Cozinhando Discografias: Leonard Cohen

/ Por: Cleber Facchi 15/01/2019

Poucos artistas souberam como traduzir as emoções humanas de forma tão sensível quanto Leonard Cohen (1934 – 2016). Em mais de cinco décadas de carreira, o cantor e compositor canadense fez de cada novo registro autoral a passagem para um universo marcado por desilusões amorosas, inquietações existencialistas, instantes de profunda reflexão religiosa e faixas marcadas pelo completo romantismo dos versos.

Trabalhos como Songs from a Room (1969), I’m Your Man (1988) e You Want It Darker (2016) em que o artista de Montreal não apenas transforma os próprios sentimentos e conflitos em músicas, como se permite provar de diferentes sonoridades e gêneros — folk, jazz, rock e eletrônica. Uma coleção de obras preciosas organizadas do pior para o melhor lançamento em mais uma edição do Cozinhando Discografias.


#14. Dear Heather
(2004, Columbia)

Difícil pensar em Dear Heather como um registro de inéditas na discografia de Leonard Cohen. Inicialmente batizado de Old Ideas — nome que seria dado ao trabalho seguinte do compositor —, o álbum entregue em outubro de 2004 nada mais é do que uma curiosa reciclagem de músicas e poemas acumulados pelo artista canadense ao longo da carreira. De fato, das 13 faixas que recheiam o registro, pelo menos três delas são adaptações do material entregue no antecessor Ten New SongsGo No More A-Roving, The Letters e There For You. Surgem ainda composições montadas a partir de fragmentos poéticos originalmente criados por outros artistas, como Anjani Thomas, F. R. Scott e Lord Byron. A própria faixa de encerramento do disco, Tennessee Waltz, nada mais é do que uma interpretação do músico country Redd Stewart durante o Montreux Jazz Festival, de 1985.

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#13. Various Positions
(1984, Columbia)

Para além do sucesso de Hallelujah, música posteriormente eternizada pela interpretação de Jeff Buckley, e da boa repercussão em torno de Dance Me to the End of Love, Various Positions é uma obra claramente irregular, morna. Decidido a não produzir nada pelos próximos cinco anos após o lançamento de Recent Songs (1979), trabalho também marcado pelo desgaste das canções, Cohen passou a se dedicar à vida em família e se envolver na produção de um novo livro de poemas, Book of Mercy (1984). Se por um lado esse isolamento trouxe boas composições, como Heart with No Companion e a parceria com Jennifer Warnes, em If It Be Your Will, por outro lado, Cohen parecia musicalmente refém do produtor John Lissauer, com quem havia trabalhado no ótimo New Skin for the Old Ceremony (1974). O resultado dessa parceria está na produção de uma obra que absorve todos os exageros do início dos anos 1980, tropeçando em meio a sintetizadores, orquestrações datadas e vozes em coro que fazem dele um produto típico de sua época.

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#12. Recent Songs
(1979, Columbia)

Recent Songs é tudo aquilo que os ouvintes fieis de Leonard Cohen gostariam de ouvir passado o “confuso” Death of a Ladies’ Man (1977). Concebido em meio a ambientações acústicos e pequenas orquestrações inspiradas pela cultura oriental, o trabalho produzido pelo alemão Henry Lewy (Joni Mitchell, Neil Young) prende a atenção pela fluidez das harmonias e delicado uso dos instrumentos. São arranjos de cordas, sopros, camadas de pianos e até um grupo mariachi que acompanha o músico canadense em momentos estratégicos da obra. Entretanto, a pluralidade de elementos em nada garante novidade aos versos assinados pelo cantor. Do momento em que tem início, em The Guests, passando por músicas como Humbled in Love, The Gypsy’s Wife e Ballad of the Absent Mare, Cohen parece dar voltas em torno de velhos temas, morosidade evidente também no álbum seguinte, o mediano Various Positions (1984).

