-Bora não apenas preserva a mistura de ritmos iniciada por Herbert Vianna (guitarra e voz), Bi Ribeiro (baixo) e João Barone (bateria e percussão) em Selvagem? (1986), como amplia parte expressiva dos mesmos conceitos. Da colorida explosão de metais que inaugura o trabalho em O Beco, passando por Bundalelê, a própria faixa-título, Don’t Give Me That e Uns Dias, cada canção espalhada pelo interior do registro se revela como um hit em potencial, sempre quente. Enquanto a primeira metade do álbum segue em uma atmosfera ensolarada e dançante, detalhando a produção assinada pelos próprios integrantes da banda, no lado b do registro, Vianna desaba sentimentalmente. Estão lá músicas como O Fundo do Coração e Quase Um Segundo, composição eternizada na voz de Cazuza e um reflexo da separação entre o músico a vocalista do Kid Abelha, a cantora Paula Toller.

 

Pixies
Surfer Rosa (1998, 4AD)

Caos transformado em música. Com a boa repercussão em torno do mini-álbum Come On Pilgrim (1987), Black Francis (voz, guitarra), Kim Deal (baixo, voz), Joey Santiago (guitarras) e David Lovering (bateria) receberam o aval do presidente do selo 4AD, Ivo Watts-Russell, para a gravação do primeiro álbum de estúdio do Pixies. Foi o próprio Watts-Russell, que recomendou o músico Steve Albini, na época ex-integrante do Big Black, para a produção do trabalho. Dessa relação veio a atmosfera ruidosa, suja e essencialmente versátil do disco. Uma colisão de ideias que vai do proto-punk à surf music, porém, em nenhum momento parece escapar de uma atmosfera própria do grupo norte-americano. A mesma pluralidade se reflete na seleção dos temas detalhados pela banda durante toda a execução da obra. Músicas consumidas pela forte apelo sexual, relacionamentos incestuosos, voyeurismo e permanente tensão entre os personagens, vide Break My Body e Broken Face. O destaque acaba ficando por conta da temática surrealista que cresce em momentos estratégicos do disco, como na inaugural Bone Machine e, principalmente, no clássico Where Is My Mind?, ainda hoje, uma das canções mais lembradas da banda.

 

Public Enemy
It Takes a Nation of Millions to Hold Us Back (1988, Def Jam / Columbia)

It Takes a Nation of Millions to Hold Us Back é um trabalho furioso. Poucos meses após o lançamento do mediano Yo! Bum Rush the Show (1987), os integrantes do Public Enemy estavam de volta com um novo álbum de inéditas. Em uma estrutura funkeada, completa pela inserção de respiros leves e pequenas explosões, cada uma das 16 faixas do disco invadem o trabalho de forma minuciosa, como um convite ao ambiente ora hedonista, ora descritivo e pessimista explorado pelo coletivo nova-iorquino. Trata-se de um claro retrato da sociedade nova-iorquina no final dos anos 1980, como um convite a experimentar os temas urbanos, caos e lisergia lançada em cada fragmento poético no decorrer do disco. Entrecortado por captações ao vivo do coletivo, o álbum acaba servindo de morada para algumas das principais composições já produzidas pelo Public Enemy, caso de Bring the Noise, Night of the Living Baseheads, Black Steel in the Hour of Chaos e Don’t Believe the Hype, ainda hoje, uma das canções mais conhecidas do grupo.

 

R.E.M.
Green (1988, Warner Bros)

Último trabalho de estúdio do R.E.M. na década de 1980 e primeiro exemplar da banda em um novo selo – a gigante Warner Bros –, Green reforça a completa transformação do quarteto de Athens dentro de estúdio. Livre da aceleração e de todo o toque jovial emanado pelo grupo até o lançamento de Document (1987), o álbum lançado em 1988 abre espaço para a inclusão de novos instrumentos, bem como a adaptação de arranjos distintos, muito mais voltados à música folk do que o college rock habitual em si. Dentro desse caráter quase “acústico”, Michael Stipe ecoa maturidade e, ao mesmo tempo, melancolia, passeando de forma sublime por entre faixas como The Wrong Child e I Remembered California. Claro que a ruptura não distancia a banda de composições típicas dos primeiros trabalhos de inéditas. Basta observar o caráter enérgico de Pop Song 89, na abertura do disco, ou mesmo o peso de Get Up, segunda faixa do álbum para perceber o domínio da banda. Bem recebido por público e crítica, Green funciona como abertura para uma série de conceitos que viriam a orientar o trabalho do grupo na década de 1990.

