30 Discos de 2004

/ Por: Cleber Facchi 06/01/2014
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Por: Cleber Facchi

Um ano de clássicos. Marcado pela diversidade de gêneros e o nascimento de obras essenciais para a construção da cena musical do novo século, o ano de 2004 veio acompanhado de uma avalanche de grandes discos. Do nascimento de gigantes como Arcade Fire, Kanye West e Franz Ferdinand, à consolidação de veteranos, caso de Brian Wilson, Björk e Air, quem se aventurou pela produção musical durante o ano se deparou com uma série de registros imediatamente tratados como clássicos. No Brasil, a construção de um novo cenário independente fez nascer registros de expressivo valor para a música nacional, posto sustentado com destaque por novatos como Mombojó, Gram e diversas outras bandas hoje extintas do repertório brasileiro. Como uma rápida passagem pela produção musical gerada há dez anos, selecionamos 30 discos de 2004. Obras que completam uma década de lançamento, mas permanecem tão atuais e influentes, quanto na época em que foram apresentadas.

Menções honrosas: Rilo Kiley, Scissor Sisters, Danger Mouse, The Futureheads, Iron and Wine, Death From Above 1979, Fennesz, The Libertines, Ryan Adams, TV On The Radio, Drive-By Truckers, Wilco, The Music, Gwen Stefani, Dizzee Rascal, M.I.A, The Streets, Cocorosie, Isis, Of Montreal, Sonic Youth, Morrissey, Ghostface e China.

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Acabou La Tequila

Acabou La Tequila
O Som da Moda (Ping Pong)

Techno-Rock-Samba-Pop-Tropical-Brega-Experimental-Indie. Poucas vezes um disco conseguiu converter tamanha carga de referências em seu interior quanto O Som da Moda, disco “póstumo” do Acabou La Tequila. Arquivado desde o fim da década de 1990 e lançado anos após o fim do grupo carioca, o álbum é uma típica representação da colisão de gêneros que definiram o rock nacional dos anos 1990 e a curta passagem do grupo. Base para o o nascimento de projetos tão díspares quanto Matanza, Canastra, Orquestra Imperial e +2, o álbum brinca com as essências e ritmos sem necessariamente estabelecer um ponto específico de conforto. Natural extensão do projeto lançado em 1996, no autointitulado debut do coletivo, o disco traz nas vocalizações de Renato Martins o único ponto de estabilidade para a obra. No meio desse turbilhão, nomes como Kassin, Marco Donida, Nervoso e Léo Monteiro, além de um time amplo de convidados, se divertem na construção de faixas tão instáveis, quanto acessíveis. Músicas como King Fu, Ferina, Eu Era Pop e Tranquilo, que não apenas atiram em diferentes direções, como trazem nesse jogo de colagens aleatórias um estranho mecanismo de equilíbrio para o álbum.

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Air

Air
Talkie Walkie (Astralwerks)

Desde o lançamento de Moon Safari, em 1998, Nicolas Godin e Jean-Benoît Dunckel pareciam habitar uma atmosfera branda e musicalmente imutável. Melhor exemplo disso está na forma como 10 000 Hz Legend (2001) ou mesmo a trilha sonora do filme The Virgin Suicides parecem seguir um caminho idêntico ao resultado proposto inicialmente pelo duo francês – vagando em um cenário nostálgico, íntimo das ambientações da década de 1960. Entretanto, com a chegada de Talkie Walkie, todo o cenário assumido pelo duo encontrou um novo direcionamento. Os sintetizadores guiados em um ambiente noturno, as vozes dissolvidas como instrumentos e todo o catálogo de projeções eletrônicas parecem guiar a dupla em um território de visível transformação. Essencialmente minimalista e climático, o disco passeia por entre colagens precisas (Run) ou mesmo achados de beleza pop controlada (Cherry Blossom Girl). Um conjunto de experimentos sutis que praticamente absorvem o espectador para dentro do álbum conforme as faixas vão se desenrolando.

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Annie

Annie
Anniemal (679)

Em um cenário de desgaste para a música pop e projetos cada vez mais redundantes, a norueguesa Annie fez o primeiro álbum em estúdio uma obra entregue à transformação. Base para aquilo que Icona Pop, Charli XCX e demais representantes do pop europeu trariam como novidade anos mais tarde, o doce Anniemal passeia pelas boas melodias do gênero sem necessariamente se deixar perverter pelos excessos que o definem. Em um sentido de leveza constante, músicas como Chewing Gum, No Easy Love e o hit Heartbeat colecionam referências sem distanciar a cantora de uma composição totalmente particular, presente até os últimos instantes do álbum. Entre sintetizadores típicos da década de 1980 e traços da eletrônica dos anos 1990, cada elemento do trabalho se acomoda em uma atmosfera essencialmente acessível. Construído ao longo de quatro anos e dividido entre diferentes produtores, o álbum funciona tanto como um passeio pelas pistas,  como um trabalho para se afundar aos prantos no edredom.

