25 Discos de 2008

/ Por: Cleber Facchi 16/01/2018

 

Em busca de pequenas preciosidades da música recente, com os ouvidos apontados para o passado, resgatamos 25 discos que completam uma década de lançamento em 2018. São trabalhos nacionais e internacionais que passeiam por gêneros como Hip-Hop, rock, pop, folk, R&B e diferentes variações da música popular brasileira. Da estreia de Mallu Magalhães e Macaco Bong ao amadurecimento de artistas como M83, Cut Copy e Deerhunter, cada álbum escolhido serve como ponte para um campo específico da cena montada há dez anos. Nos comentários, conta pra gente: qual é o seu disco favorito de 2008?

 

3 Na Massa
Na Confraria das Sedutoras (Deckdisc)

De um lado, a produção minuciosa e arranjos assinados em parceria pelo trio formado por Dengue e Pupillo, também integrantes do Nação Zumbi, com o paulistano Rica Amabis, do Instituto. No outro oposto, um time seleto de vozes e colaboradoras femininas vindas de diferentes campos culturais da cena brasileira. Desse encontro nasce o repertório de 13 composições inéditas que sustentam o provocante Na Confraria das Sedutoras, primeiro álbum de estúdio do 3 Na Massa. Claramente inspirado na obra de Serge Gainsbourg e outros românticos da música produzida nos anos 1960/1970, o registro segue de forma vagarosa, em uma medida própria de tempo, fazendo de cada canção ao longo da obra um objeto feito para seduzir o ouvinte, vide músicas como Tatuí e Doce Guia. Versos embriagados por relacionamentos instáveis, sexo, a busca pelo amor idealizado e instantes consumidos pela dor, estímulo para a doce interferência de nomes como Céu, Lurdez da Luz, Pitty, Thalma de Freitas ou mesmo atrizes como Alice Braga e LeandraLeal.

 

Beach House
Devotion (Carpark Records)

Do momento em que tem início Wedding Bell, passando pela sequência de músicas formada por Gila, Turtle Island e D.A.R.L.I.N.G., cada fragmento do segundo registro de inéditas do Beach House se transforma em um verdadeiro objeto de destaque. Enquanto a voz forte de Victoria Legrand delicadamente se transforma em um curioso instrumento, arranjos enevoados de teclados e guitarras consumidas pela psicodelia acabam arrastando o ouvinte para dentro de um território essencialmente sombrio, melancólico. Curioso perceber que mesmo dentro dessa atmosfera intimista, não são poucos os momentos em que a dupla cria pequenas brechas instrumentais e poéticas, fazendo do álbum uma obra tão hermético quanto acessível. Arranjos levemente ensolarados, por vezes acolhedores, porém, explorados de forma arrastada, detalhando uma densa massa de sons que ocupa todas as lacunas do disco. A mesma base instrumental testada pela dupla durante o lançamento do primeiro álbum de estúdio, porém, explorada de forma ainda mais complexa, detalhista.

 

Cansei de Ser Sexy
Donkey (Sub Pop)

Com músicas como Alala, Let’s Make Love and Listen to Death from Above, Superafim e Music Is My Hot Hot Sex, não há como negar que a estreia do Cansei de Ser Sexy segue como o trabalho mais memorável da carreira do grupo paulistano. Todavia, em se tratando de maturidade poética/musical, Donkey é de longe a grande obra da banda. Das guitarras e batidas rápidas que inauguram o disco em Jager Yoga, passando pelo som raivoso de Rat is Dead (Rage), música que fala sobre violência doméstica, além de canções descompromissadas como Let’s Reggae All Night, os sintetizadores e temas dançantes de Move, além da crescente Left Behind e Give Up, sobram instantes em que o grupo — na época formado pro Adriano Cintra, Ana Anjos, Carolina Parra, Luiza Sá e a vocalista Lovefoxxx —, parece crescer dentro de estúdio. São pouco menos de 40 minutos em que cada composição do disco parece servir de base para a canção seguinte, como se o quinteto controlasse criativamente parte do som anárquico explorado no disco anterior. Uma coleção de faixas pegajosas, feita para grudar na cabeça do ouvinte logo na primeira audição.

