Cozinhando Discografias: Death Cab For Cutie

/ Por: Cleber Facchi 24/04/2018

 

Um projeto guiado pela força dos sentimentos. Em mais de duas décadas de carreira, sobram instantes em que Ben Gibbard, Nick Harmer, Jason McGerr e Chris Walla, hoje ex-integrante do Death Cab For Cutie, conseguiram transformar as próprias desilusões, medos e conflitos sentimentais no principal componente criativo para o fortalecimento de toda uma seleção de obras.

Um trabalho que começou como projeto paralelo, no final da década de 1990 e, pouco a pouco, foi ganhando forma, revelando alguns dos registros mais dolorosos da cena alternativa, caso de We Have the Facts and We’re Voting Yes (2000) e Transatlanticism (2003). Trabalhos organizados do pior para o melhor lançamento em mais uma edição do Cozinhando Discografias.

 

#09. You Can Play These Songs with Chords
(1997, Barsuk)

Em 1997, Ben Gibbard entrou em estúdio para a gravação do primeiro registro do Death Cab for Cutie, You Can Play These Songs with Chords. Concebido como a estreia do músico em carreira solo, o álbum gravado em um intervalo de poucas semanas fez das oito composições um fino retrato da poesia intimista que vinha orientando o trabalho artista desde o antigo projeto, o ¡All-Time Quarterback!. São versos de amor, desilusões, temas existencialistas e angústias que viriam a caracterizar grande parte das canções do DCFC pelos próximos anos. Não por acaso, em 1998, quando deu vida ao primeiro álbum de estúdio da banda, Something About Airplanes, Gibbard decidiu colaborar com os mesmos envolvidos na produção da demo, caso de Chris Walla (guitarra), Nick Harmer (baixo) e Nathan Good (bateria). Lançado pela primeira vez em fita cassete, em 2000, o álbum ganharia uma reedição com outras dez faixas, incluindo uma versão para This Charming Man, dos britânicos do The Smiths.

 

#08. Kintsugi
(2015, Atlantic / Barsuk)

Concebido durante um período de forte instabilidade para o Death Cab For Cutie – o guitarrista e produtor Chris Walla decidiu deixar a banda –, Kintsugi, como o próprio nome indica, reflete a necessidade de Ben Gibbard e demais parceiros em “juntar” os cacos desse processo. Com produção assinada por Rich Costey (Franz Ferdinand, Interpol), cada fragmento do disco parece mergulhar em uma sonoridade específica, como se o quarteto de Washington não apenas resgatasse uma série de elementos instrumentais/poéticos detalhados durante a produção dos primeiros álbuns de estúdio, como colidisse ideias aleatórias que vinham se acumulando ao longo dos anos. O resultado está na produção de uma obra instável, mas não menos interessante, vide faixas como The Ghosts of Beverly Drive e a quase dançante Good Help (Is So Hard to Find), música em que o DCFC parece dialogar com o mesmo som de artistas como Blondie e outros tantos veteranos do pós-disco.

 

#07. Codes and Keys
(2011, Barsuk / Fierce Panda)

Fortemente influenciados pelo trabalho de Brian Eno, em Another Green World (1975), LCD Soundsystem, com o maduro This Is Happening (2010), e David Bowie, no clássico Low (1977), em 2010, quando os integrantes do Death Cab For Cutie entraram em estúdio para as gravações do sétimo álbum de inéditas da banda, Codes and Keys (2011), havia um claro desejo de mudança. Prova disso está em Home Is a Fire, música pontuada pela inserção de temas eletrônicos, e Doors Unlocked and Open, faixa que sustenta nas guitarras, batida se bases um conceito bastante similar aos últimos trabalhos de James Murphy. São pouco mais de 40 minutos em que a banda de Washington se concentra em ampliar os próprios domínios, provando de fórmulas inusitadas dentro da discografia da banda, como uma tentativa do DCFC em resgatar parte do material explorado por Ben Gibbard em Give Up (2003), primeiro registro da parceria com Jimmy Tamborello (Dntel) no paralelo The Postal Service. Curioso pensar que uma das melhores faixas do disco, You Are a Tourist, seja justamente uma fuga desse mesmo universo conceitual e, ao mesmo tempo, um regresso aos antigos trabalhos da banda.