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Animal Collective

Animal Collective
Sung Tongs (Fatcat)

Sempre cobertos pelas experimentações eletrônicas e o uso etéreo das guitarras, com o lançamento de Sung Tongs em 2004 o grupo foi em busca de um novo território instrumental. Trabalhado de forma a ampliar as relações com os violões e valorizando as experiências musicais orgânicas (como vozes, palmas e elementos distintos da natureza), o disco possibilita que a banda se aproxime de uma temática voltada ao folk, ou nesse caso, o famigerado Freak Folk. Da mágica canção de abertura, Leaf House, passando por Who Could Win a Rabbit, The Softest Voice e demais composições do álbum, tudo se orienta em uma soma de experimentos acústicos delicadamente encaixados, proposta que cobre o álbum com completude. Graças ao uso adequado dos samples (posteriormente aprimorados dentro da obra solo de Panda Bear), cada espaço no decorrer do registro é ocupado por sutilezas instrumentais que mais tarde dariam lugar a camadas gelatinosas de sons sintéticos. Bucólico e voltado de maneira involuntária aos sons da década de 1960, o disco é um ponto de reclusão dentro da obra dos norte-americanos, uma espécie de paraíso natural dentro de uma coleção de sons habitados por sintetizadores e encaixes eletrônicos.

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Arcade Fire

Arcade Fire
Funeral (Merge)

Ainda que a anunciação mórbida do título defina Funeral como uma obra marcada pela morte, bastam os instantes iniciais de Neighborhood #1 (Tunnels), para perceber como a vida cresce na estreia do Arcade Fire. Nascido de uma sequência natural do despretensioso EP de 2003, o debut do coletivo canadense encontra nas histórias de amor, tramas cotidianas e canções de rico acervo melódico um curioso cenário para a apresentação e plena sustentação do grupo. Embalado por referências que vão do Chamber Pop da década de 1960 aos experimentos de David Bowie nos anos 1970, o casal Win Butler e Régine Chassagne usa das próprias confissões como a matéria-prima para o crescimento do registro. A arquitetura orquestral, que funde arranjos de cordas, guitarras e sintetizadores em um mesmo cenário, cresce e diminui sem ordem aparente, impulsionando um disco que vai do épico ao acolhedor em poucos instantes. A sobriedade que embala o álbum – expressa com notoriedade em In the Back Seat -, de forma alguma distancia o grupo de um possível tratado radiofônico, frente que Wake Up e Rebellion (Lies) assumem com um brilho pop peculiar. Sublime e ainda assim imenso, o melhor disco dos anos 2000.

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Björk
Medúlla (One Little Indian)

A voz sempre foi o ponto central na carreira de Björk, porém, nunca de forma tão inventiva e cuidadosamente aproveitada quanto em Medúlla. Trabalhado da primeira à última música em cima de montagens vocais precisas, o disco (quase) exclui a presença de instrumentos e outros componentes musicais, ampliando o caráter intimista da obra e garantindo um sentido de novidade ao universo da cantora. Das batidas sóbrias ao bem delineado jogo de bases musicais, cada etapa do álbum é desenvolvida em cima de harmonias à capela, uso constante de beat box e coros de vozes que preenchem todos os espaços do trabalho em um sentido de perfeição. O detalhamento garantido ao disco é tamanho, que em músicas como Where Is the Line e Oceania, mesmo as linhas de baixo, ou as batidas “eletrônicas” parecem excluir o caráter ogânico da obra. Com gravações espalhadas ao redor do globo, Medúlla reforça nos versos o lado político da cantora, que distante das letras existencialistas e carregadas de romantismo de outrora, discute racismo, morte e até o atentado terrorista de 11 de Setembro ao longo do disco.