 

Cérebro Eletrônico
Pareço Moderno (2008, Phonobase)

Passado, presente e futuro se encontram no interior de Pareço Moderno. Catálogo lisérgico entre as inúmeras essências que definem a obra do Cérebro Eletrônico, o álbum não apenas é um salto criativo em relação ao debute Onda Híbrida Ressonante (2003), como um princípio de transformação para gênese da psicodelia nacional. Oposto à trilha redundante deixada pelos Mutantes e seguida à risca por diferentes grupos brasileiros, o álbum trouxe um toque de novidade e certo toque de recomeço ao estilo. Enquanto Fernando Maranho orquestra com leveza a arquitetura da obra, pincelando guitarras e ruídos eletrônicos de forma pontual, Tatá Aeroplano dança com liberdade pelos versos. São músicas de forte erotismo (), comicidade (Bem mais Bin que Bush) ou pura lírica nonsense, como a faixa-título logo entrega. Sem pressa, o disco revela com detalhe um universo imenso, apresentado em pequenas doses pela banda. Ouça e flutue.

 

Curumin
Japan Pop Show (YB)

Soul, Funk, Samba, Jazz, Eletrônica, Hip-Hop, Bossa Nova e Pop. No fino cercado instrumental de Japan Pop Show, segundo álbum de inéditas de Luciano Nakata como Curumin, não existem barreiras ou possíveis bloqueios para que diferentes gêneros se cruzem a todo instante. Tendo em cada faixa um campo de possibilidades sempre abertas, o cantor e compositor paulistano atravessa com autonomia um cercado rítmico de pura versatilidade. Se a experimentação ocasional da faixa de abertura funciona como aviso sobre as constantes interferências da obra, a partir de Compacto, segunda faixa do disco, o instrumentista quebra a complexidade de forma a anunciar um disco leve, mas nem por isso comum. Com os ouvidos apontados para o soul dos anos 1970, porém, ainda íntimo do presente, Luciano Nakata dribla a morosidade da MPB de forma a produzir um trabalho essencialmente acessível e dinâmico. Seja no rock quase carnavalesco de Magrela Fever, ou no pancadão de Caixa Preta – parceria com BNegão -, Curumin entrega um registro tão próximo do ouvinte, quando desafiador em relação aos ritmos que busca esmiuçar.

 

Cut Copy
In Ghost Colours (Modular)

Em Bright Like Neon Love (2004), os integrantes do Cut Copy encontraram no passado o principal componente criativo para a construção de uma identidade musical própria, flertando com o syntphop da década de 1980 de forma curiosa e nostálgica. Interessante perceber em In Ghost Colours uma clara evolução desse conceito. Inspirado pelo pop psicodélico da década de 1960, diálogos com os primórdios da house music e ambientações eletrônicas sempre coloridas, o grupo de Melbourne acabou arrastando o público para as pistas com uma seleção de faixas como Lights & Music, Hearts on Fire e Out There on the Ice. A própria faixa de abertura do disco, Feel the Love, resume parte do som explorado pela banda no decorrer da obra. São camadas de sintetizadores, guitarras cuidadosamente encaixadas, batidas e vozes que dançam na cabeça do ouvinte, conceito que acompanha o ouvinte até o último instante da obra, na derradeira Eternity One Night Only.

 

Deerhunter
Microcastle (Kranky / 4AD)

Gravado em um intervalo de apenas uma semana sob a tutela do produtor Nicolas Vernhes (Animal Collective, The Fiery Furnaces), Microcastle é o princípio de uma nova fase na carreira do Deerhunter. Minimalista quando próximo do material apresentado um ano antes durante a produção do antecessor Cryptograms (2007), o trabalho de 12 faixas vai da psicodelia ao completo experimento em um intervalo de poucos segundos. Instantes em Bradford J. Cox e os parceiros de banda parecem testar os próprios limites dentro de estúdio, fazendo de cada elemento no decorrer da obra um objeto de vívido destaque. Um cuidado que se reflete na poesia intimista de Agoraphobia, guitarras e batidas cíclicas que crescem em Never Stops, a lenta transformação dos arranjos na faixa-título do disco, momentos de pura aceleração e ruptura em Nothing Ever Happened ou mesmo o parcial recolhimento de Neither of Us, Uncertainly, música que reflete o crescimento de Lockett Pundt como integrante da banda, rivalizando com Cox. Meses mais tarde, o álbum teria uma sobrevida com o lançamento/vazamento do complementar Weird Era Cont., trabalho produzido durante as sessões que deram vida a Microcastle.

