Cozinhando Discografias: Cat Power

/ Por: Cleber Facchi 13/08/2013
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Cat Power

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A seção Cozinhando Discografias consiste basicamente em falar de todos os álbuns de um artista ignorando a ordem cronológica dos lançamentos. E qual o critério usado então? A resposta é simples, mas o método não: a qualidade. Dentro desse parâmetro temos uma série de fatores determinantes envolvidos, que vão da recepção crítica do disco no mercado fonográfico, além, claro, dentro da própria trajetória do grupo e seus anteriores projetos. Vale ressaltar que além da equipe do Miojo Indie, outros blogs parceiros foram convidados para suas específicas opiniões sobre cada um dos trabalhos, tornando o resultado da lista muito mais democrático e pontual.

Responsável por uma das obras mais sofridas da cena alternativa norte-americana, Cat Power acumula em mais de duas décadas de carreira uma discografia única. São clássicos como Moon Pix (1998) e You Are Free (2003) que trazem nas confissões honestas da artista um movimento sublime para cada composição. Faixas corrompidas pelo álcool, a amargura e o desespero em um grau extremo de aproximação com o próprio ouvinte. Com um trabalho crescente desde o começo dos anos 1990, Chan Marshall teve cada um dos nove registros em estúdio analisados do pior para o melhor em nosso especial.

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Myra Lee

#09. Myra Lee
(1996, Smells Like)

Resultado das mesmas gravações que deram vida ao debut Dear Sir (1995), Myra Lee é um misto de sobra de estúdio e continuação natural dos experimentos que vinham impulsionando o trabalho de Cat Power naquele instante. Lançado no ano seguinte à estreia da artista, o trabalho cresce em um esforço ainda mais obscuro e sufocante dos sons, como se a sanidade da cantora estivesse prestes a se esgotar. Arrastado e musicalmente limitado, o álbum assume no contorno caseiro uma espécie de demo para o trabalho seguinte, What Would the Community Think. A própria Enough, faixa de abertura do disco aparece melhor desenvolvida no registro vindo em sequência, tornando público o verdadeiro potencial da cantora. Embora tratado como um trabalho “menor” dentro da discografia de Marshall, o álbum em diversos momentos alimenta a formação de canções adultas, prontas, caso de We all die, que se vale de efeitos típicos da obra do Sonic Youth, porém, dentro do universo estranho da artista.

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Cat Power

#08. Jukebox
(2008, Matador)

Enquanto The Covers Record veio impulsionado pela calmaria amargurada dos sons, trazendo na atmosfera compacta um princípio de novidade, Jukebox trouxe Cat Power centrada no oposto. Musicalmente amplo, o segundo trabalho da cantora como interprete funciona como uma antítese do registro lançado nos anos 2000, efeito que cresce em acertos e erros no decorrer da obra. Em uma tentativa de ambientar todas as faixas dentro de um mesmo cenário musical, o registro acaba por homogenizar todas as canções em uma estrutura redundante, limitando a grandeza de músicas como Ramblin’ (Wo)man ou Metal Heart, da própria cantora, em um cenário cíclico, penoso passadas algumas audições. Ainda assim, é difícil não se impressionar com a beleza de faixas como Blue, de Joni Mitchell, canção que surge em uma estrutura naturalmente preparada para Marshall, efeito repetido em parcimônia no decorrer da obra.

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Dear Sir

#07. Dear Sir
(1995, Runt)

Sujo e confessional, assim é Dear Sir, registro de estreia de Chan Marshall como Cat Power e uma indicação do que viria a alimentar o trabalho da cantora pelos anos seguintes. Essencialmente intimista, o trabalho posiciona a artista e uma guitarra em um ambiente claustrofóbico e confessional, marca utilizada para alicerçar cada uma das faixas instaladas pelo álbum. Instrumentalmente simples, resultado de uma gravação feita às pressas pela cantora, em Dezembro de 1994, o disco em nenhum instante parece se distanciar da beleza natural que mais tarde viria a confirmar a grandeza de Cat Power. Da amarga 3 Times, na abertura do disco, passando pelos experimentos com a guitarra em Yesterday Is Here até a crueza de No Matter – típico exemplar do rock indie da época -, o trabalho segue até o último segundo em um esforço sufocante, como se a cantora transferisse sem grandes dificuldades a própria melancolia para junto do ouvinte.

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Cat Power

#06. The Covers Record
(2000, Matador)

O fascínio de Chan Marshall pela obra de outros veteranos da cena norte-americana sempre funcionou como um complemento natural ao trabalho da cantora. Melhor exemplo disso está no jogo de referências que se cruzam em The Covers Record. Primeiro trabalho de Cat Power como interprete, o álbum amarra em 12 composições a essência sorumbática de outros artistas, mas que bem poderiam ser parte do universo particular da cantora. A começar pela interpretação singular de (I Can’t Get No) Satisfaction, dos Rolling Stones – livre do refrão -, passando pela obra de Bob Dylan (Paths of Victory), Lou Reed (I Found a Reason) e até de criações próprias (In This Hole), cada faixa exposta pelo trabalho representa um jogo de sons, vozes e sentimentos naturalmente voltados à obra da cantora. Assumindo quase integralmente toda a composição e gravação do trabalho, Chan se divide entre pianos, guitarras e violões em uma medida totalmente tímida, como se estivesse sozinha em um quarto escuro, enquanto o disco lentamente se desenvolve.