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Black Alien

Black Alien
Babylon By Gus Volume 1: O Ano Do Macaco (DeckDisc)

Black Alien sempre foi um personagem isolado no Rap Carioca. Ainda que a relação com o Planet Hemp, Raimundos e Os Paralamas do Sucesso tenham expandido os domínios de Gustavo de Almeida Ribeiro, ou melhor, o Mr. Niterói, a sonoridade versátil e a expressiva relação com o reggae sempre posicionaram o rapper em um cenário musicalmente particular. Depois de uma sequência de canções feitas em colaboração com outros artistas, ou mesmo faixas nunca lançadas, Babylon By Gus Volume 1: O Ano Do Macaco marcou a estreia solo do artista. Centrado no universo próprio do rapper, o álbum encontra na essência de Bob Marley e outros cruzamentos instrumentais a base para uma obra ora mística, ora biográfica. São composições que caminham pelo cotidiano do artista, sem necessariamente aprisionar o espectador em um cenário hermético. Entre clássicos como Na Segunda Vinda e Caminhos do destino, Alien finaliza uma obra atemporal, capaz de resumir as transformações e todo o cotidiano da época, mas que estranhamente ecoam relação com o presente.

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Smile

Brian Wilson
Smile (Nonesuch)

Mítico. Originalmente previsto para 1967, porém, arquivado por conta do colapso de Brian Wilson no mesmo ano – resultado dos abusos com LSD e da própria esquizofrenia -, Smile utilizou do tempo à seu favor. Essencialmente nostálgico e íntimo de todas as experiências melódicas conquistadas na década de 1960, o registro é um passeio pela boa fase do Beach Boys em Pet Sounds (1966), chegando ao presente como uma obra encorpada e ainda mais detalhista. Impulsionado pelo uso assertivo das melodias de vozes, o álbum resgata os mesmos temas cotidianos e o romantismo proposto décadas antes pelo músico, trazendo na limpidez dos arranjos um estágio autoral e plenamente encantador. Canções como Our Prayer, Wonderful e On a Holiday, que encontram na precisão dos teclados, órgãos e outros equipamentos analógicos uma passagem direta para a mente de Wilson. Além do conjunto de faixas “inéditas”, clássicos como Surf’s Up e Good Vibrations, propostos para a versão original do disco, aparecem entre as canções, ampliando toda a graça que envolve a composição final do registro.

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Devendra Banhart

Devendra Banhart
Rejoicing in the Hands (Young God)

Em 2004, toda uma nova frente de artistas pareciam ocupar o Folk estadunidense. Joanna Newsom, Cocorosie, Akron/Family e Grizzly Bear são alguns dos projetos que tiveram início no mesmo ano, trazendo nas composições tortas de Devendra Banhart sua principal voz. Depois de dois trabalhos de significativa relevância – The Charles C. Leary e Oh Me Oh My -, em Rejoicing in the Hands o cantor parecia realmente caminhar por um território seguro, dominando todas as possibilidades da obra. As melodias tímidas de violão em apoio aos vocais acolhedores estabeleceram uma forte relação com a década de 1960, indo do Freak Folk californiano aos lamentos tropicais que solucionaram a música brasileira (principalmente a Tropicália) na mesma época. Parte da beleza e distinção do disco está na presença de Michael Gira (Swans), músico/produtor que conseguiu distanciar Banhart da atmosfera tímida dos primeiros álbuns para encontrar um trabalho de evidente provocação. Melodias em que o doce e o amargo das palavras são tratados como iguais.

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Franz Ferdinand

Franz Ferdinand
Franz Ferdinand (Domino)

É impossível não se deixar seduzir pelo ritmo frenético imposto no primeiro registro em estúdio do Franz Ferdiand. Intenso da abertura ao fechamento, o álbum é uma completa desarticulação dos exageros sombrios impostos no Revival Post-Punk, argumento explícito no brilho pop que ocupa todo o álbum. Ao esbarrar na obra de veteranos como Gang Of Four, Wire e The Who, o quarteto escocês comandado por Alex Kapranos deu vida a um dos mais entusiasmados registros da década, efeito que se estende da voz aos bem posicionados acordes. Alavancado pelas melodias pegajosas de Take Me Out, o disco trouxe em faixas como This Fire, Michael e The Dark of The Matinee um natural regresso ao rock britânico da década de 1970, não como um visitante nostálgico, mas em um tratamento de explícita reformulação. Mais do que um bem sucedido conjunto de faixas radiofônicas, o autointitulado álbum trouxe em elementos da literatura, avant-garde Russa e até da escola germânica Bauhaus, elementos expressivos para a consolidação estética do grupo. Uma típica obra que se vende como um produto pop, mas que ultrapassa sem dificuldades esse limite.

