Cozinhando Discografias: David Bowie

/ Por: Cleber Facchi 24/07/2017

Poucos artistas foram capazes de se adaptar e explorar diferentes décadas, tendências e gêneros musicais com tamanha naturalidade quanto David Bowie (1947-2016). Do pop-rock-psicodélico que marca os primeiros trabalhos de estúdio, passando pela teatralidade de The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars (1972), o experimentalismo da Trilogia de Berlim, até alcançar a música eletrônica em obras como Outside (1995) e Earthling (1997), em mais de cinco décadas de carreira, o músico inglês fez de cada trabalho uma confirmação do título de Camaleão do Rock.

Um cuidado e profundo refinamento que se reflete mesmo no último álbum de estúdio, Blackstar (2016), em que canta sobre a morte, entregando ao público uma dolorosa carta de despedida. Dono de uma extensa (e icônica) discografia, o cantor e compositor inglês teve cada um dos trabalhos organizados do pior para o melhor lançamento em uma das mais difíceis edições da seção Cozinhando Discografias.  

#29. Labyrinth
(1986, EMI)

Convidado a interpretar o icônico Jareth, o Rei dos Duendes no filme Labirinto – A Magia do Tempo (1986), de Jim Henson, David Bowie acabou assumindo uma segunda função dentro da película, colaborando com o compositor Trevor Jones na produção da trilha sonora original do filme. O resultado está na gravação de 12 músicas inéditas, metade delas assinadas pelo cantor inglês. Um claro reflexo música pop produzida na mesma época, curioso componente para a formação dos arranjos e versos que abastecem a obra. Do ritmo dançante e versos pegajosos que crescem em Magic Dance, passando pela construção de músicas como As the World Falls Down, versos semi-narrados em Chilly Town até alcançar a derradeira Underground, Bowie parece brincar com a colisão de ritmos e fórmulas instrumentais, mergulhando na mesma base criativa que abastece o comercial Tonight (1984), trabalho lançado dois anos antes. Cinco anos antes, o músico havia trabalhado na trilha sonora do filme Christiane F. (1981), porém, reciclando canções originalmente produzidas durante a estadia em Berlim.

#28. Never Let Me Down
(1987, EMI)

Isolado na Suíça, em 1986, David Bowie deu início à composição do 17º registro de inéditas da carreira, Never Let Me Down. Inspirado pela forte colaboração com o amigo Iggy Pop, o músico decidiu se distanciar da pluralidade de ritmos incorporados ao antecessor Tonight, mergulhando na construção de um material voltado ao mesmo pop-rock de Scary Monsters (and Super Creeps) (1980). O resultado veio um ano mais tarde com as 11 faixas que abastecem o registro. Um material claramente coeso quando próximo das canções apresentadas no álbum anterior, porém, menor e pouco expressivo dentro da extensa discografia de Bowie. Músicas como Day-In Day-Out, Never Let Me Down, Time Will Crawl e Zeroes que mesmo encorpadas pela performance teatral montada especialmente para as apresentações ao vivo do trabalho, não conseguiram surpreender a crítica, porém, acabaram acertando em cheio o público, resultando em uma das turnês mais concorridas do músico britânico.

#27. Tonight
(1984, EMI)

Com Scary Monsters (and Super Creeps), David Bowie conseguiu transportar para o começo dos anos 1980 grande parte das experiências acumuladas durante a criativa estadia em Berlim, fazendo do sucessor Let’s Dance (1983), parceria com o produtor Nile Rodgers uma bem-sucedida extensão da música disco. Curioso perceber em Tonight, 16° álbum de estúdio do cantor e compositor britânico, uma obra que mesmo grudenta, cresce desequilibrada, como uma quebra instável de toda a sequência de grandes lançamentos produzidos pelo artista. Marcada pelos clichês e tropeços, o trabalho de nove faixas vai do estranho flerte com o reggae em Don’t Look Down à estranha adaptação do clássico God Only Knows, do grupo norte-americano The Beach Boys. Sobram músicas originalmente gravadas por Iggy Pop, além, claro, da curiosa parceria com Tina Turner na faixa-título do disco. Uma clara tentativa de Bowie em replicar o som testado no trabalho anterior, porém, de forma ainda mais acessível, comercial, tratamento que garantiu resenhas desfavoráveis por parte da crítica e o completo descontentamento do músico em relação à obra anos mais tarde.