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#11. Ten New Songs
(2001, Columbia)

Poucos meses após a divulgação do elogiado The Future (1992), Leonard Cohen passou por um longo período de reclusão em que se dedicou aos ensinamentos do amigo e mestre zen Joshu Sasaki (1907 – 2014). Desse período de profundo recolhimento e introspecção veio a base criativa para o décimo registro de inéditas na carreira do músico canadense: Ten New Songs. Produzido e composto em parceria com a velha colaborado Sharon Robinson, com quem Cohen divide a imagem de capa tirada em uma webcam, o trabalho segue a trilha econômica que vinha sendo explorada pelo artista desde o disco anterior. São ambientações eletrônicas e parcos instrumentos que se abrem para a voz corroída do músico, ponto de partida para toda a sequência de obras que seriam apresentadas por Cohen pelos próximos anos. Composições como In My Secret Life, By the Rivers Dark e a climática Alexandra Leaving, música inspirada em um poema do otomano Constantine P. Cavafy.

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#10. Old Ideas
(2012, Columbia)

Forçado a embarcar em uma extensa turnê para reaver o dinheiro que havia sido roubado por sua antiga empresária durante mais de uma década, Leonard Cohen passou grande parte dos anos 2000 se revezando em uma série de apresentações marcantes. O resultado desse período de forte atividade está na produção de dois ótimos registros ao vivo – Live in London (2009) e Songs from the Road (2010) –, e no inevitável incentivo para a produção de um novo trabalho de inéditas, Old Ideas. Com produção assumida por Ed Sanders e Patrick Leonard, esse último, parceiro de composição até o derradeiro You Want It Darker (2016), o registro entregue em janeiro de 2012 mostra um artista ainda mais sombrio, como um regresso à sequência de obras entregues entre 1967 e 1971. Entre versos semi-declamados e uma voz claramente corroída pelo tempo, Cohen revela ao público preciosidades como Show Me the Place, Crazy to Love You e Amen, pequenas representações do som entristecido que orienta a experiência do ouvinte até o último instante da obra.

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#9. Popular Problems
(2014, Columbia)

Enquanto as décadas de 1980 e 1990 foram marcadas pelo reduzido número de obras, em seus últimos anos de vida, Leonard Cohen presenteou o público com uma sequência de registros bem-sucedidos. Com a boa repercussão em torno de Old Ideas (2012), o músico canadense logo entrou em estúdio para a produção do 13º álbum de inéditas da carreira: Popular Problems. Guiado do primeiro ao último instante pelos sintetizadores de Patrick Leonard, o trabalho de nove faixas vai do jazz ao soft rock em uma linguagem tão dolorosa quanto provocativa e acessível. Exemplo disso está na atmosférica Almost Like the Blues, música que se espalha em meio a pianos e entalhes percussivos, conceito também reforçado em Did I Ever Love You, música em que Cohen acaba flertando de forma precisa com o country. O destaque acaba ficando por conta de Nevermind, canção escolhido como música de abertura da segunda temporada do seriado True Detective e responsável por apresentar o trabalho do artista canadense a toda uma nova geração de ouvintes.

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#8. Death of a Ladies’ Man
(1977, Columbia)

Quando lançado, em novembro de 1977, Death of a Ladies’ Man não apenas desagradou parte expressiva da crítica, como deixou os fãs do cantor e compositor canadense bastante confusos. Concebido em parceira com Phil Spector, produtor que vinha de uma sequência de obras ao lado de George Harrison e John Lennon, o sucessor de New Skin for the Old Ceremony (1974) transporta o trabalho de Cohen para um universo completamento novo, talvez estranho. Longe da ambientações acústicas que vinham sendo exploradas desde o início da carreira, são vozes em coro, metais e arranjos ensolarados que apontam a direção seguida pelo artista durante toda a execução da obra. Nada que prejudique o permanente refinamento de Cohen nos versos. Das guitarras carregadas de efeito e instrumentos de sopro em Don’t Go Home with Your Hard-On, passando pelo romantismo tropical de True Love Leaves No Traces, Cohen brinca com a perversão da própria estética. Até Bob Dylan surge em uma breve participação como voz de apoio do disco. Inicialmente renegado, Death of a Ladies’ Man posteriormente viria a se transformar em uma obra cultuada pela nova geração de ouvintes do cantor.