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Gram

Gram
Gram (Deck Disc)

Bastaria ao Gram apenas o pegajoso hit Você Pode Ir Na Janela para atrair a atenção do público e se firmar como uma das bandas mais importantes dos anos 2000, entretanto, o quinteto resolveu ir além. Aos comandos de Sérgio Filho, o grupo paulistano faz do primeiro álbum uma sucessão de faixas consumidas pela dor, promovendo na construção dos versos temas que se revelam de forma nunca óbvia ou possivelmente redundante. Com citações à Star Wars (Seu troféu), passagem consideráveis pelo trabalho do Radiohead na fase The Bends (Moonshine) e letras apegadas ao que havia de mais doloroso no passado de cada membro da banda (Reinvento), o homônimo álbum flui com pressa, como se o grupo buscasse se afastar o quanto antes da dor que habita em cada faixa. Para além dos versos bem elaborados, uma sequência de distorções e ruídos particulares se escondem em boa parte das músicas presentes no disco, ampliando de forma melancólica os limites do trabalho, bem como a leve dose de esquizofrenia e desespero que se concentra dentro dele.

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Hurtmold

Hurtmold
Mestro (Submarine)

Um passeio por qualquer centro urbano, sem escapar da imersão dos fones de ouvido. Assim é Mestro, terceiro registro em estúdio e obra mais complexa já apresentada pelo coletivo paulistano Hurtmold. Manipulado pelas experiências climáticas do Pós-Rock, o registro usa de cada faixa como um plano específico, sem necessariamente romper com a verve atmosférica que caracteriza toda a composição do trabalho. Menos experimental que Et-Cetera (2000), e muito mais conciso que o esparso Cozido (2002), o álbum encontra no cruzamento entre as guitarras de Mário e Fernando Cappi com a bateria de Maurício Takara a matéria-prima para o crescimento do disco. Sem pausas, o álbum encaixa cada canção como um complemento para a faixa seguinte, ambientando o espectador em um cenário rodeado por paredes acinzentadas e experiências que vão do Jazz (Amarelo É Vermelho) ao doce cruzamento de essências eletrônicas (Miniotario). Todavia, a complexidade do registro de forma alguma inviabiliza a chegada do ouvinte, que aos poucos é arrastado para o cenário de transições herméticas que o grupo orquestra com plena precisão.

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Interpol

Interpol
Antics (Matador)

Muito se engana quem pensa que Turn On The Bright Lights foi o responsável por consolidar o Interpol como uma das grandes bandas dos anos 2000. As melodias soturnas e o detalhamento expresso no registro de estreia do quarteto nova-iorquino hipnotizou os críticos, mas foi Antics, segundo álbum da banda de Paul Banks, o disco que realmente encantou o público. Sequência natural ao trabalho lançado em 2002, o registro caminha pela mesma herança do Post-Punk estabelecida nos anos 1980, trazendo em relacionamentos fracassados, sobriedade e melodias sorumbáticas todos os ingredientes para a construção da obra. Menos hermético e longe das camadas atmosféricas que caracterizam o debut, cada faixa do álbum brinca de forma atenta com o grande público. Músicas como Evil, Slow Hands e C’mere trouxeram na relação direta entre as guitarras aceleradas e as vozes um estranho combustível para as pistas, expandindo o território de possibilidades da banda. Pena que a fórmula conquistada no trabalho, seria a trilha para a estética redundante exposta nos lançamentos seguintes do grupo.

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Joanna Newsom

Joanna Newsom
The Milk-Eyed Mender (Drag City)

Antes de se aventurar pelo território místico/medieval de Ys (2006) ou das composições épicas que abasteceram Have One On Me (2010), Joanna Newsom fez de The Milk-Eyed Mender uma obra de construção da própria estética. Acompanhada de uma harpa e dos vocais entoados de forma quase pueril, a cantora deu formas a um mundo particular, mas ainda assim aberto ao público. Deliciosamente intimista e curto perto dos futuros lançamentos da cantora, o álbum passeia por entre histórias, personagens e sensações isoladas, como um imenso livro fosse aberturo e aos poucos desvendado – seja pela musicista ou pelo ouvinte. Ainda que o distanciamento proposital situe Newsom em um cenário esculpido de forma sensível, músicas como Sprout and the Bean, The Book of Right-on e Peach, Plum, Pear rompem de forma acolhedora com essa temática, brincando com as emanações da música folk em um detalhamento sempre atento às melodias convencionais da música pop. Um passeio pela mente de Newsom, mas que aos poucos se reflete em um reflexo da nossa própria percepção.