#26. Hours
(1999, Virgin)

David Bowie sempre foi bastante criticado pela sequência de obras desequilibradas que marcam o final dos anos 1980 e início da década de 1990. Interessante perceber em Hours, 21º álbum de estúdio e trabalho entregue ao público em outubro de 1999, uma seleção de músicas tão arrastadas e pouco expressivas quanto o material explorado pelo músico uma década antes. Vindo em sequência aos ótimos Outside (1995) e Earthling (1997), o registro que conta com produção de Reeves Gabrels, parceiro de Bowie no Tin Machines, segue de forma arrastada até a última faixa do disco, The Dreamers. São composições como Thursday’s Child, Seven e The Pretty Things Are Going to Hell, uma seleção de músicas que partem da mesma base instrumental, fazendo do disco uma obra essencialmente arrastada. Parte desse resultado vem do projeto original do disco, como uma trilha sonora para o jogo Omikron, projeto que conta com a presença do próprio Bowie como um dos personagens da trama.

#25. David Bowie
(1967, Deram)

Em 1967, enquanto o mundo celebrava a chegada de algumas das obras mais icônicas da década de 1960, caso de Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band dos Beatles, The Piper At The Gates Of Dawn do Pink Floyd e Are You Experienced de Jimi Hendrix, David Bowie apresentava ao público o primeiro álbum de estúdio em carreira solo. Típico exemplar da música pop produzida na época, o registro de 14 composições entrega ao público um artista em busca de identidade. Confortável em uma sequência de arranjos orquestrais e bases detalhistas, Bowie sustenta nas letras a ponte para a construção de um universo particular. Músicas que exploram o nascimento de personagens (Uncle Arthur), histórias (Little Bombardier), instantes de sublime melancolia (Silly Boy Blue) e cenário fantásticos (There Is A Happy Land). Um pequenos esboço do rico catálogo de obras que seriam produzidas pelo artista ao longo de toda a década de 1970.

#24. Tin Machine
(1989, EMI)

Formado por David Bowie (voz, guitarra), Reeves Gabrels (guitarras), Tony Sales (baixo) e Hunt Sales (bateria), o Tin Machine foi uma tentativa do músico britânico em se reinventar, como uma fuga da repercussão negativa em torno dos dois últimos trabalhos em carreira solo, Tonight (1984) e Never Let Me Down (1987). Claramente inspirado pelas guitarras exploradas no registro lançado dois anos antes, o trabalho de 14 cresce como um acelerada tentativa de Bowie em incorporar elementos do hard rock/blues, energia que se reflete na formação de músicas como Sacrifice Yourself, Under the God, Prisoner of Love, Baby Can Dance e a própria faixa-título da disco. Com boas vendas, o trabalho ainda seria recebido de forma relativamente positiva pela imprensa, rompendo com o longo período de críticas (e parcial descrença) em torno da obra do músico inglês. Dois anos mais tarde, em 1991, o grupo voltaria com um novo registro de inéditas, repetindo a mesma fórmula dentro de estúdio.

#23. The Buddha of Suburbia
(1993, Arisa)

Inspirada na obra do escritor e roteirista paquistanês Hanif Kureishi, The Buddha of Suburbia foi uma série produzida pela BBC e exibida no começo dos anos 1990. Convidado a produzir a trilha sonora do trabalho dividido em quatro partes para a TV inglesa, David Bowie fez do material uma natural continuação de tudo aquilo que havia experimentado durante o lançamento de Black Tie White Noise, finalizado meses antes. Uma seleção de dez faixas, três delas instrumentais, em que Bowie colide elementos do jazz, música ambiente e pequenas experimentações eletrônicas, estímulo para a formação de músicas como a provocativa Sex and The Church ou mesmo a intensa Bleed Like a Craze, Dad. Repleto de colaboradores, entre eles, o cantor e compositor Lenny Kravitz, responsável pelas guitarras na faixa-título do disco, The Buddha of Suburbia ainda abriria passagem para o trabalho produzido por Bowie no conceitual Outside, registro entregue ao público dois anos mais tarde.