 

Fleet Foxes
Fleet Foxes (Bella Union / Sub Pop)

Do momento em que tem início, na crescente Sun It Rises, até alcançar a minimalista Oliver James, no encerramento do disco, cada fragmento do primeiro álbum de estúdio do Fleet Foxes parece pensado para impressionar o ouvinte. Coros de vozes que resgatam a boa fase de veteranos como The Beach Boys, melodias acústicas embaladas pelo pop barroco da década de 1970, versos marcados pela atenta descrição de personagens, paisagens e sentimentos. Registro da delicada colaboração entre Robin Pecknold e o experiente Phil Ek, produtor que já havia trabalhado com nomes como Modest Mouse, The Shins e Built to Spill, o álbum de 11 faixas — 16 se levarmos em conta o EP Sun Giant, posteriormente anexado como parte complementar ao disco —, faz de cada composição um objeto precioso. Da lenta sobreposição dos arranjos e vozes em White Winter Hymnal, passando pelos contrastes em Quiet Houses, ou mesmo a força avassaladora de Your Protector e Ragged Wood, difícil passear pelo disco e não ser prontamente arrastado pela força instrumental e poética que orienta a banda, indicativo de toda a sequência de obras que Pecknold e seus parceiros viriam a produzir nos próximos anos.

 

Friendly Fires
Friendly Fires (XL Recordings)

Batidas inspiradas na música brasileira e variações de ritmos latinos, guitarras marcadas pelo suingue, lembrando um encontro entre Prince e Gang of Four, versos consumidos por relacionamentos, desilusões amorosas e conflitos típicos de um jovem adulto. Da abertura do disco, em Jump in the Pool, até a derradeira Ex Lover, cada composição produzida para o primeiro álbum de inéditas do Friendly Fires parece trabalhada como um hit em potencial. Um verdadeiro catálogo de hits que cresce em músicas como Paris — composição eternizada no excelente remix do belga Aeroplane —, faixas marcadas por boas guitarras, caso da quente On Board, além de músicas dominadas pela força dos sintetizadores e temas eletrônicos, base para as grudentas Skeleton Boy e In The Hospital. Um som descomplicado, leve, conceito que viria a se repetir durante a produção do segundo álbum de inéditas do trio britânico, o ótimo Pala (2011).

 

Guizado
Punx (Diginois/Urban Jungle)

Uma obra que resgata elementos específicos do jazz clássico, porém, preserva a todo instante o diálogo com o presente. Assim é Punx, primeiro registro em estúdio do paulistano Guilherme Mendonça sob o título de Guizado. Pontuado pela constante interferência eletrônica, batidas típicas do Hip-Hop e arranjos que apontam para o gênero em sua fase mais versátil, no início da década de 1970, o álbum serve como ponte para aproximar veteranos (como Miles Davis) e novatos (aos moldes de Prefuse 73) em um mesmo ambiente. Tão colorido e amplo quanto a capa que o apresenta, Punx passeia pelos estilos sem necessariamente perder a própria homogeneidade. De fluidez urbana, o disco abandona os limites de um palco escuro, ou antigo clube de jazz, para passear de forma torta pelas ruas. Descritivas, ainda que livres das palavras, cada canção edifica prédios, picha as paredes ou atravessa as rachaduras do asfalto como um mergulho louco por qualquer centro urbano. Seja São Paulo, Nova York ou Londres, não há um ponto específico que faixas como Maya, Areias e Der Golem não sejam capazes traduzir musicalmente.

 

Hercules and Love Affair
Hercules and Love Affair (DFA)

De LCD Soundsystem a The Rapture, poucas vezes antes a cena eletrônica de Nova York viveu um período tão fértil quanto no início dos anos 2000. Parte expressiva dessa transformação e rico repertório veio com o lançamento do primeiro álbum de estúdio do Hercules and Love Affair. Inspirado pelos primórdios da música disco e a boa fase da house music no início dos anos 1990, Andrew Butler, grande responsável pelo projeto, decidiu colidir diferentes épocas e tendências em um mesmo universo criativo, estímulo para o precioso conjunto de faixas que abastecem o disco. Mais do que um resgate de ideias, Butler e o co-produtor Tim Goldsworthy, grande nome aos comandos da DFA Records, decidiram rechear as canções com um seleto grupo de vozes e representantes da cena LGBT norte-americana. Nomes como Nomi Ruiz, Kim Ann Foxman e, principalmente, a cantora ANOHNI, responsável pela voz forte que define parte expressiva da obra e músicas como a icônica Blind, ainda hoje, uma das principais composições do projeto.