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Junior Boys

Junior Boys
Last Exit (Kin/Domino)

Elegante é uma palavra que define de forma exata todas as experiências em torno do primeiro álbum do ex-trio Junior Boys. Originalmente lançado em Junho de 2004, Last Exist mais parece um passeio pela eletrônica proposta desde o fim dos anos 1970. A carga sublime de sintetizadores eróticos, o clima atmosférico que se estende por todo o álbum, bem como o teor nostálgico das canções geram no espectador uma sensação inevitável de conforto. A sutileza dos arranjos que entalham Birthday, High Come Down e qualquer outra música do registro de forma alguma distanciam a dupla do que parece ser uma amigável relação com as pistas, exercício que se desenvolve de forma tímida, mas declarada. Em um sentido explícito de aquecimento, cada música cresce em um detalhamento específico, solucionando vozes, batidas e sintetizadores em uma trama eletrônica que se revela impossível de ser evitada. Dividido entre Jeremy Greenspan, Matt Didemus e Johnny Dark (que deixaria o grupo tempos depois), Last Exist é apenas o primeiro capítulo da série de acertos que acompanhariam o projeto canadense.

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Kanye West

Kanye West
The College Dropout (Roc-A-Fella/Def Jam)

The College Dropout, álbum de estreia de Kanye West, precisou de quatro anos até ser finalizado e entregue ao público. Construído entre um intervalo e outro do rapper, até então responsável pela produção de faixas para outros nomes do Hip-Hop, o álbum concentra em cada canção uma manifestação específica das referências que até então ditavam os rumos do artista. O R&B em Spaceship e a música gospel em Jesus Walks, o soul em Never Let Me Down ou o princípio do Rap em Breathe in Breathe Out, cada etapa do registro se manifesta como uma colagem de décadas e essências. Longe do egocentrismo autoral que viria com os futuros lançamentos, o debut traz em temas como religião, família, amor e fé um ponto de afastamento ao que caracterizava o restante rap norte-americano naquele instante. Sem esbarrar no mesmo efeito gratuito que cresceu depois de Graduation (2007), West encontra em cada canção do álbum um cenário de isolamento – físico ou mesmo metafórico -, o que garante à obra uma constante manifestação reflexiva, talvez inexistente para quem passeia pelas rimas atuais do artista.

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KOC

Kings Of Convenience
Riot On An Empty Street (Astralwerks)

Poucos registros conseguiram resgatar a essência do Folk e da Bossa Nova proposta nos anos 1960 quanto Riot on an Empty Street. Sequência ao também compacto Quiet Is the New Loud, de 2001, o segundo álbum da parceria entre Erlend Øye e Eirik Glambek Bøe se abre como um catálogo de sutilezas. A timidez expressa nos vocais e os arranjos diminutos se estendem por toda a composição da obra, que mesmo nos instantes de maior “exaltação”, jamais rompe com a atmosfera naturalmente proposta pelo duo. Costurado por melodias compactas, o álbum deixa de lado o isolamento proposto no primeiro disco da dupla para se encontrar com canções de fácil absorção. São faixas de apelo cotidiano (Homesick), canções embaladas pela saudade (Stay Out of Trouble) ou mesmo instantes de pura amargura (Love Is No Big Truth), versos que lidam com a angústia do indivíduo, sem necessariamente perder a candura que cresce como um complemento natural para a obra.

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Ludovic

Ludovic
Servil (Teenager In Box)

Poucas obras carregam tamanho desespero em suas faixas quanto Servil. Álbum de estreia da banda paulistana Ludovic, o disco encontra nas confissões escancaradas de Jair Naves a abertura para um território turbulento, dramático, mas acima de tudo honesto. Típico álbum de pós-relacionamento, o trabalho está longe de seguir o mesmo percurso óbvio de outras obras do gênero, sustentando no desgaste (físico e emocional) de sua principal voz, a construção de um cenário particular, mas nunca distante do ouvinte. Caminhando por um percurso que beira a esquizofrenia, Naves entrega ao espectador faixas como Você Sempre Terá Alguém a Seus Pés, CVV e Vane, Vane, Vane, composições capazes de discutir suicídio e amor em uma proximidade naturalmente assustadora, sufocante. A instrumentação dividida entre a sobriedade do Pós-Punk (Joy Division) e a crueza do Hardcore (Blackflag), em poucos instantes corrói os ouvidos do público, alimentando ainda mais a proposta exaustiva que tenta sustentar o trabalho. Base para o que seria aprimorado em Idioma Morto (2006), Servil é ainda hoje um dos retratos mais dolorosos do que ocupa a mente e os sentimentos de um indivíduo de coração partido – ou dilacerado.