 

#06. The Photo Album
(2001, Barsuk / Fierce Panda)

Sem necessariamente parecer uma cópia ou desgastada repetição de ideias, The Photo Album segue exatamente de onde os integrantes do Death Cab For Cutie pararam durante a produção de We Have the Facts and We’re Voting Yes (2000). Trata-se de uma obra claramente guiada pela força dos sentimentos detalhados na poesia de Ben Gibbard e temas melódicos assinados pelo guitarrista/produtor Chris Walla. Exemplo disso está nas três músicas concebidas pela banda como canções de trabalho da obra, caso de I Was a Kaleidoscope, We Laugh Indoors e A Movie Script Ending, essa última, eternizada na trilha sonora da série The O.C., um dos grandes instrumentos de propagação da obra do DCFC. A principal diferença em relação ao trabalho que o antecede está na busca do quarteto de Washington por um som cada vez mais acessível, por vezes pop, intercalando atos de profundo recolhimento com faixas descomplicadas, vide a contrastada dobradinha entre Information Travels Faster e Why You’d Want to Live Here.

 

#05. Something About Airplanes
(1998, Barsuk / Elsinor)

Inicialmente pensado como um projeto solo de Ben Gibbard, o Death Cab For Cutie teve o primeiro registro, a demo You Can Play These Songs with Chords, lançada como fita cassete em meados de 1997. Com a boa repercussão em torno do trabalho, o cantor e compositor norte-americano decidiu ampliar o projeto, convidando Chris Walla (guitarra), com quem havia trabalhado na produção do registro, Nick Harmer (baixo) e Nathan Good (bateria) para integrar a formação definitiva da banda. Desse encontro veio o primeiro álbum de estúdio do quarteto: Something About Airplanes. Produzido em um intervalo de poucas semanas e lançado em agosto de 1998, o registro de dez faixas sustenta na poesia confessional de Gibbard parte da estrutura que viria a ser explorada durante toda a discografia da banda. Mesmo a base instrumental do disco, com atos espaçados e tempos lentos que se dobram nos momentos de maior angústia, antecipam uma série de conceitos posteriormente ampliados em álbuns como We Have the Facts and We’re Voting Yes (2000) e, principalmente, no clássico Transatlanticism (2003).

 

#04. Narrow Stairs
(2008, Atlantic / Barsuk)

Narrow Stairs é o típico caso de uma obra que parece maior a cada nova audição. E não poderia ser diferente. Com Bixby Canyon Bridge e a extensa I Will Possess Your Heart como faixas de abertura do disco, cada fragmento do álbum parece regido pelos detalhes. São guitarras, batidas e vozes trabalhadas de forma sempre minuciosa, mesmo nos instantes em que a banda se entrega ao pop, como na radiofônica No Sunlight. Consumido pelos sentimentos e angústias de Ben Gibbard, cada elemento do disco parece transportar o ouvinte para o mesmo conceito sentimental detalhado em Transatlanticism. Dentro desse conceito, surgem faixas como a dolorosa Cath…, The Ice Is Getting Thinner e Talking Bird, música que encontra na base arrastada um poderoso componente para o fortalecimento dos versos, sempre metafóricos. Entre referências ao escritor Jack Kerouac, surgem ainda faixas como Grapevine Fires, música em que os sentimentos de Gibbard utilizam de catástrofes, como o grande incêndio que assolou a Califórnia, em 2007, como pano de fundo criativo. Um novo convite a se perder no universo particular do grupo.