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Cat Power

#05. What Would the Community Think
(1996, Matador)

Enquanto Dear Sir e Myra Lee serviram como pequenos ensaios, What Would the Community Think veio como um ponto de consolidação para o trabalho de Cat Power na década de 1990. Cada vez mais mergulhada em álcool e pesadelos confessos, a cantora utiliza do terceiro registro em estúdio como um mecanismo para exorcizar os próprios demônios, e ainda assim afundar em melancolia. Steve Shelly, baterista do Sonic Youth, é quem assume a produção do álbum, exercício que intensifica a carga ruidosa da obra, já anunciada nos trabalhos anteriores. Desenvolvido dentro de uma estrutura hermética, o trabalho parece lentamente sufocar a cantora e o próprio ouvinte, resultado da tapeçaria soturna desenrolada pela obra e do pleno declínio sentimental que organiza o registro. Longe das melodias que viriam a orientar a cantora a partir de Moon Pix (1998), o trabalho cresce entre as guitarras e vozes de Nude as the News, mergulha em sofrimento dos acordes simples de Talking People até se concentrar no esforço desconcertante de The Coat Is Always On, faixa de encerramento e um princípio para os lançamentos seguintes.

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Cat Power

#04. Sun
(2012, Matador)

Registro mais distinto dentro da trajetória de Cat Power, Sun é um mergulho nas confissões amargas da cantora, porém, em um cenário musicalmente transformado. Confortavelmente rodeada por batidas eletrônicas e sintetizadores, Chan deixa de lado parte expressiva dos violões intimistas para soar grande, o que de forma alguma distancia a cantora do universo doloroso que ajudou a esculpir. Centrado no fim de relacionamento entre a artista e ex-parceiro Giovanni Ribisi, o álbum faz de cada composição um exercício lírico tratado pela saudade e ao mesmo tempo pela libertação. Como se estivesse em busca do sol, a cantora atravessa as nuvens negras de cada composição em um esforço significativo, resultando em faixas dolorosas como Ruin, Nothin’ But Time (com seus mais de 10 minutos de experimentos eletrônicos), ou mesmo Peace and Love, que de uma forma ou outra regressa aos primeiros anos de carreira da norte-americana.

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Cat Power

#03. The Greatest
(2006, Matador)

Os problemas de Cat Power com o álcool sempre foram uma constante na carreira da artista. Desde o começo da década de 1990, quando começou de fato a carreira, obras como Dear Sir (1995) e Moon Pix (1998) já pareciam impregnadas pela bebida, eixo que parecia solucionado na libertação lírica e emocional de You Are Free (2003), porém, voltou a se afundar durante a execução do álbum The Greatest em 2005. Sétimo registro da carreira da artista, o disco traz no drama de Chan Marshall uma medida desesperadora de medo e solidão, tudo orientado por versos que cedo ou tarde esbarram em uma medida sentimental. Acolchoado por canções essencialmente confessionais, como Where Is My Love e Hate, o disco traz na proposta quase cênica de Lived In Bars uma composição quase descritiva do universo da cantora naquele instante, resultado que a levaria a ser internada por conta de problemas psicológicos em plena turnê de divulgação do álbum.

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Cat Power

#02. Moon Pix
(1998, Matador)

Em 1998 a cantora parecia interessada em quebrar todos os limites de própria música. Distante da música folk confessional e hermética que havia elaborado em seus três anteriores álbuns, Marshall trouxe para dentro do quarto registro em estúdio uma musicalidade muito mais abrangente, além de um novo catálogo de sons dolorosos e encantadoramente amargos. Acompanhada por Mick Turner e Jim White da banda australiana Dirty Three, a cantora deu formas a um dos registros mais sofredores daquele ano e de toda a década de 1990, trafegando de maneira sorumbática por entre arranjos de sopro surpreendentemente coesos e que se misturavam a guitarras estridentes e essencialmente sofredoras. Por todos os lados pintam verdadeiros épicos da melancolia. Canções como a soturna Metal Heart ou a devastadora Moonshiner, composições que posicionariam de forma definitiva a imagem de Marshall como um ícone dos corações partidos. Mesmo instrumentalmente cuidadoso e preenchido pela dor, o disco seria uma preparação para o que a norte-americana reservaria em seus futuros lançamentos.

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You Are Free

#01. You Are Free
(2003, Matador)

Chan Marshall já havia destilado o próprio sofrimento durante a construção dos excelentes What Would the Community Think (1996) e Moon Pix (1998), porém, nunca de forma tão honesta e musicalmente bem resolvida quanto no decorrer de You Are Free. Mais completa e complexa obra da cantora norte-americana, o disco assume no universo fechado da artista um princípio amargurado para abastecer cada uma das faixas que o resumem. A dor está por todos os lados. Acumulo de uma sequência de relacionamentos frustrados, problemas com o álcool e uma forte depressão que predominava durante toda a composição do álbum, Marshall utiliza dessa soma de exageros como uma catapulta para o crescimento natural do disco. Acompanhada por Dave Grohl e Eddie Vedder, a cantora dá vida a um dos catálogos mais sofridos de toda a produção musical da última década, reforço que se adorna pelos versos de Good Woman, I Don’t Blame You, Speak For Me e todo o conjunto mezzo libertador, mezzo desesperado de sons que orquestram a obra.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.