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Mad

Madvillain
Madvillainy (Stones Throw)

Hip-Hop, Jazz e um time de vilões se encontram no interior de Madvillainy. Ponto de colisão entre as rimas do britânico MF Doom e a produção versátil do californiano Madlib, a obra de apresentação do projeto Madvillain ainda hoje se revela como um tratado atento, à frente de outros registros lançados na mesma época. Colecionando samples que vão do R&B dos anos 1970, aos sons brasileiros que embalaram a Bossa Nova em idos de 1960, o álbum encontra na relação com os grandes vilões (das histórias em quadrinhos, filmes ou TV) um elemento de contraste para o ambiente musicalmente estável da dupla. São versos que passeiam pelas periferias, dialogam com temas cotidianos ou simplesmente encaram a temática fictícia do disco sem um provável distanciamento da realidade. Versátil, o álbum atravessa os anos 1980, esbarra na construção autoral da dupla na década de 1990 até aparecer embalado por um frescor raro nos anos 2000. Samples de Maria Bethânia, The Temptations e Street Fighter 2 que simplesmente se acomodam com acerto dentro do estranho e acolhedor universo do disco.

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Mastodon

Mastodon
Leviathan (Relapse)

Com a retomada do Sludge Metal no começo dos anos 2000 e o nascimento de uma série de novas bandas – caso de Baroness e Kylesa -, o que não faltou ao gênero foram trabalhos de expressiva relevância. Entre os primeiros a sustentar uma obra de forte repercussão está o quarteto de Atlanta, Mastodon. Seguindo a trilha de veteranos dos anos 1990 (Melvins), além de grupos clássicos da década de 1970 (como o declarado Thin Lizzy), cada ruído dentro do universo da banda ecoa referência sem perder a própria composição. Em Leviathan, segundo registro em estúdio, todos os elementos alavancados desde o começo da carreira assumem melhor resultado, crescendo como uma sequência natural ao que Remission (2002) havia apresentado dois anos antes. Esquivando de possíveis deslizes, o álbum encontra na essência do rock alternativo um natural ponto de transformação. Bastam os atos quebrados (no melhor estilo Nirvana) em Seabeast, ou a aceleração de Aqua Dementia, íntima do proto-hardcore, para perceber como o tempo e aspectos específicos de diferentes fases da música dança com acerto pelas composições do grupo. Uma avalanche de ruídos, vozes e acordes que em segundos esmagam o ouvinte.

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Modest Mouse

Modest Mouse
Good News for People Who Love Bad News (Epic)

Entre a estranheza e as boas melodias, Good News for People Who Love Bad News veio como um ponto de transformação para a carreira do Modest Mouse. Depois de dois registros bem recebidos pela imprensa e o público alternativo – The Lonesome Crowded West (1997) e The Moon & Antarctica (2000) -, com o quarto álbum em estúdio a relação com o grande público parecia cada vez mais estreita. Seja pelo catálogo expressívo de canções acessíveis – The World At Large e Float On entre elas – ou pelo manuseio atento dos gêneros – como o Hip-Hop em Bury Me With It -, cada etapa do álbum parece aprimorar um ponto em específico na carreira do grupo. As construções artesanais, evidentes nos primeiros discos, agora rumam para um ponto de maior compreensão por parte da banda, resultado da produção atenta de Dennis Herring, que distanciou o grupo da atmosfera Lo-Fi inicialmente imposta para o grupo. O resultado dessa colagem de elementos está na construção de uma obra essencialmente dinâmica, um registro tão estranho, quanto difícil de ser evitado.

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Mombojó

Mombojó
Nadadenovo (Independente)

Dor e alegria se confundem no interior de Nadadenovo. Registro de estreia da banda recifense Mombojó, o agridoce álbum traz na declarada confissão dos sentimentos, o ponto de equilíbrio para a apresentação estética do grupo. Sustentado pelos vocais tímidos de Filipe S (um herdeiro de Fred Zero Quatro), o registro, embora tratado como próximo de outros trabalhos da época, talvez seja o primeiro grande exemplar da cena alternativa a seguir um caminho oposto ao que os cariocas do Los Hermanos pareciam inclinados naquele momento. O cruzamento entre o orgânico e o eletrônico fez nascer faixas como Estático, Deixe-se Acreditar e Nem Parece, músicas que trouxeram na roupagem eletrônica e percursos levemente experimentais um novo sentido ao samba. Lançado na íntegra para download no site do grupo, e posteriormente distribuído em formato físico pela extinta revista OutraCoisa, Nadadenovo, na contramão do próprio título, é um dos primeiros exemplares da cena independente a buscar por novos métodos de distribuição. Dez anos depois de Samba Esquema Noise e Da Lama ao Caos terem apresentado o Manguebeat, a estreia do Momobojó reforçava a identidade da cena pernambucana.