 

Kamau
Non Ducor Duco (Plano Audio)

Não Sou Conduzido, Conduzo. A frase em latim que dá título ao primeiro álbum de estúdio de Kamau, Non Ducor Duco, está longe de ser o único ponto de comunicação entre o artista a cidade de São Paulo. Urbano em essência, o disco funciona como uma representação do rapper e seu próprio universo – matéria-prima para o contexto lírico que ocupa toda a obra. Mais do que esbarrar na estética dos Racionais Mc’s ou quem sabe abrir passagem para a série de obras que viriam em poucos anos, o álbum é a transformação de Kamau em um personagem de si próprio, exercício que curiosamente emana forte aproximação com o ouvinte. Ainda que os temas políticos/sociais estejam presentes em toda a extensão do registro, cada faixa reforça o isolamento do artista, que entre o passado (Komwe) e o presente (Não Acredite Se Quiser), dialoga diretamente com as impressões mais particulares do público. Ponto de conexão entre antigos (KL Jay, Parteum) e novos (Emicida, Rashid) representantes do Rap Nacional, Non Ducor Duco reforça a nova fase do gênero. Contrariando a lógica do próprio nome – em idioma Swahili, “Guerreiro Silencioso” -, nunca antes Kamau falou tão alto quanto neste disco.

 

M83
Saturdays = Youth (Virgin / EMI / Mute)

Para o grande público, músicas como Midnight City, Reunion, Wait e demais hits de Hurry Up, We’re Dreaming (2011) talvez sejam as grandes responsáveis por apresentar o trabalho de Anthony Gonzalez. Todavia, foi com o lançamento de Saturdays = Youth, em 2008, que o cantor e compositor francês deu início a própria maturidade artística. Mesmo embalado pelo mesmo dream-pop-eletrônico anteriormente testado em Dead Cities, Red Seas & Lost Ghosts (2003), parte expressiva da obra encontra no uso de melodias sintetizadas e ambientações etéreas o principal componente para o desenvolvimento do trabalho. Entre vozes masculinas e femininas, efeito direto da participação de Morgan Kibby, Saturdays = Youth despeja uma sequência de músicas marcadas pelo completo brilhantismo de Gonzalez. São faixas grandiosas, como a crescente Graveyard Girl, o pop radiante de Kim & Jessie, ou mesmo passagens diretas pelas pistas de dança, ponto de partida para a extensa Couleurs, com quase nove minutos de duração.

 

Macaco Bong
Artista Igual Pedreiro (Independente)

Depois de se apresentar em diferentes festivais espalhados pelo Brasil e acumular um vasto acervo de músicas em diferentes plataformas online — como MySpace e Orkut —, os integrantes do Macaco Bong entraram em estúdio para a gravação do primeiro álbum de estúdio da carreira: Artista Igual Pedreiro. Com distribuição digital pela hoje extinta Trama Virtual, o trabalho nasce como uma espécie de coletânea, resumindo parte do material produzido pela banda — na época formada por Bruno Kayapy (guitarra), Ynaiã Benthroldo (bateria) e Ney Hugo (baixo) —, desde o início dos anos 2000, quando o grupo foi formado na capital do Mato Grosso, Cuiabá. Entre diálogos com o pós-rock norte-americano, passagens pelo rock psicodélico, pós-hardcore e variações curiosas de ritmos nacionais, músicas como Bananas For You All, Fuck You Lady, Beleza e Blacks Fuck pintam um poderoso retrato do som explorado pela banda. Surgem ainda experimentos como na derradeira Vamodahmaisuma, composição que se abre para a criativa inserção de vozes, transportando o som produzido pela banda para um novo território.