#22. Tin Machine II
(1991, London)

Pense em toda a riqueza de obras lançadas em 1991. De clássicos como Nevermind do Nirvana e Loveless do My Bloody Valentine, passando por trabalhos como Screamadelica do Primal Scream, Achtung Baby do U2 e Laughing Stock do Talk Talk, sobram registro de profunda expressividade para os mais variados campos da música. No meio dessa avalanche de grandes álbuns, Tin Machine II, o segundo registro da parceria entre David Bowie e os músicos Reeves Gabrels, Tony Sales e Hunt Sales. Ainda mais intenso que o homônimo registro que o antecede, o trabalho de 13 faixas e quase 50 minutos de duração cresce em meio ao permanente diálogo gerado entre as guitarras de Gabrels e a voz forte, por vezes berrada, de Bowie. São músicas como If There Is Something, canção originalmente composta por Bryan Ferry para o primeiro álbum do Roxy Music, além de outras composições como One Shot, Baby Universal e demais faixas que confirmam a força do quarteto durante toda a formação da obra.

#21. Heathen
(2002)

David Bowie passou grande parte dos anos 1990 tentando se adaptar. Uma seleção de obras marcadas pelo uso de ideias tortas e confusas, estímulo para o colaborativo Tin Machine, no início da década, até experimentos com a música eletrônica incorporada, base do álbum Earthling, em 1997. Primeiro registro de inéditas do cantor e compositor inglês nos anos 2000, Heathen nasce como uma resposta a esses pequenos “desajustes” do artista. Produto da parceria entre Bowie e o velho colaborador Tony Visconti, o álbum de 12 faixas mostra a força (e a voz) do músico britânico durante toda sua execução. Produzido a partir de pequenas sobras de estúdio, o trabalho resgata elementos e canções do mítico Toy, trabalho abortado por Bowie em 2000, e segue em meio a boas parcerias — Dave Grohl (Foo Fighters), Jordan Rudess (Dream Theater), Tony Levin (King Crimson) — e versões para o trabalho de outros artistas — caso de Cactus do Pixies e I’ve Been Waiting for You do cantor e compositor canadense Neil Young.

#20. Pin Ups
(1973, RCA)

David Bowie não queria perder tempo no começo dos anos 1970. Mesmo depois de uma sequência de grandes obras, caso de Hunky Dory (1971), The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars (1972) e Aladdin Sane (1973), o cantor e compositor britânico ainda teve pique para investir no enérgico Pin Ups (1973). Entregue ao público poucos meses após o sexto álbum de estúdio do cantor, o registro produzido em poucos dias mostra o fascínio de Bowie pelo rock produzido no meio da década de 1960. São 12 composições originalmente produzidas por artistas como The Pretty Things, Them, Yardbirds, Pink Floyd, Mojos, Who, Easybeats, Merseys e The Kinks. Pouco mais de 30 minutos de duração em que o músico inglês se entrega ao proto-punk, incorpora com elementos do rock clássico e ainda detalha uma soma de boas guitarras. Longe de parecer um ato isolado, Pin Ups seria apenas o primeiro capítulo de uma sequência de obras inspiradas em clássicos da década de 1960, projeto que acabou arquivado pelo cantor britânico.

#19. Black Tie White Noise
(1993, Savage Records)

Dez anos após a parceria com Nile Rodgers em Let’s Dance (1983), David Bowie decidiu mais uma vez entrar em estúdio com o produtor norte-americano para a gravação do 20º álbum da carreira. Produto direto das transformações e acontecimentos que movimentavam a vida do artista naquele momento — Bowie havia acabado de se casar com a modelo Iman Abdulmajid e mudado para a cidade de Los Angeles —, Black Tie White Noise cresce em meio a reflexões sobre a vida conjugal, caso de The Wedding, inquietações particulares do artista, como em Jump They Say, inspirada no suicídio do meio-irmão Terry, e versos marcados pelo caos urbano, conceito reforçado na faixa-título do disco. Musicalmente, um indicativo da ambientação eletrônica que viria a orientar o trabalho de Bowie durante toda a década de 1990, rompendo de maneira definitiva com o hard rock anteriormente testado pelo músico na rápida passagem pelo projeto paralelo Tin Machine.