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Nick Cave

Nick Cave And The Bad Seeds
Abattoir Blues/The Lyre Of Orpheus (Mute)

Muito e ainda assim pouco parece ter sobrevivido da essência do Nick Cave And The Bad Seeds na década de 1980. Se em começo de carreira obras como Kicking Against the Pricks e Your Funeral… My Trial aproximavam o grupo do Pós-Punk inglês, ao alcançar os anos 1990, discos como Let Love In e Murder Ballads deram ao mutável coletivo um aspecto muito mais versátil, intimo do Garage Rock e do mesmo rock alternativo instituído na época. Em Abattoir Blues/The Lyre Of Orpheus, 13º álbum de estúdio da banda, todas essas referências voltam a ser encaradas, conduzindo as duas peças do trabalho por caminhos tão distantes quanto próximos musicalmente. Enquanto a primeira metade (Abattoir Blues) reforça a crueza e a rispidez em torno da obra, trazendo de volta guitarras sujas e vozes tão estridentes quanto os acordes, com The Lyre Of Orpheus e a segunda metade do disco tudo se “ameniza”. A dor passa a ser menos escancarada, aproximando Cave de um lirismo sóbrio, muito mais soturno e deprimente. A proposital divisão não apenas resgata aspectos específicos da obra do coletivo, como serve como um anúncio sobre os futuros lançamentos de Cave e seus parceiros de banda.

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Parafusa

Parafusa
Meio-Dia na Rua da Harmonia (Independente)

No meio da avalanche de artistas que pareciam seguir cegamente a obra do Los Hermanos, Meio-Dia na Rua da Harmonia veio como um doce respiro para a cena independente. Álbum de estreia da banda pernambucana Parafusa, o registro cresce como uma adorável colcha de retalhos líricos e sonoros. De composição acessível, o trabalho é um passeio por entre histórias cotidianas (A História do Boi Tatau), canções de amor (Vou Cantar Noutro Quintal) ou mesmo versos de arquitetura quase pueril (Não Sei Dançar). A natural multiplicidade de temas serve ainda como um caminho direto para que diferentes personagens possam transitar com acerto pela obra. São bailarinas, prostitutas ou simples rostos comuns, pessoas que surgem e desaparecem por entre os versos melódicos que amortecem o espectador em um cenário de crônicas musicadas. A arquitetura instrumental do disco é outro ponto de acerto, afinal, há desde canções marcadas pelo ritmo carnavalesco (Longa Canção Sobre um Grande Amor), até boas doses de rock clássico (Tudo Bem), prova da versatilidade coesa que ocupa todos os espaços do disco.

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Sufjan Stevens

Sufjan Stevens
Seven Swans (Sounds Familyre)

Poucos artistas viveram uma fase tão criativa quanto Sufjan Stevens no começo dos anos 2000. Depois da bem sucedida passagem por Michigan (2003) e à caminho de apresentar a obra-prima Illinois (2005), o cantor e compositor norte-americano fez da sutileza imposta em Seven Swans um ponto de reclusão e ainda assim preparativo para o que estava por vir. Compacto e visivelmente mais tímido em relação ao cenário proposto no trabalho anterior, o disco usa das vocalizações sublimes e parcos violões como o principal instrumento da obra. Não interessado em repetir as experiências da série The Fifty States Project, Stevens foi de encontro ao uso de temas bíblicos, trazendo na construção de faixas como Abraham, The Transfiguration e In the Devil’s Territory um criativo ponto de renovação para a própria carreira. De visível composição intimista – em alguns momentos apenas e voz e os violões do cantor ocupam o disco -, Seven Swans curiosamente está longe de parecer uma obra limitada, pelo contrário, expressa a sensibilidade de Sufjan de maneira tão criativa e doce quanto nos principais lançamentos do cantor.

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The Fiery Furnaces
Blueberry Boat (Rough Trade)

A estranheza dos arranjos testados em Gallowsbird’s Bark, de 2003, foi apenas um ensaio para aquilo que Blueberry Boat traria com maior acerto no ano seguinte. Segundo registro em estúdio da dupla The Fiery Furnaces, e obra prima dos irmãos Matthew e Eleanor Friedberger, o álbum sustenta na constante mudança de rumos – líricos e instrumentais – a base para uma obra essencialmente desafiadora. Com faixas que ultrapassam sem dificuldade os 10 minutos de duração, o trabalho atravessa desde ambientes típicos da música pop, até instantes de pura experimentação jazzística. Guitarras, vozes e versos, nada parece encarado de maneira “tradicional” no decorrer da obra. Mesmo quando a busca por uma sonoridade “acessível” parece ser a base da composição (caso de Straight Street e My Dog Was Lost But Now He’s Found), em poucos segundos toda essa orientação muda e assume um esforço caótico. O típico caso de uma obra que está longe de funcionar em uma primeira audição, mas parece simplesmente impossível de ser evitada.