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#7. The Future
(1992, Columbia)

Mesmo com a boa repercussão em torno de I’m Your Man (1988), Leonard Cohen decidiu esperar até a produção de um novo registro de inéditas. Depois de um breve período de romance com a atriz Rebecca De Mornay, e de se dedicar à recuperação do filho, Adam, internado após um grave acidente automobilístico, Cohen entrou em estúdio para as gravações do nono álbum de inéditas da carreira, The Future (1992). Misto de sequência e criativa desconstrução do material entregue quatro anos antes, o registro traz de volta os habituais sintetizadores incorporados pelo artista, além, claro, da poesia sóbria que serve de sustento aos versos. São faixas extensas, com mais de sete minutos de duração, como Always, Democracy e Waiting For a Miracle, em que o músico canadense se divide entre canções de amor e temas políticos. Único trabalho de inéditas apresentado pelo músico na década de 1990, The Future seria exaustivamente explorado em diferentes trilhas sonoras, além, claro, de servir de base para o álbum ao vivo Cohen Live: Leonard Cohen in Concert, de 1994.

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#6. You Want It Darker
(2016, Columbia)

Estou pronto para morrer. Espero que não seja desconfortável”, disse Leonard Cohen em entrevista à revista The New Yorker durante a divulgação de You Want It Darker. Entregue ao público semanas antes de sua morte, o trabalho reflete a serenidade do cantor e compositor canadense sobre o tema, componente fundamental em diversas obras produzidas ao longo da carreira. São versos declamados, sempre densos, como devaneios e pequenas interpretações sobre a própria vida. Um ato sorumbático, por vezes fúnebre, proposta que acaba aproximando o registro do mesmo universo de temático detalhado por David Bowie no também derradeiro Blackstar (2016), lançado meses antes. De essência minimalista, You Want It Darker ganha forma aos poucos, espalhando fragmentos poéticos em cima de uma base econômica, completa pelo atmosférico coro de vozes que serve de reforço às canções. Poemas maquiados pelo uso de metáforas e referências particulares, mas que acabam funcionando como um aceno melancólico de Cohen, referência explícita na dolorosa Traveling Light – “Boa noite, minha estrela cadente / Outrora tão brilhante, minha estrela cadente”. Da costura dos arranjos aos versos, uma fina carta de despedida.

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#5. Songs from a Room
(1969, Columbia)

Entregue ao público dois anos após o lançamento do bem-recebido Songs of Leonard Cohen (1967), o melancólico Songs from a Room carrega o mesmo refinamento poético do artista canadense, porém, sutilmente aponta para novos rumos e propostas instrumentais. Guiado em essência pela voz de Cohen, o álbum produzido por Bob Johnston (Bob Dylan, Johnny Cash), substituto de David Crosby – com quem o cantor havia trabalhado meses antes, na pré-produção do disco –, ganha forma aos poucos, sem pressa, flutuando em meio a orquestrações minimalistas, teclados atmosféricos e o banjo sempre pontual do convidado Bubba Fowler. São pouco mais de 30 minutos em que Cohen continua a transformar as próprias desilusões e conflitos internos em música, direcionamento que se reflete com naturalidade em faixas como a inaugural Bird on the Wire, You Know Who I Am e a derradeira Tonight Will Be Fine. Um canto triste, ainda que libertador, conceito que viria a ser melhor explorado no trabalho seguinte do músico, o doloroso Songs of Love and Hate (1971).

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#4. New Skin for the Old Ceremony
(1974, Columbia)

O canto seco e rasgado corre em paralelo à construção das batidas, estímulo para a crescente sobreposição dos arranjos que se entrelaçam em meio coros de vozes complementares, por vezes próximos da música gospel. Bastam os primeiros minutos de Is This What You Wanted, faixa de abertura de New Skin for the Old Ceremony, para perceber a busca de Leonard Cohen por novas possibilidades. Sequência ao primeiro trabalho ao vivo do cantor, Live Songs (1973), além, claro, do bem-recebido Songs of Love and Hate (1971), o álbum entregue em fevereiro de 1974 mostra um artista musicalmente curioso, porém, ainda íntimo dos primeiros registros autorais. Prova disso está na econômica Chelsea Hotel #2, música que reflete a tradicional melancolia de Cohen, detalhando versos que se espalham em uma tímida cama de melodias acústicas. Entretanto, são os arranjos de cordas e temas percussivos de músicas como Lover Lover Lover, There Is a War e toda a segunda porção do álbum que chamam a atenção do público. Um sutil avanço em relação ao material entregue nos três primeiros registros de estúdio.