#18. Earthling
(1997, BMG)

Earthling nasce como uma perfeita síntese da música produzida na segunda metade dos anos 1990. Um intenso cruzamento entre o rock e elementos da música eletrônica — principalmente drum and bass, jungle e techno —, ponto de partida para a formação de cada uma das nove faixas que sustentam o registro. Produto direto dos experimentos inicialmente testados em Outside (1995), o 20º registro de inéditas do cantor e compositor inglês cresce como uma obra marcada pelas inquietações e inspirações acumuladas por Bowie durante a extensa turnê do álbum lançado dois anos antes. Músicas como Telling Lies, Dead Man Walking, The Last Thing You Should Do e I’m Afraid of Americans que serviram para aproximar o trabalho do artista de toda uma nova parcela do público. Mais do que um experimento isolado de Bowie, Earthling ainda se abre para a chegada de Brian Eno e dos então novatos Moby e Trent Reznor, responsáveis pela produção dos remixes que viriam a abastecer a edição especial do disco em 2004.

#17. Reality
(2003, ISO / Columbia)

Do momento em que tem início, em New Killer Star, passando pela versão para Pablo Picasso, música originalmente gravada em 1976 pelo grupo nova-iorquino The Modern Lovers, até alcançar a derradeira Bring Me the Disco King, com mais de sete minutos de duração, David Bowie exala segurança na composição dos arranjos e versos que marcam o urgente Reality. Entregue ao público pouco mais de um ano após o lançamento do denso Heathen (2002), o 23º registro de inéditas do artista inglês talvez seja seu melhor e mais completo trabalho desde as inclinações à música eletrônica em Outside (1995). São pouco menos de 50 minutos em que Bowie e o parceiro de longa data, o produtor Tony Visconti, se aventuram na construção de um material rápido a raivoso, cuidado que se revela mesmo na formação de músicas como a dançante Never Get Old, faixa que parece apontar para o clássico Scary Monsters (And Super Creeps), de 1980. Um criativo ensaio do material que seria apresentado de forma ainda mais complexa com o sucessor The Next Day (2013).

#16. Outside
(1995, Arista / BMG)

Tony Visconti sempre foi encarado como o grande colaborador de David Bowie ao longo da carreira, auxiliando na formação de obras essenciais como Young Americans (1975) e o derradeiro Blackstar (2016). Entretanto, foi o conterrâneo Brian Eno quem sempre soube como elevar o trabalho do camaleão do rock a um novo patamar. Um bom exemplo disso está na construção de Outside (1995). Primeira colaboração da dupla em estúdio desde a produtiva Trilogia de Berlim, o trabalho marcado pela narrativa ficcional e distópica de Nathan Adler, personagem criado por Bowie, passeia por um futuro próximo em que arte, crime e transformação se misturam a todo instante. Um misto de loucura e realidade que se reflete na rica tapeçaria instrumental do disco. Ambientações eletrônicas, diálogos com o rock alternativo, jazz e experimentações que contribuíram para a formação de músicas como The Hearts Filthy Lesson, Strangers When We Meet e Hallo Spaceboy, algumas das principais composições do artista britânico durante toda a década de 1990.

#15. The Next Day
(2013, ISO / Columbia)

Aqui estou / Não estou morrendo / Meu corpo deixou de se apodrecer em uma árvore oca / Seus galhos lançam sombras / Na forca para mim / E no dia seguinte / E o próximo / E outro dia“. Intensa e subjetiva, a autointitulada faixa de abertura do 24º álbum de estúdio de David Bowie indica a força que movimenta o trabalho do cantor e compositor britânico. Primeiro registro de inéditas do músico depois de um intervalo de uma década, o sucessor do também excelente Reality (2003), traz de volta a mesma energia explícita durante a produção do clássico “Heroes” (1977). Não por acaso, a imagem de capa do disco brinca com a clássica fotografia de Masayoshi Sukita, trabalho assinado pelo designer gráfico Jonathan Barnbrook, parceiro desde o último disco do cantor. Seleção de clássicos recentes, The Next Day segue de maneira coesa até o último instante, resultando na construção de boas músicas como The Stars (Are Out Tonight), Valentine’s Day, Dancing Out in Space, How Does the Grass Grow? e Love is Lost.

