Disco: “Assume Crash Position”, Konono Nº1*

/ Por: Cleber Facchi 13/12/2010

Konono Nº1
Congo/Afrobeat/Experimental
http://www.myspace.com/konononr1

Idealizado no final dos anos 1960 por Fela Kuti – músico e ativista político nigeriano – o Afrobeat é um estilo musical que mescla a sonoridade tradicional africana com o Jazz e a música pop contemporânea, mantendo seguidores que dão continuidade ao estilo que conta com quase meio século de existência. O mais recente exemplo a lançar um disco trabalhado dentro da estética desenvolvida por Kuti são os congoleses do Konono Nº1.

O grupo surgido no final dos anos 1970 na cidade de Kinshasa, na República Democrática de Congo, já passou por inúmeras formações e hoje conta com poucos membros do primeiro quadro do grupo. Mesmo que a formação não seja mais a mesma, o grupo mantém a sonoridade dos primeiros trabalhos e continua o explorar novos sons e instrumentos musicais exóticos, que vão desde o uso de sucatas, frigideiras e tachos até amplificadores, guitarras e microfones construídos artesanalmente.

Enquanto a última série de discos lançados pela banda na primeira década dos anos 2000 (denominados Congotronics) fazia um retrato histórico da sonoridade desenvolvida ao longo de décadas pelo grupo, assim como a captura das influências africanas regionais, o novo disco Assume Crash Position, lançado em maio de 2010, prima pela inovação.

A primeira faixa do disco Wumbazanga, com seus mais de 11 minutos de duração, abre com um solo de Likembe, um instrumento musical típico do grupo e que se assemelha muito com teclados ou sintetizadores. O likembe não se limita ao solo de abertura. O restante da faixa e as demais que compõem o álbum são permeadas pela sonoridade produzida pelo instrumento, dando um ar dançante que muito se aproxima do pop e da eletrônica produzidos na década de 1980.

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Outras canções como Makembe e Konono Wa Wa Wa ultrapassam facilmente os 10 minutos de execução, uma das principais características do Afrobeat, em que o repertório musical (principalmente nas apresentações ao vivo) costuma se estender ao extremo, característica herdada do Jazz e que muitas vezes preza pela experimentação e improvisação. A longa extensão das faixas serve de exemplo para as formatadas músicas pop e radiofônicas (com seus três minutos em média), já que conseguem manter um nível de qualidade e inovação durante o tempo de duração.

As letras cantadas em idioma congolês e dialetos africanos – o que seria de certa forma um problema em se tratando da aproximação com os diversos públicos – são facilmente assimiláveis (mesmo que incompreensível). É possível, após algumas audições, o ouvinte se ver cantarolando algumas das músicas como Mama Na Bana, Fula Fula ou mesmo a já mencionada faixa de abertura.

Além das faixas em longa duração, o uso de instrumentos característicos e dialetos locais, o Konono nº1 preza pelo uso da sonoridade em Looping e o reaproveitamento de sons em diferentes faixas. A estratégia é empregada para produzir a base musical das canções, abrindo espaço para a inserção de novos elementos musicais no decorrer das faixas.

A percussão é outro elemento que marca com intensidade diversas faixas do disco (principalmente as que contam com uma menor duração). Músicas como Thin Legs e Guiyome são recheadas de instrumentos percussivos, além do uso constante de apitos, palmas e demais ruídos corpóreos. Thin Legs, com um minuto e 59 segundos de duração, é basicamente desenvolvida em cima de instrumentos de percussão, contando com ritmos quebrados e variações na aceleração das batidas.

De um modo geral, é possível associar a música produzida pelos Konono Nº1 com a música brasileira, principalmente o maracatu e o samba (isso pelo fato de ambos os estilos descenderem de raízes africanas). A presença de elementos da música eletrônica e hip-hop (como o looping) fazem com que a banda africana lembre muito o que é produzido pelo grupo pernambucano Nação Zumbi, principalmente quando se trata da gama de instrumentos percussivos.

Não espere ligar o rádio e ouvir o grupo tocando qualquer faixa de qualquer um de seus discos. A sonoridade experimental, somada a longa duração de suas faixas, exclui a presença do Konono Nº1 dos meios radiofônicos. Uma pena, pois uma única canção já serviria de aula para os irrelevantes grupos de música pop contemporâneos.

Mesmo na internet, com sua ampla variedade de grupos multiculturais e obscuros, encontrar qualquer disco do grupo é tarefa árdua. É preciso muito tempo e paciência vagando por entre blogs e sites que disponibilizam o download de faixas ou mesmo de trabalhos do grupo. Outra alternativa é tentar adquirir a rara discografia por meio de grandes lojas virtuais de outros países, o que de certo modo é inviável, devido os altos preços das taxas de importação.

Talvez, o Konono Nº1 não seja um grupo para ser apreciado na quietude dos fones de ouvido ou através das caixas de som de um computador, mas sim em suas apresentações ao vivo. Basta fazer uma busca pelo Youtube para ver que toda a força do grupo está em seus rituais performances. Além dos músicos dançando e pulando atrás de suas parafernálias sonoras, dançarinas e o próprio público se tornam elementos dentro do mise en cene elaborado pelo conjunto africano.

Assume Crash Position (2010)

  1. Wumbazanga
  2. Thin Legs
  3. Mama Na Bana
  4. Makembe
  5. Fula Fula
  6. Guiyome
  7. Konono Wa Wa Wa

Nota: 8.5
Para quem gosta de: Fela Kuti, Vampire Weekend e Animal Collective
Ouça: Wumbazanga

*Texto publicado em junho de 2010 na edição nº15 da REVISTA INTERNACIONAL DE FOLKCOMUNICAÇÃO

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.