 

Mallu Magalhães
Mallu Magalhães (Agência de Música)

Do limitado repertório apresentado ao público no MySpace para a produção do primeiro álbum de inéditas em um grande estúdio no Rio de Janeiro. Em um intervalo de poucos meses, Mallu Magalhães foi de uma personagem inusitada que lançava suas canções de forma independente, na internet, para um dos nomes mais curiosos da (nova) música brasileira. Gravado com equipamentos analógicos e produzido em parceria com o experiente Mario Caldato Jr. (Beastie Boys, Planet Hemp), a estreia da cantora paulistana flutua entre o folk-rock da década de 1960 e a boa fase da MPB, costurando diferentes tendências em um espaço marcado pela forte confissão dos versos. Composições temperadas pela evidente jovialidade e frescor criativo de Magalhães — a cantora tinha apenas 15 anos quando entrou em estúdio para a gravação do disco. Pontuado por faixas já conhecidas do público, como Tchubaruba e J1, o destaque acaba ficando por conta da madura O Preço da Flor, uma das primeiras criações da artista compostas em português, ponto de partida para o material que seria apresentado de forma ainda mais segura no trabalho seguinte, de 2009.

 

Marcelo Camelo
Sou (Zé Pereira / Sony BMG)

Produzido e lançado sob grande expectativa, Sou, estreia solo de Marcelo Camelo, nasce como um fino exercício de recomeço. Primeiro trabalho do cantor e compositor longe dos parceiros do Los Hermanos — a banda havia entrado em hiato um ano antes —, o registro de 12 faixas — 14 com as versões instrumentais da pianista Clara Sverner —, encontra na ativa interferência do coletivo Hurtmold um nítido ponto de transformação para a carreira do músico carioca. Composições que passeiam pela bossa nova de forma atmosférica, bebendo de temas litorâneos e pequenas experimentações típicas do grupo paulistano. Melodias detalhistas que encolhem e crescem a todo instante, conceito sutilmente detalhado em músicas como Téo e a Gaivota, Doce Solidão e Mais Tarde, essa última, adornada pelas guitarras ensolaradas de Camelo. Entre composições já conhecidas, caso de Santa Chuva, música originalmente gravada por Maria Rita, surgem parcerias estratégicas, caso de Liberdade, bem-sucedido encontro com o veterano Dominguinhos, e Janta, canção de versos bilíngues que viria a consolidar a relação entre Camelo e a futura esposa, a cantora Mallu Magalhães.

 

Momo
Buscador (2008, Tratore)

A dor é o elemento predominante em Buscador. Construção madura em relação ao debute A Estética do Rabisco, lançado um ano antes, o segundo disco do carioca Marcelo Frota consegue ir além de uma obra dominada pela inserção de versos dramáticos ou canções marcadas pela essência de um coração partido. Trata-se de uma obra costurada de forma lenta pela saudade, abandono e, ao mesmo tempo, libertação, como se do meio da nuvem sombria que cobre o registro, também fosse possível respirar. Denso, o trabalho aponta de forma evidente para a década de 1970, percepção explícita no perfume de Nick Drake ou quem sabe nas sobreposições que remetem ao Clube da Esquina. Enquanto músicas como Tristeza e Seu Amor abusam da estrutura serena, outras como Preciso Ser Pedra parecem explodir musicalmente, provando de temas psicodélicos e íntimos de um passado distante. Há beleza, medo e desespero no interior de Buscador, o que faz dele um registro tão próximo de Momo, quando do próprio ouvinte.

 

No Age
Nouns (Sub Pop)

Randy Randall e Dean Allen Spunt já haviam conquistado boa parte da imprensa especializada e do público durante o lançamento do ruidoso Weirdo Rippers (2007). Nada que se compare ao bom desempenho durante a produção do segundo álbum de estúdio da banda sob o título de No Age, Nouns. Passagem da dupla para uma nova casa, o selo Sub Pop, o trabalho marcado pelos ruídos preserva a ambientação suja detalhada na inaugural Miner até o último segundo. São paredões imensos de pura distorção, como se Randall ocupasse todas as brechas do registro, soterrando o ouvinte a todo instante. Curioso perceber que mesmo dentro desse ambiente caótico, o duo norte-americano investe em uma série de composições marcadas pela base melódica, por vezes atrativas ao público médio. É o caso da explosiva Teen Creeps ou mesmo Eraser, segunda canção do disco. Instantes em que a dupla parece transformar toda a base caótica do trabalho em um componente fundamental para capturar a atenção do ouvinte.