#14. David Bowie (Space Oddity)
(1969, Mercury Records)

Um verdadeiro salto criativo. Se em 1967 Bowie parecia em busca de uma identidade musical, com a chegada do segundo álbum de estúdio, lançado em novembro de 1969, um esboço parecia formado. Logo na abertura do disco, a entrega de Space Oddity, das composições mais emblemáticas de toda a trajetória do artista e uma espécie de resumo do tema “cósmico” que viria a acompanhar Bowie durante grande parte dos anos 1970. Livre da colagens e arranjos orquestrais explorada no primeiro álbum de inéditas, cada uma das dez faixas do registro mergulham em uma solução de temas eletroacústicos, proposta ressaltada com verdadeiro acerto na extensa Cygnet Committee. Com quase dez minutos de duração, a faixa, junto de Memory Of a Free Festival, soa como um assertivo resumo de todo o restante da obra, ziguezagueando em meio a versos existencialistas, apaixonados, intimistas e loucos. David Bowie estava apenas começando.

#13. Let’s Dance
(1983, EMI)

Scary Monsters (and Super Creeps) pode ser o grande trabalho de David Bowie nos anos 1980, entretanto, sobrevive na curta duração de Let’s Dance algumas das composições mais queridas de toda a discografia do músico britânico. Inaugurado pelas guitarras rápidas de Stevie Ray Vaughan e ritmo dançante de Modern Love, o trabalho sintetiza logo nos primeiros minutos a forte relação entre Bowie e o novo parceiro de produção, o músico Nile Rodgers, na época conhecido pelo trabalho como integrante do Chic. Não por acaso, grande parte do registro mantém firme a relação com a música disco, conceito reforçado com maior naturalidade na faixa-título do álbum, um disco-punk marcado pela letra romântica do camaleão do rock. Surgem ainda músicas como China Girl, Cat People (Putting Out Fire), Criminal World e demais composições que pareciam aproximar o trabalho produzido por Bowie de outros personagens de destaque da época, principalmente Michael Jackson e o grupo nova-iorquino Talking Heads. Uma verdadeira coleção de hits que garantiram ao trabalho uma merecida posição de destaque em diferentes paradas de sucesso.

#12. The Man Who Sold the World
(1970, Mercury)

As guitarras raivosas de The Width of a Circle indicam a mudança de direção dentro do trabalho de David Bowie. Livre da sonoridade essencialmente branda da Folk Music, em 1970, o cantor e compositor britânico fez do terceiro álbum de estúdio um objeto de plena transformação. Com elementos que esbarram no princípio do Heavy Metal e versos que adaptam a obra de Franz Kafka, Friedrich Nietzsche e Aleister Crowley, The Man Who Sold the World nasce como um ensaio para a sequência de obras que seriam entregues pelo músico nos próximos anos – Hunky Dory (1971), The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars (1972) e Aladdin Sane (1973). Considerada um dos trabalhos que apresentaram o Glam Rock ao público, cada faixa encaixada ao longo do disco se projeta como um experimento detalhado. Composições como a psicodélica After All, a crescente The Supermen ou mesmo a própria faixa-título, uma canção que une ritmos latinos e um dos riffs de guitarra mais poderosos de toda a discografia do cantor.