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#3. I’m Your Man
(1988, Columbia)

Leonard Cohen estava prestes a completar 53 anos de vida quando entrou em estúdio para as gravações de I’m Your Man. Com uma carreira bem-sucedida – vide a boa repercussão em torno do antecessor Various Positions (1984) –, o cantor e compositor canadense poderia facilmente mergulhar em uma sequência de obras redundantes, comodidade rapidamente esquecida tão logo First We Take Manhattan tem início. Inaugurada em meio a sintetizadores climáticos, vozes de apoio e batidas eletrônicas, a faixa aponta direção seguida por Cohen durante toda a execução da obra. Trata-se de uma obra direta, rápida, como uma completa fuga de tudo aquilo que o cantor vinha experimentando nos últimos registros autorais. Entretanto, para além do novo rumo estético, são os versos que, mais uma vez, chamam a atenção do público. Composições que discutem relacionamentos fracassados, o distanciamento entre os indivíduos, medos e temas em forte discussão na época em que o trabalho foi lançado, como a epidemia de AIDS que serve de base poética para a melancólica Everybody Knows. Uma obra necessária e criativamente desafiadora dentro da discografia de Cohen.

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#2. Songs of Love and Hate
(1971, Columbia)

Como indicado logo no título do trabalho – em português, “Canções de Amor e Ódio” –, o terceiro álbum de estúdio de Leonard Cohen é uma obra que a todo instante parece jogar com as emoções do ouvinte. Segundo registro em parceria com o produtor Bob Johnston, Songs of Love and Hate encontra no reducionismo das fórmulas instrumentais a passagem para um registro sentimentalmente imenso, maior a cada nova audição. Cercado por um time reduzido de instrumentistas, entre eles, o guitarrista Ron Cornelius (Bob Dylan), Cohen faz de cada nova composição do disco a passagem para um universo “envelhecido e amargo“, como brinca logo na abertura de Sing Another Song, Boys, música gravada ao vivo durante o Isle of Wight Festival, de 1970. São composições como Avalanche, Love Calls You by Your Name e Joan of Arc em que o artista canadense discute o isolamento dos indivíduos e as próprias angústias enquanto costura referências religiosas, conflitos sociais e políticos que marcaram o início da década de 1970. Trata-se de uma extensão sombria e, naturalmente, pessimista de tudo aquilo que o artista vinha experimentando desde o primeiro registro autoral.

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#1. Songs of Leonard Cohen
(1967, Columbia)

Em 1967, quando entrou em estúdio para a gravação do primeiro álbum de inéditas da carreira, Leonard Cohen estava longe de parecer um artista iniciante. Com 33 anos de idade completos, o canadense já era um poeta e novelista conhecido que vez ou outra flertava com a música, vide a breve estadia em Nashville para a produção um descartado registro de música country. Talvez, por isso, o inaugural Songs of Leonard Cohen seja um trabalho tão maduro para um registro de estreia. Do lirismo precioso que invade a faixa de abertura do disco, Suzanne, música originalmente gravada em 1966 pela cantora Judy Collins, passando pelos cenários e personagens descritivos que ganham forma em The Stranger Song e Stories of the Street, cada fragmento do álbum cresce com naturalidade na cabeça do ouvinte. São versos sempre detalhistas, produto das relações passageiras e memórias recentes acumuladas por Cohen em suas andanças pela cidade de Nova York. Frações minimalistas, sempre sensíveis, como em Sisters of Mercy, Hey, That’s No Way to Say Goodbye e So Long, Marianne. Indicativos do material que viria a orientar de forma sensível a produção do artista durante grande parte da carreira.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.