 

Sonic Youth
Daydream Nation (1988, Enigma)

Três décadas depois de lançado, Daydream Nation, quinto álbum de estúdio do Sonic Youth, segue como um trabalho ainda atual, marcado pelo frescor e versatilidade dos elementos que compõem arranjos e versos. Sequência direta ao também maduro Sister (1987), o trabalho produzido em parceria com Nick Sansano (Public Enemy, Run DMC) mostra o esforço do quarteto formado por Kim Gordon (voz, baixo), Thurston Moore (voz, guitarra), Lee Ranaldo (guitarra, voz) e Steve Shelley (bateria) em sutilmente ampliar o universo conceitual que vinha sendo detalhado desde os primeiros registros de inéditas. Entre versos inspirados por clássicos da ficção científica, principalmente, William Gibson, o grupo nova-iorquino segue em meio a instantes de profundo experimentalismo, delírios poéticos e sobrecargas de ruídos, ponto de partida para composições icônicas como Teen Age Riot, Total Trash, Silver Rocket e Eric’s Trip. São pouco mais de 70 minutos em que as guitarras caóticas de Ranaldo servem de base para a poesia torta de Moore e Gordon, convidando o ouvinte a se perder em um território essencialmente urbano e confuso, como uma extensão de tudo aquilo que vinha sendo projetado pela banda desde a estreia com Confusion Is Sex (1983).

 

Talk Talk
Spirit of Eden (1988, Parlophone)

É difícil imaginar que o mesmo Talk Talk que explodiu com a pegajosa It’s My Life viria a produzir uma obra tão complexa quanto Spirit of Eden. Em um lento processo de amadurecimento poético e instrumental, Mark Hollis passou grande parte da década de 1980 testando possibilidades dentro de estúdio, transformação evidente durante o lançamento do já maduro The Colour of Spring, de 1986. Todavia, foi do isolamento com o produtor Tim Friese-Greene, entre 1987 e 1988, que o músico inglês encontrou a base para a completa ruptura criativa da banda. Mesmo acompanhado pelos velhos parceiros Lee Harris (bateria) e Paul Webb (baixo), Spirit of Eden é um trabalho que reflete a essência de Hollis. Da abertura do disco, na extensa The Rainbow, passando por faixas como I Believe in You, Eden e Desire, diferentes fórmulas instrumentais parecem transportar o ouvinte para os mais variados campos da música. Uma colisão de ideias que vai do jazz ao art rock de forma sempre inventiva, ponto de partida para toda uma sequência de obras relacionadas ao pós-rock que viriam a surgir na década seguinte.

 

The Church
Starfish (1988, Mushroom / Arista)

Mesmo em constante produção desde o início dos anos 1980 e com grandes obras em mãos, como Heyday (1985) e Priest=Aura (1992), poucos registros produzidos pelo The Church parecem capazes de igualar o material apresentado em Starfish. Produzido durante um período de isolamento da banda australiana na cidade de Los Angeles, Califórnia, o álbum delicadamente convida o ouvinte a se perder em um ambiente tomado pela completa lisergia dos arranjos e versos. Camadas de fina sobreposição instrumental, cuidado que se reflete no esforço dos produtores Greg Ladanyi (Fleetwood Mac) e Waddy Wachtel (Iggy Pop) em ampliar os limites da banda dentro de estúdio, fazendo de cada composição um exercício mágico. Prova disso está na principal canção do disco, a inebriante Under the Milky Way, um verdadeiro delírio psicodélico que continua a ecoar de forma delicada em obras recentes produzidas por bandas como Black Rebel Motorcycle Club e The War On Drugs.