#11. Lodger
(1979, RCA)

Terceiro e último capítulo da “Trilogia de Berlim”, Lodger cria um poderoso retrato de tudo aquilo que viria a abastecer a música pop/new wave durante toda a década de 1980. Menos experimental, mas ainda inventivo em relação aos antecessores Low e “Heroes”, finalizados dos anos antes, o álbum concebido durante os intervalos da turnê de Bowie mostra o cuidado de Brian Eno e Tony Visconti na composição de cada elemento. Ruídos eletrônicos (African Night Fight), guitarras e sintetizadores levemente dançantes (DJ, Look Back In Anger), além, claro, da capacidade do músico inglês em construir faixas capazes de grudar na cabeça do ouvinte logo em uma primeira audição (Boys Keep Swinging). Longe de parecer um ponto final dentro do período mais criativo do camaleão do rock, Lodger viria a servir de inspiração para toda a sequência de obras que o artista lançaria nos próximos anos, similaridade evidente na dobradinha formada por Scary Monsters (and Super Creeps) (1980) e Let’s Dance (1983).

#10. Diamond Dogs
(1974, RCA)

O som dos Rolling Stones, a influência de 1984, de George Orwell, a trilha sonora e toda estética do filme Shaft (1971). Em Diamond Dogs (1974), oitavo álbum de estúdio, David Bowie parece brincar com o uso de diferentes conceitos, referências e possibilidades dentro de estúdio. Um verdadeiro mosaico criativo, proposta que começa na capa do disco, uma ilustração produzida pelo artista belga Guy Peellaert e termina no futuro pessimista que o músico desenvolve como temática no decorrer da obra. Raivoso, Bowie passeia pelo trabalho detalhando uma sequência de guitarras sujas, versos angustiados e toda a uma forte carga emocional que há muito não se via dentro de um trabalho do cantor. Entre distorções e pequenos experimentos, a todo instante surgem faixas como Sweet Thing, Rock ‘n’ Roll with Me e Big Brother, esta última, uma clara referência ao livro de Orwell. Nada que se compare ao peso e brilhantismo de Rebel Rebel. Faixa mais icônica do disco, a canção apresentada meses antes ao lançamento do álbum viria a se transformar em um dos grandes clássicos na discografia do cantor.

#09. Young Americans
(1975, RCA)

O interesse pela cultura e música norte-americana já havia sido explorado por David Bowie durante o lançamento de Diamond Dogs, em 1974, nada que se compare ao trabalho do músico britânico em Young Americans. Produzido por Tony Visconti e Harry Maslin ao longo de três sessões diferentes, o trabalho finalizado no começo de 1975 indica a busca de Bowie por um som claramente influenciado pelo R&B/Soul que tomava conta das rádios e programas de TV daquele período. Uma clara apropriação da sonoridade produzido por nomes como Sly & the Family Stone, Stevie Wonder e todo o universo de artistas em plena ascensão naquele período. Repleto de boas composições, caso de Fascination, Win, Somebody Up There Likes Me e da própria faixa-título, o trabalho viria a estreitar a relação de Bowie com John Lennon, efeito da regravação de Across the Universe, além, claro, da parceria em Fame, faixa de encerramento do disco. Um som descomplicado, aprazível, como um respiro antes da mudança de direção que viria com Station to Station (1976).

#08. Blackstar
(2016, ISO / Columbia)

Com o corpo consumido pelo câncer e a morte iminente, David Bowie decidiu transformar o último trabalho de estúdio em uma minuciosa carta de despedida. Para o 25º álbum de inéditas da carreira, Blackstar — ou “★”, como estampa a capa do álbum —, Bowie e o parceiro Tony Visconti decidiram incorporar elementos do jazz ao mesmo art rock que vinha sendo produzido pelo artista no antecessor The Next Day (2013). O resultado está na construção de uma obra sombria, sufocante, resultado da ambientação minuciosa dos arranjos e versos carregados de referências ocultistas, religiosas e particulares. São pouco mais de 40 minutos de duração, seis faixas extensas e um cuidado de Bowie na composição de cada elemento. Da autointitulada faixa de abertura, passando pela melancólica poesia de Lazarus até alcançar o breve diálogo com a eletrônica na derradeira I Can’t Give Everything Away, cada elemento do trabalho confirma a força criativa do artista britânico. Com a morte do cantor dois dias após o lançamento do álbum, Blackstar viria a se transformar no primeiro trabalho de Bowie a conquistar o topo da Billboard.