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The Go! Team

The Go! Team
Thunder, Lightning, Strike (Memphis Industries)

Garage Rock com Blaxploitation, Hip-Hop esbarrando no Indie Rock, Noise casado com a música pop dos anos 1960. Marcado pela colagem de gêneros e essências conquistadas ao longo de diferentes épocas, Thunder, Lightning, Strike, estreia do The Go! Team, ainda hoje ecoa como uma obra (muito) à frente de seu tempo. Verdadeiro cardápio de referências, o álbum assume em cada canção um objeto isolado, dessa forma, antes mesmo de alcançar o meio do disco, o espectador já passou por um universo tão grande de tendências e gêneros, que mais parece ter mergulhado em várias discografias. Sem jamais estacionar em um ponto específico, o trabalho encontra no uso de diferentes vozes um caminho em ziguezague para brincar com o público. Colecionando samples de filmes, séries de TV e até documentários, o registro vai além de um mero agrupado de referências musicais, arremessando o ouvinte para um cenário tão confuso, quanto hipnótico. O melhor resumo de toda a produção cultural da década de 1960 aos anos 2000.

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The Killers

The Killers
Hot Fuss (Island)

Da essência sombria da década de 1980 (The Smiths, New Order), passando pela obra de veteranos como David Bowie e Lou Reed, poucos registros soam tão nostálgicos e atuais quanto Hot Fuss. Álbum de estreia do The Killers, o trabalho de 11 faixas conseguiu em pouco tempo ocupar um lugar de destaque dentro do Revival Post-Punk, feito sustentado pelo catálogo de Hits que o definem da primeira à última música. Da urgência de Jenny Was A Friend Of Mine e Somebody Told Me, passando pelo rock de arena em Change Your Mind ao arrasa-quarteirões Mr. Brightside, cada recorte do enérgico registro funciona como uma provável aproximação com o grande público. São as guitarras bem posicionadas em Andy, You’re A Star, ou mesmo o concentrado de sintetizadores em Smile Like You Mean It, elementos que em poucos segundos arrastam o espectador para as pistas, sem necessariamente parecer inclinado a isso. Possivelmente, a melhor coletânea de clássicos da década de 1980 lançada nos anos 2000.

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The walkman

The Walkmen
Bows and Arrows (Recordcollection)

A raiva e a saudade ocupam todas as dimensões Bows and Arrows. Segundo registro em estúdio do quinteto nova-iorquino The Walkmen, o álbum segue em uma direção contrária ao que Everyone Who Pretended to Like Me Is Gone (2002) havia anunciado anos antes. Costurado por guitarras soturnas em uma interpretação particular do Revival Post-Punk, o disco dança pela melancolia sem em nenhum momento perder a própria sobriedade. Guiadas pelos vocais rasgados de Hamilton Leithauser, cada faixa dissolvida pelo registro traz de volta uma lembrança recente, encontrando na dor o principal ponto de comunicação da obra. A produção de Dave Sardy, que já havia desenvolvido diferentes trilhas sonoras e a construção de outros álbuns próximos garante ao grupo um estado de homogeneidade, complexidade que se estende da faixa de abertura, What’s in It for Me, até a homônima canção de encerramento. Ainda que esbarrasse em possíveis falhas, a crueza dilacerante de The Rat, mais intensa faixa do trabalho, seria capaz de sustentar todo o disco. Uma das composições mais amargas já feitas, a canção encontra na raiva anunciada do vocalista o princípio de crescimento e desespero que define todo o disco.

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Wonkavision

Wonkavision
Wonkavision (Independente)

Pop, pegajoso e ainda assim marcado pelo ineditismo das canções. Poucos registros lançados na última década parecem capazes de alcançar o mesmo detalhamento melódico que define o álbum de estreia da gaúcha Wonkavision. Produzido por John Ulhoa (Pato Fu), o debut de 12 faixas resgata toda a essência musical dos anos 1960/1970, indo do Power Pop (de grupos como The Replacements e Big Star) aos exageros plásticos da Jovem Guarda. O teor acessível das canções, entretanto, de forma alguma ecoa obviedade, trazendo no contraste entre a seriedade dos versos e a sutileza dos arranjos o principal mecanismo de crescimento para o disco. São faixas como Ei, Não é Por Mal, Comprimidos e Problemas que discutem aspectos cotidianos da vida adulta, subtraindo a seriedade natural dos temas por um conjunto de referências cantaroláveis, pop no melhor sentido da palavra. Além do bem instalado catálogo de versos, sintetizadores nostálgicos e guitarras diretas esculpem com propriedade toda a atmosfera do disco, arrastando o ouvinte para junto de um universo próprio, sustentado com acerto pela banda até o último e colorido acorde.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.