 

The Sugarcubes
Life’s Too Good (1988, One Little Indian)

Lançado de forma despretensiosa, em agosto de 1987, Birthday, primeiro single do Sugarcubes, acabou despertando a atenção da imprensa britânica depois de uma elogiosa publicação da NME. Afinal, quem era essa nova banda vinda das gélidas terras da Islândia e sua vocalista, a jovem Björk? Com a boa repercussão em torno do trabalho, o grupo — completo pelos músicos Bragi Ólafsson (baixo), Sigtryggur Baldursson (bateria), Þór Eldon (guitarra) e Einar Örn Benediktsson (voz e trompete) —, decidiu lançar o primeiro álbum de estúdio: Life’s Too Good. Com distribuição pelo selo One Little Indian, contrariando os convites de gigantes como Warner Bros. e PolyGram, o trabalho mostra o cuidado do quinteto islandês em fazer de cada composição um curioso exercício autoral. Um aglutinado de ideias que absorve conceitos do pós-punk, porém, a todo instante reflete a capacidade de Björk em dialogar com a música pop, preferência reforçada de maneira explícita em toda a sequência de obras que a musicista viria a produzir em carreira solo. Bem-recebido por público e crítica, o álbum ganharia uma sequência com Here Today, Tomorrow Next Week!, lançado no ano seguinte, e o derradeiro Stick Around for Joy, em 1992.

 

They Might Be Giants
Lincoln (1988, Bar/None / Restless)

Em se tratando da maior concentração de faixas memoráveis, Flood, entregue em meados de 1990, talvez seja o trabalho mais lembrado pelo público fiel do grupo norte-americano They Might Be Giants. Entretanto, foi com o lançamento do curioso Lincoln, em setembro de 1988, que John Flansburgh e John Linnell, membros fundadores da banda, foram oficialmente apresentados, estabelecendo um amplo conjunto de regras que viriam a ser explorados em outros lançamentos do projeto. Em uma criativa mistura de ritmos que passa pela música country, art rock, jazz e pop, cada uma das 18 faixas do disco — como Ana Ng, They’ll Need a Crane e Purple Toupee —, mostram a versatilidade do duo nova-iorquino, mudando de direção e explorando novas sonoridades em um curto espaço de tempo. Trata-se de uma colorida colagem de ideias, referências satíricas, programações eletrônicas e instrumentos inusitados que viriam a influenciar o trabalho de nomes como Weezer, Cake, Back e toda uma geração de artistas que surgiram na década de 1990.

 

Tracy Chapman
Tracy Chapman (1988, Elektra)

Como superar o insuperável? Três décadas depois de ser apresentada ao público, Tracy Chapman parece incapaz de igualar a boa repercussão em torno do primeiro álbum de estúdio. E não poderia ser diferente. Concebido em uma estrutura econômica, ora voltada ao blues/folk, ora pontuada por elementos do pop e R&B, a cantora e compositora original de Cleveland, Ohio, fez do elogiado debute uma coleção de versos intimistas, sempre sensíveis e acolhedores. Um esforço coletivo entre a artista norte-americana e o experiente David Kershenbaum, produtor que já havia trabalhado com nomes como Bryan Adams e Cat Stevens, em eliminar todo e qualquer excesso da obra. O resultado está na produção de uma obra musicalmente simples, porém, imensa em se tratando da forma como Chapman se revela por inteiro em cada fragmento poético do disco. Canções como Talkin’ ‘bout a Revolution, Baby Can I Hold You e Fast Car, essa última, canção que garantiu à cantora um dos três Grammys recebidos em 1988.

 

Vários Artistas
Hip-Hop Cultura de Rua (1988, Eldorado)

Pessoas subindo e descendo essa rua / Pensativas e sem rumo / A procura de aventura / Moços, velhos, pessoas de idade / Vejo tudo isso no Centro da Cidade“. A rima descritiva de MC Jack em Centro da Cidade funciona como um precioso resumo do material produzido por diferentes representantes do rap nacional em Hip-Hop Cultura de Rua. Primeiro exemplar do rap nacional registrado em estúdio, a coletânea produzida pelos músicos Nasi e André Jung, ambos integrantes do Ira!, além, claro, de Akira S e Dudu Marote, pinta um curioso retrato da sociedade paulistana no final dos anos 1980. São composições fortemente influenciadas pela temática urbana, racismo, desemprego e o avanço da periferia em relação ao centro. O destaque acaba ficando por conta da bem-sucedida parceria entre Thaíde e DJ Hum, responsáveis por algumas da principais composições do disco, caso de Homens da Lei, fino retrato da repressão policial que orienta grande parte do material produzido para o disco. Fundamental, o trabalho contaria ainda com o complemento da coletânea Consciência Black Vol. 1, projeto que apresentou os Racionais Mc’s e começou a ser distribuído pouco tempo depois da presente seleção.

 

Veja também: 25 discos de 2008 / 25 discos de 1998

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.