#07. Scary Monsters (and Super Creeps)
(1980, RCA)

Poucos discos traduzem a música produzida no início dos anos 1980 com tamanha naturalidade quanto Scary Monsters (and Super Creeps). Primeiro registro de David Bowie passada a “Trilogia de Berlim”, o último álbum do artista britânico pelo selo RCA parece brincar com os clichês do período sem necessariamente parecer uma obra menor. Guitarras, sintetizadores e batidas levemente dançantes, como uma versão acessível do mesmo som produzido pelo artista um ano antes, em Lodger. Estão lá músicas como Teenage Wildlife, com suas guitarras e batidas marcadas, a letra pegajosa de Up The Hill Backwards e, principalmente, o single Ashes To Ahes, música que resgata o personagem Major Tom, de Space Oddity, porém, dialogando com a atmosfera produzida para o disco. Bem-recebido pelo público crítica, Scary Monsters (and Super Creeps) ainda seria responsável pelo novo posicionamento estético de Bowie, sendo visualmente representado pela imagem de pierrô, resultado da parceria com o fotógrafo Brian Duffy e o pintor Edward Bell responsável pela imagem de capa do disco.

#06. Aladdin Sane
(1973, RCA)

Em mais de 50 anos de carreira, diversas formam as identidades e visuais adotados por David Bowie. Todavia, poucos são tão icônicos e lembradas quanto a imagem criada por Brian Duffy para a capa de Aladdin Sane (1973). Muito além de um mero fragmento estético, a fotografia pensada como capa para o sexto registro de inéditas do músico inglês diz muito sobre a sonoridade dissolvida no interior do trabalho. Produzido durante os intervalos da extensa turnê de Ziggy Stardust (1972), o álbum indica a busca por um som tão intenso (e instável) quanto o material apresentado um ano antes. Entre flertes com o jazz e R&B, Bowie e o parceiro de produção, Ken Scott, revelam ao público um material tão versátil e esquizofrênico, quanto seguro, conceitualmente amarrado. Seja na faixa-título do disco ou no interior de canções como Drive-In Saturday, Time e Let’s Spend the Night Together, cada minuto do álbum parece trabalhado de forma a capturar a atenção do ouvinte, conduzido de forma segura até o último acorde de Lady Grinning Soul.

#05. Station To Station
(1976, RCA)

Viciado em cocaína e sobrevivendo de uma dieta a base de pimenta e leite, Bowie parecia claramente perturbado quando entrou em estúdio para a gravação de Station To Station. O próprio dizia não se lembrar das sessões que resultaram na formação do trabalho. Fascinado pela cultura egípcia, temas ocultistas e textos de Nietzsche e Aleister Crowley, o músico britânico fez do registro seu trabalho mais experimental e complexo — pelo menos até aquele ponto. Entre referências ao trabalho de artistas como Kraftwerk, Can e outros representantes do krautrock, Bowie e o parceiro de produção, Harry Maslin, parecem brincar com diferentes ritmos e técnicas de gravação, resultando na construção de um som versátil, ocupando as brechas de cada uma das seis faixas do disco. Produzido durante as gravações do filme O Homem Que Caiu na Terra (1976), de Nicolas Roeg, referências apontada logo na imagem de capa do disco, Station To Station ainda chama a atenção pela presença de Thin White Duke, a última persona musical incorporada por Bowie na década de 1970.

#04. “Heroes”
(1977, RCA)

Enquanto Low (1977) parecia claramente centrado no experimento, fazendo com que o álbum fosse dividido em duas porções completamente distintas, “Heroes”, trabalho finalizado meses mais tarde, fez com que Bowie finalizasse um trabalho completamente homogêneo. Da forma como as guitarras crescem em pequenos blocos de ruídos, passando pela voz sempre exata, forte, cada instante dentro do segundo capítulo da “Era Berlim” mostra a busca do cantor e compositor britânico por um som ainda aventureiro, porém, cuidadosamente polido pela produção de Tony Visconti. Ainda influenciado pela música produzida na cena alemã, Bowie passeia em meio a experimentos com a música eletrônica e sons ambientais, resultando na produção de uma obra tão acinzentada quanto a icônica imagem de capa do disco, uma fotografia de Masayoshi Sukita inspirada pela tela Roquairol (1917), do pintor germânico Erich Heckel. Repleto de canções sujas e musicalmente complexas, como Black Out, Beauty and the Beast e V-2 Schneider – uma homenagem ao músico Florian Schneider, do Kraftwerk –, “Heroes” sustenta na própria faixa título do disco uma das canções mais poderosas e ainda hoje lembradas do músico inglês.