 

Portishead
Third (Island)

Passada as gravações do registro ao vivo Roseland NYC Live, em 1998, e um conturbado período de divórcio, Geoff Barrow decidiu silenciar o Portishead temporariamente, mergulhando em um longo período de hiato que só viria a ser desfeito no inícios dos anos 2000. Inspirado pela série de trabalhos que vinha produzindo com outros artistas e a gravação de “esboços” como Magic Doors, Barrow se uniu aos parceiros Beth Gibbons e Adrian Utley para as produção do terceiro álbum de inéditas do grupo de Bristol. Desse processo veio o versátil Third, trabalho que não apenas ampliou os limites instrumentais do trio — vide a atmosfera semi-acústica (e hipnótica) The Rip —, como transportou o famigerado Trip-Hop para um novo território. Prova disso está na base labiríntica que ocupa todas as brechas da crescente Machine Gun, a dramaticidade presente nos versos e samples de Threads — música que parece dialogar com o clássico Dummy (1994) —, além de preciosidades como Silence, composição inaugurada pela frase em português do capoeirista brasileiro Claudio Campos — “Esteja alerta para as regras dos três / O que você dá, retornará para você / Essa lição, você tem que aprender / Você só ganha o que você merece“.

 

Rockz
Disco’08 (Independente)

Um pé no pós-punk da década 1980, outro no Dance Punk dos anos 2000. Um riff que dialoga com o rock clássico da década de 1970, sintetizadores que correm pelas pistas britânicas dos anos 1990. Do momento em que tem início, em Colorbar, até alcançar a faixa de encerramento, O Amor É Uma Piada?, incontáveis são as referências, gêneros e essências que definem a estreia do grupo carioca Rockz. Em atuação desde a segunda metade dos anos 2000, a banda fez do curto período de atuação, bem como do primeiro álbum de estúdio, o princípio para um dos projetos mais interessantes do rock nacional daquele período. Franz Ferdinand? Bloc Party? The Strokes? Nada disso importa quando músicas como Essa Mulher e Ora Bolas! explodem no fone de ouvido. Seja discutindo relacionamentos (Confesso Que Errei), ou apenas em busca de diversão (Nunca Me Diverti Tanto), Disco’08 flutua em meio a um universo de cores e sons que identificam de forma exata toda a estética e o caminho percorrido pelo rock nos anos 2000 — aqui ou no exterior.

 

ruído/mm
A Praia (2008, Independente)

Em um cenário de contínuo aprimoramento para o rock instrumental brasileiro, A Praia parece ir além das redundâncias que pareciam orientar o gênero. Marcado pela construção volumosa das guitarras, a estreia do ruído/mm é uma obra que busca contar histórias, isso sem necessariamente usar de qualquer manifestação vocal. Concebido como um ato único, o disco se concentra no crescimento de tramas que rompem com um resultado atmosférico – típico de obras do gênero -, conduzindo o ouvinte para dentro de um turbilhão de de referências anárquicas e ainda assim concisas, todas próprias da banda. Mogwai, Sigur Rós ou Godspeed You! Black Emperor e qualquer outra base prévia cai pelo chão enquanto a banda reforça a própria identidade. Seja na construção de faixas extensas, como Praieira, ou na manipulação de músicas curtas, caso de Novíssima, cada composição do álbum atravessa décadas, brinca com diferentes essências e soluciona um palco de experimentos tão provocativos, quanto acolhedores. Uma obra guiada do princípio ao fim pelas sensações, boa parte delas ainda ocultas, entregues ao lento desvendar do ouvinte.

 

The Bug
London Zoo (Ninja Tune)

Quem hoje ouve Kevin Martin mergulhado em ambientações minimalistas, texturas eletrônicas e projetos marcados pela experimentação, talvez esqueça que em London Zoo o produtor inglês partiu em busca de um som completamente distinto. Terceiro álbum de inéditas do artista sob o título de The Bug, o álbum de 12 faixas faz de cada composição um diálogo precioso com diferentes representantes do Hip-Hop/Dancehall britânico. Canções como a explosiva Angry, parceria com o londrino Tippa Irie. Em Insane e Poison Dart, duas das composições mais conhecidas de Martin, um caminho aberto às rimas da rapper Warrior Queen. Surgem ainda músicas como Warning e Jah War, colaborações assinadas em parceria com Flowdan. Uma avalanche de rimas que se conectam diretamente ao som quente que caracteriza as batidas e toda a superfície acústica da obra, desafiadora mesmo nos instantes de parcial silenciamento, como uma desconstrução do material apresentado um ano antes pelo conterrâneo Burial em Untrue (2007).

