Carne Doce: “Artemísia” (VÍDEO)

/ Por: Cleber Facchi 28/07/2016

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Não vai nascer / Porque eu não quero / Porque eu não quero e basta eu não querer“. A essência feminina do Carne Doce parece ter aflorado em Artemísia. Primeiro fragmento do novo registro de estúdio da banda, previsto para agosto, a canção centrada na temática do aborto parece indicar a mudança de direção assumida pelo quinteto goiano em relação ao trabalho apresentado em 2014. Versos que ultrapassam o ambiente intimista e essencialmente delicado de faixas como Benzin e Amigo dos Bichos de forma a dialogar com a realidade.

Junto da canção, gravada no Red Bull Studios de São Paulo, a banda apresenta um claustrofóbico clipe produzido e dirigido por Muto. No vídeo, Salma Jô dança no interior de um túnel construído em 1918, no centro da cidade de Campinas. Para o clipe, a cantora contou com o apoio da coreógrafa Gabriela Branco que usou um “método de improviso baseado em estados corporais”. Abaixo, além do clipe de Artemísia, você encontra uma breve entrevista com Jô em que ela discute a temática da nova faixa, além, claro, do processo de gravação do clipe.

 

Em um cenário político marcado pelo retrocesso e forte controle da bancada evangélica, Artemísia nasce como uma espécie de hino feminista que se estende para além do polêmico debate sobre o aborto. Gostaria que você comentasse o processo de construção da letra da canção. Esse conceito “feminino” é a base para o novo álbum da Carne Doce? Que outros temas serão explorados no trabalho?

Eu tenho um pouco de receio dessa ideia de hino. Eu não tenho segurança para criar um estatuto, uma oração, para dizer tudo o que precisa ser dito sobre o assunto, não estou militando. Eu sou pelo feminismo, quem não é geralmente não nos interessa muito, mas eu não pretendo falar pelas feministas. Sei que eu acabo por assumir uma responsabilidade política, mas a minha perspectiva ao fazer as letras é no geral pegar um fato autobiográfico e universal e me divertir com o que há de poder nele.

O feminismo está aí, é pauta do dia, eu falo das coisas do dia, eu acabei falando muito disso no novo disco, mas tentando ser sincera sobre as minhas contradições, personagens, mentiras. E são muitas as questões: lugar de fala, o feminino, gênero, o depoimento como denúncia, o feminismo branco. Eu não sei respondê-las, mas eu gosto de me encucar com elas. Artemísia é a ideia de “meu corpo minhas regras” levada ao máximo, ao ponto de ser assumidamente fantasioso como se a dona do corpo fosse Deus. Quando nesta situação de decidir por um aborto, mesmo mulheres de muita fé escolhem romper com Deus por um momento, escolhem ser elas as maiores autoridades sobre as próprias vidas. É uma experiência muito íntima e ao mesmo tempo de compromisso com a vida, de poder sobre a descendência, de uma responsabilidade divina.

O clipe de Artemísia parece fortemente influenciado pela clássica cena do metrô no filme Possessão (1981), de Andrzej Zulawski. Existe esse diálogo com o trabalho do diretor polonês? Como foi o processo de preparação corporal e o trabalho com a coreógrafa Gabriela Branco?

A cena foi certamente uma inspiração, e eu até preferia não lidar com referência de tanto peso, mas todas as circunstâncias casavam demais com o sentido da letra: o túnel, a passagem, a espontaneidade da dança. O filme mesmo, no entanto, não é uma inspiração. A Gabriela me ensinou a dançar no sentido de explorar meus movimentos e impulsos e lapidá-los mais ou menos numa obra improvisada, mas com uma base emocional.

Não havia música, não havia coreografia e nem espelho durante a preparação, apenas a voz dela me guiando. Para mim foi como me atirar no abismo, confiar meu corpo a ela, baixar a vaidade, tentar não pensar de modo coreografado, um exercício de entrega que ainda me deixa ansiosa de pensar a respeito, mas gostei muito de fazer.

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Carne Doce – Artemísia

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.