Cozinhando Discografias: Beyoncé

/ Por: Cleber Facchi 04/09/2014

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A seção Cozinhando Discografias consiste basicamente em falar de todos os álbuns de um artista, ignorando a ordem cronológica dos lançamentos. E qual o critério usado então? A resposta é simples, mas o método não: a qualidade. Dentro desse parâmetro temos uma série de fatores determinantes envolvidos, que vão da recepção crítica do disco no mercado fonográfico, além, claro, dentro da própria trajetória do grupo e seus anteriores projetos. Além da equipe do Miojo Indie, outros blogs parceiros foram convidados para suas específicas opiniões sobre cada um dos trabalhos, tornando o resultado muito mais democrático.

Duas décadas. Este foi o tempo necessário para que o império de Beyoncé Knowles fosse de fato consolidado. Ainda que o primeiro registro em estúdio do Destiny’s Child – projeto inicial da cantora – tenha aparecido apenas em 1998, desde o final dos anos 1980 que a artista nascida em Houston, Texas vinha se aventurando pelo mundo da música. O ponto de partida para a carreira solo veio apenas com Dangerously in Love, em 2003, passagem para a (ainda) curta discografia da cantora organizada do pior para o melhor trabalho em mais um Cozinhando Discografias.

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#05. I Am… Sasha Fierce
(2008, Columbia)

Passada a turnê de B’Day, ainda em 2007, Beyoncé começou a trabalhar no registro mais “ousado” de sua carreia até então: I Am… Sasha Fierce. Corajoso, o álbum dividido em duas partes é uma representação do alter-ego da própria artista, Sasha Fierce, “personagem” criado durante a produção de Dangerously in Love (2003), porém, assumido publicamente a partir do clipe de Single Ladies (Put a Ring on It) – um dos símbolos do alter-ego é a luva robótica utilizado durante as filmagens. Cravejado de hits, o álbum brilha como o maior acervo de faixas radiofônicas já lançadas pela cantora. Músicas comercialmente bem aceitas como If I Were A Boy, Sweet Dreams e Video Phone que mantiveram a norte-americana no topo das de sucesso por mais de dois anos. Entre faixas puramente dramáticas (Broken-Hearted Girl, Halo) e parcos inventos dançantes (Radio), o terceiro álbum solo de Beyoncé prevalece como um registro sóbrio e denso – proposta escancarada nos exageros da desnecessária adaptação de Ave Maria. Um passeio atento pelo pop e R&B que começa anos 1960 e cresce até a década de 2000, como se Beyoncé marcasse seu lugar.

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#04. B’Day
(2006, Columbia)

Com o encerramento das atividades do Destiny’s Child no começo de 2006, Beyoncé estava finalmente livre para mergulhar de cabeça em carreira solo. Toda essa “liberdade” da cantora ecoa de forma expressiva no interior de B’Day, o segundo registro solo e uma verdadeira coleção de ritmos, tendências musicais da época e, claro, hits radiofônicos do primeiro ao último instante da obra. Inaugurado pelo balanço quente de Déjà Vu (parceria com Jay-Z), o sucessor de Dangerously in Love (2003) revela uma sucessão de temas tão próximos do R&B/Hip-Hop dos anos 1990 (Irreplaceable), como da sonoridade “latina” que ocupava a cena musical do período (Get Me Bodied, Beautiful Liar). Com vocalizações poderosas, versos ora dançantes, ora melancólicos e um time gigantes de produtores, letristas e músicos, o álbum parece preenchido com acerto a cada mínima fatia. Além das vendas altíssimas, do sucesso imediato e de ser bem recebido pela crítica, o trabalho ainda posicionaria Beyoncé (e cada um dos sete singles do registro) em um lugar de destaque nas paradas de sucessor, promovendo uma extensa turnê até meados 2007 e a entrada definitiva da cantora em fase solo.