 

TV On The Radio
Dear Science (4AD / Interscope / Touch and Go)

Do momento em que tem início em Halfway Home, passando pela construção de músicas como Crying, Golden Age, Shout Me Out e DLZ, até alcançar a derradeira Lover’s Day, difícil encontrar um possível traço de erro dentro de Dear Science. De fato, o terceiro álbum de estúdio da banda nova-iorquina nasce maduro, pronto. Produto das experiências acumuladas pelo grupo no antecessor Return to Cookie Mountain (2006), o registro de 11 faixas e pouco mais de 50 minutos de duração faz de cada composição um objeto precioso. São diferentes camadas de vozes e instrumentos que ampliam consideravelmente os limites do trabalho. Momentos em que o quinteto força o ouvinte a dançar, caso da pulsante Red Dress, ou mesmo instantes de profundo recolhimento, marca da dolorosa Family Tree, uma delicada reflexão sobre o amor familiar, amizade e morte. Cuidadosamente polido por David Sitek, responsável pela produção de toda a discografia da banda, Dear Science ainda se abre para a chegada de um time seleto de colaboradores. Nomes como Martín Perna (Antibalas, The Roots), Stuart D. Bogie (David Byrne, Foals) e os saxofonistas Matana Roberts e Colin Stetson, este último, convidado a integrar a turnê de divulgação do álbum.

 

Vampire Weekend
Vampire Weekend (XL Recordings)

Arranjos tribais inspirados na obra de veteranos da world music como Peter Gabriel e Paul Simon. Variações rítmicas que vão do punk rock do The Clash à new wave de Talking Heads e The Police. Versos marcados pela fina ironia e curioso senso de humor do vocalista e guitarrista Ezra Koenig. Em um intervalo de poucos minutos, a estreia do Vampire Weekend não apenas sintetiza de forma eficiente o trabalho produzido pela banda nova-iorquina — completa com Rostam Batmanglij (sintetizadores, pianos), Chris Tomson (bateria) e Chris Baio (baixo) —, como viria a servir de base para toda a sequência de obras assinadas pelo grupo nos próximos anos. Entre composições como a enérgica A-Punk, ainda hoje um dos principais hits da banda, sobram faixas como Cape Cod Kwassa Kwassa, M79 e Mansard Roof, indicativos do profundo diálogo do quarteto com os ritmos e elementos da cultura africana — principalmente a obra de Fela Kuti. Canções marcadas pela fluidez dos arranjos (Bryn), melodias orquestrais (I Stand Corrected) e a percussão minuciosa de Tomson (Campus), reflexo da produção atenta do próprio Batmanglij, grande responsável pelo aspecto diverso que rege a obra.

 

Wado
Terceiro Mundo Festivo (Independente)

Brazillian Eletro / Funk / Disco / Reggaeton / Afoxé“. Os gêneros apontados na capa de Terceiro Mundo Festivo anunciam a transformação de Wado com o quarto disco solo. Além do tradicional passeio pelo Samba Rock com pitadas de Pop, ao alcançar o disco de 2008, o músico alagoano deu início a uma das fases mais criativas da própria carreira. Brincando com o conceito de resgatar elementos das periferias – do Brasil ou de outros países de terceiro mundo -, o músico encontrou um cardápio ainda mais rico de referências a serem testadas e expostas ao público, efeito claro na estrutura de Reforma Agrária do Ar ou no clima acalentado de Fortalece Aí. Musicalmente amplo, o disco evidencia nos versos um cuidado maior por parte do artista. Ora entregue ao romantismo (Melhor), ora ao provocativo jogo de palavras (Teta), Wado parece romper de forma decidida as pequenas doses de timidez até então reforçadas nos primeiros discos, definindo o álbum como uma obra marcada pelo suingue e curiosa atmosfera dançante. Disponível para download gratuito no site do cantor, o álbum ainda trouxe no formato SMD e no custo de R$5,00 uma alternativa para baratear custos e chegar de forma expressiva até o público.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.