 

#03. Plans
(2005, Atlantic / Barsuk)

Se em Transatlanticism (2003) os integrantes do Death Cab For Cutie alcançaram a maturidade, com a chegada de Plans, quinto álbum de inéditas da carreira, o grupo norte-americano passou a dialogar com uma parcela ainda maior do público. Primeiro trabalho da banda que contou com a distribuição por um selo de grande porte, a Atlantic Records, o registro de 11 faixas mantém firme a essência melancólica dos primeiros trabalhos do DCFC, porém, delicadamente transporta público e quarteto para um novo universo de possibilidades. Das guitarras radiantes de Crooked Teeth, música que teve o clipe massivamente executado na MTV, passando pela inserção de temas orquestrais e eletrônicos em Different Names for the Same Thing, praticamente uma “sobra” do projeto paralelo de Ben Gibbard, The Postal Service, faixa após faixa, o grupo norte-americano se entrega ao desvendar de novos conceitos. Surgem ainda frações dos primeiros anos da banda, como no romantismo acústico de I Will Follow You into the Dark, ainda hoje, a música mais conhecida e tocada do grupo, além de canções como Soul Meets Body e Summer Skin, frações que poderiam facilmente ter sido encontradas no disco anterior do DCFC.

 

#02. We Have the Facts and We’re Voting Yes
(2000, Barsuk)

Em 1999, quando os integrantes do Death Cab For Cutie entraram em estúdio para a produção do segundo registro de inéditas da carreira, havia um claro interesse em fazer do álbum um projeto conceitual, tratando cada composição como um fragmento narrativo dentro de uma obra centrada no relacionamento de um jovem casal. Perto de completar duas décadas de lançamento, curioso perceber em We Have the Facts and We’re Voting Yes (2000) um trabalho que vai além da temática específica que a banda busca explorar, refletindo sobre o que há de mais doloroso e, naturalmente, sensível na vida de qualquer jovem adulto. Tão logo tem início, em Title Track, o álbum que conta com produção assinada por Chris Walla, se espalha em uma turbulenta combinação de experiências confessionais. São versos assinados por Ben Gibbard que refletem sobre a dor da separação, isolamento, descrença e medos de qualquer indivíduo. Mesmo a base instrumental montada por Walla parece servir de estímulo para o fortalecimento dos versos, criando instantes de breve respiro e pequenas explosões melódicas, como em Little Fury Bugs, Company Calls e Lowell, MA. O resultado está na composição de um registro tão doloroso quanto o antecessor, Something About Airplanes (1998), porém, acolhedor e doce na forma como os versos conversam diretamente com o ouvinte.

 

#01. Transatlanticism
(2003, Barsuk)

Do momento em que tem início, em The New Year, até alcançar a derradeira A Lack of Color, cada fragmento de Transatlanticism, quarto álbum de inéditas do Death Cab For Cutie, encontra no debate sobre relacionamentos instáveis, pequenas desilusões e na temática do amor à distância o principal componente criativo para o fortalecimento dos versos. Trata-se de uma obra regida em essência pela forte aproximação entre as faixas, conceito evidente não apenas nos aspecto intimista que rege a construção dos versos, mas, principalmente, na forma como Chris Walla trabalha toda a base instrumental do disco. Perceba como The New Year, Lightness e Title and Registration se conectam graças à lenta inserção de ruídos e melodias compartilhadas entre as músicas, aumentando o efeito dramático e teor claustrofóbico do disco.

Interessante notar que mesmo dentro desse ambiente sufocado pela dor e pequenas incertezas de qualquer relacionamento, Ben Gibbard e os parceiros de banda em nenhum momento tornam a experiência do ouvinte arrastada, demasiado densa. Exemplo disso está em The Sound of Settling, música em que Gibbard reflete sobre a ansiedade em torno de qualquer relacionamento, porém, de forma divertida, pop, proposta reforçada pelo encontro entre as bateria de Jason McGerr e o canto do vocalista. Nada que prejudique a completa dramaticidade em torno de faixas como Tiny Vessels e a extensa faixa-título. Canções em que o quarteto parece trabalhar em unidade, apontando a direção – poética e instrumental – que viria a ser seguida pelo DCFC pelos próximos trabalhos.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.