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#03. Dangerously in Love
(2003, Columbia)

Passado o lançamento de Survivor, em 2001, Beyoncé entendeu que era hora de dar um tempo do Destiny’s Child. Aproveitando o hiato autorizado pela gravadora, a cantora deu início ao primeiro álbum em carreira solo: Dangerously In Love. Na trilha do que a artista já havia explorado em The Writing’s on the Wall (1999), o debut se fragmenta entre canções pop de pura confissão e versos sensuais, delineados por ambientações sublimes típicas do R&B. A diferença em relação aos antigos inventos em estúdio está na forte comunicação com o Hip-Hop. Produtora e compositora de grande parte do registro, Beyoncé e o parceiro Jay-Z entregam logo na inaugural Crazy in Love – uma das melhores canções dos anos 2000 –  toda a sonoridade, ritmo e estrutura pensada para o restante da obra. Cardápio bem servido de hits, o álbum soa nostálgico em Naughty Girl – com samples de Love to Love You Baby (1975), de Donna Summer -, reforça o domínio lírico em Signs – parceria com Missy Elliott -, e estaciona apenas na sobriedade de Daddy, densa canção de encerramento e, ao mesmo tempo, passagem para uma das carreiras mais bem sucedidas da música recente. Da roupa cintilante às canções, tudo brilha no interior deste álbum.

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#02. 4
(2011, Parkwood/Columbia)

Ainda que Dangerously in Love (2003) e B’Day (2006) tenham contado com a boa recepção do público e crítica, foi somente com a chegada de I Am… Sasha Fierce (2008) que Beyoncé conquistou um espaço particular dentro do Pop/R&B. Se antes ela era apenas “mais uma” no amplo domínio da música pop, a partir do terceiro álbum a cantora conquistou o merecido rótulo de “Diva”. Madura e com a imagem finalmente desassociada do Destiny’s Child, Knowles trouxe em 2011 sua obra de evidente ruptura: 4. Mesmo bem aceito comercialmente – efeito do sucesso de Run the World (Girls) e Love on Top -, o álbum é a passagem para um campo musical muito menos óbvio e sóbrio, visivelmente afastado do grande público. Da abertura com 1+1, passando por I Miss You (parceria com Frank Ocean), até chegar no hino feminista da canção de encerramento, cada recorte do disco é um mergulho nas principais tendências dos anos 1970 (Rather Die Young), 1980 (I Care) e 1990 (Party). Mesmo a principal faixa do disco, Countdown, sobrevive como uma coleção de temas, sonorizações latinas e referências esquivas da cena musica da década. Um respiro de isolamento autoral que acabou forçando grande parte dos trabalhos lançados no ano seguinte a incorporaram o mesmo princípio. Conceitualmente amplo, 4 era apenas uma pista do que Beyoncé viria a aperfeiçoar no trabalho seguinte.

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#01. Beyoncé
(2013, Parkwood/Columbia)

Em março de 2013 Beyoncé rompeu o hiato para apresentar ao público a dobradinha Bow Down / I Been On. Uma prévia curiosa e musicalmente atípica do que viria a ser explorado no novo disco da cantora. Depois disso, apenas silêncio. Em 13 de dezembro do mesmo ano, uma surpresa. Sem anúncio prévio, divulgação por parte da gravadora ou qualquer expectativa, a cantora apresentou ao público o autointitulado quinto álbum de estúdio. Uma sequência de 14 faixas inéditas, 18 clipes, participações de Jay-Z, Drake, Frank Ocean e até da escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie. Obra fechada, o registro cresce de maneira densa, sempre voltado ao Hip-Hop/R&B dos anos 1990 e parecendo “enterrar” todos os grandes lançamentos do gênero naquele ano – como The Electric Lady de Janelle Monáe ou Talk A Good Game da ex-parceira de grupo Kelly Rowland.

Delineado por temas feministas, faixas que exaltam o universo feminino e todo um arsenal de referências biográficas – principalmente nos samples e vinhetas -, Beyoncé (o disco) é uma obra de provocação. Grande parte das canções “de trabalho” são extensas e complexas – como Drunk In Love, Flawless e Partition -, desarticulando qualquer interpretação antiga de “música comercial”. Ainda assim, a produção homogênea assinada pelo desconhecido BOOTS – e parceiros como Timbaland, Justin Timberlake, Carolina Polacheck e Pharrell Williams – faz com que o ouvinte seja tragado para o universo seguro de regras e melodias próprias. Uma obra tão próxima dos conceitos que ocuparam o R&B “alternativo” do período, como essencialmente volta ao uso de versos comercialmente acessíveis. O resultado não poderia ser outro: mais de 1 milhão de cópias vendidas no iTunes em todo o mundo ainda na primeira semana. Encaixada em um domínio próprio – de acertos, fórmulas e conquistas lucrativas -, a obra-prima de Beyoncé serve de recomeço não apenas para o trabalho da cantora, mas para grande parte da música pop recente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.