#03. Hunky Dory
(1971, RCA)

Poucos trabalhos resumem de forma tão natural a sonoridade versátil de David Bowie quanto Hunky Dory. Ponto de partida para uma nova fase dentro da carreira do músico britânico, o álbum de 11 faixas resume logo na inaugural Changes a força criativa do camaleão do rock. Delineada por pequenas variações melódicas, a música que encontra na temática da mudança a base não apenas para o registro, mas grande parte da carreira do cantor. Costurado por algumas das principais referências de Bowie, como Andy Warhol, Bob Dylan e o coletivo The Velvet Underground, Hunky Dory concentra algumas das composições mais significativas de toda a trajetória do artista. Estão lá músicas como Oh! You Pretty Things, Queen Bitch, a icônica Life on Mars?, além, claro, da já citada faixa de abertura. Um breve resumo do som que o músico inglês viria a produzir no trabalho seguinte, The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars (1972), e um verdadeiro marco para toda a sequência de obras do “movimento” Glam Rock.  

#02. The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars
(1972, RCA)

David Bowie sempre interpretou cada novo registro em estúdio como um natural ato de experimento. Mesmo a boa recepção de Hunky Dory, em 1971, não impediu que o artista britânico assumisse uma postura renovada no ano seguinte, transformando o single Starman na passagem para o universo de ficcional do clássico The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars. Cabelos tingidos de vermelho, visual espalhafatoso e maquiagem evidente, Bowie abandonou a própria identidade para assumir o papel de Ziggy Stardust, um alienígena que tenta salvar a Terra da destruição, mas sucumbe aos excessos do rock. Confortável em um ambiente cênico, porém, realista, o alter ego do cantor encontra na própria sexualidade ambígua, exageros lisérgicos e abusos constantes os principais componentes para o lirismo da obra. Acompanhado de perto pelo guitarrista Mick Ronson, Bowie não apenas despeja uma série de composições marcantes para o período, como a base para uma série de registros alheios ao próprio trabalho. De artistas próximos, caso de Lou Reed e Iggy Pop, a nomes recentes, como Lady Gaga e TV On The Radio, quem prestou atenção na mensagem de Ziggy Stardust encontrou uma fonte criativa inesgotável.

#01. Low
(1977, RCA)

De todos os trabalhos lançados por David Bowie na década de 1970, Low talvez seja o registro que se mantém mais atual, dotado de um raro frescor. Primeiro capítulo da produtiva “Era Berlim”, o trabalho gravado (em grande parte) entre setembro e outubro de 1976 no Château d’Hérouville, na França, mostra a tentativa do cantor e compositor britânico em se restabelecer depois de um longo período de excessos. Depois de uma temporada dividindo apartamento com Iggy Pop na capital da Alemanha, Bowie e o velho parceiro Tony Visconti decidiram brincar com os mesmos experimentos testados por artistas como Kraftwerk, Neu! e toda a geração de compositores da música local, fazendo do sucessor de Station To Station (1976) uma obra marcada em essência pelos experimentos. Na primeira metade do disco, uma verdadeira coleção de clássicos como Sound and Vision, Be My Wife, A New Career in a New Town e outros experimentos com a música pop. A partir da segunda metade do álbum, o profundo encantamento pela música de Brian Eno, um dos parceiros de estúdio e grande estímulo para a produção de faixas como Subterraneans, Art Decade e Warszawa, essa última, uma das principais inspirações para o trabalho do Joy Division e toda uma geração de representantes do Pós-Punk.   

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.