Cozinhando Discografias: Sparklehorse

/ Por: Cleber Facchi 19/02/2019

Dono de uma limitada, porém, riquíssima seleção de obras, Mark Linkous atravessou a década de 1990 e início dos anos 2000 com alguns dos trabalhos mais sensíveis que embalaram a cena alternativa dos Estados Unidos. São obras como Good Morning Spider (1998) e It’s a Wonderful Life (2001) que serviram para aproximar o músico norte-americano de veteranos como Radiohead, PJ Harvey, Tom Waits e outros tantos artistas que encontraram na força dos sentimentos a base para o próprio amadurecimento criativo.

Consumido pela própria depressão e constantes abusos com drogas, Linkous tirou a própria vida em março de 2010, deixando para trás um delicado conjunto de faixas que continuam a reverberar nos registros de Devendra Banhart, Grizzly Bear e outros tantos músicos assumidamente influenciados pelo cantor e compositor estadunidense. Marcado pelo aspecto caseiro de suas obras, o músico de Arlington, Virgínia teve cada um dos trabalhos como Sparklehorse organizados do pior para o melhor lançamento em mais uma edição do Cozinhando Discografias. Nos comentários, conta pra gente: qual é o seu disco favorito do cantor?


#6. In The Fishtank 15
(2009, Konkurrent)

Desde o lançamento de Dreamt for Light Years in the Belly of a Mountain (2006), Mark Linkous e o austríaco Christian Fennesz vinham colaborando em uma série de apresentações ao vivo e esporádicos encontros em estúdio. Vem justamente dessa forte relação entre os dois artistas a base para o material apresentado no colaborativo In The Fishtank 15. Último capítulo da série de obras produzidas pelo selo belga Konkurrent, o trabalho mostra a completa simbiose criativa entre Linkous e Fennesz. Enquanto o músico norte-americano assume a composição dos arranjos, vozes e melodias sujas que servem de sustento ao registro, o produtor europeu assume a responsabilidade pelas texturas eletrônicas, sintetizadores e fina base instrumental que cobre toda a superfície do álbum. O resultado desse encontro está na produção de uma obra ora marcada pela leveza dos elementos, como em Goodnight Sweetheart e If My Heart, ora dominada por instantes de profundo delírio e experimentação, direcionamento explícito em Shai-Hulud e na extensa NC Bongo Buddy.

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Menção Honrosa
Chords I’ve Known
 | Distorted Ghost
(1996 / 2000, Capitol)

Para além da produção de registros tão completos como Good Morning Spider (1998) e It’s a Wonderful Life (2001), Mark Linkous sempre se dedicou à entrega de obras isoladas. Trabalhos como o single de Maria’s Little Elbows, lançamento que ainda contou com a colaboração de Thom Yorke, na versão para Wish You Were Here, do Pink Floyd, além de outras dezenas de composições trabalhadas de forma avulsa em um intervalo de mais de 15 anos de carreira. Nada que se compare ao material entregue pelo artista nos EPs Chords I’ve Known e Distorted Ghost. De um lado, uma coleção de faixas caseiras, como a semi-psicodélica Heart of Darkenss, em que Linkous revela ao público uma sequência direta ao material entregue em Vivadixie… (1998). No outro, o refinamento melódico e força de músicas como Happy Man e Waiting for Nothing, indicativo do material que seria entregue meses mais tarde em sua principal obra, It’s a Wonderful Life (2001).

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#5. Dark Night of the Soul
(2010, Capitol / Parlophone)

Originalmente previsto para o ano de 2009, porém, embargado por conta de uma série de conflitos contratuais com a EMI, Dark Night of the Soul talvez seja o projeto mais ambicioso de toda a carreira de Mark Linkous como Sparklehorse. Concebido em parceria com Danger Mouse, com quem o músico havia colaborado em Dreamt for Light Years in the Belly of a Mountain (2006), o trabalho inspirado no poema La noche oscura del alma, do sacerdote espanhol João da Cruz (1542 – 1591), encontra no diálogo com artistas vindos de diferentes campos da música o principal componente criativo para o fortalecimento do álbum. São nomes como Julian Casablancas (Little Girl), Gruff Rhys (Just War), Iggy Pop (Pain), Suzanne Vega (Man Who Played God), The Flaming Lips (Revenge) e tantos outros outros representantes da cena alternativa que passeiam pelo interior da obra de forma curiosa, ocupando as pequenas lacunas deixadas pela dupla de realizadores. Oficialmente lançado em julho de 2010, meses após o suicídio de Linkous, Dark Night of the Soul ainda viria acompanhado de um livro com mais de 100 registros visuais produzidos por David Lynch.

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#4. Dreamt for Light Years in the Belly of a Mountain
(2006, Astralwerks)

Difícil não pensar nas canções de Dreamt for Light Years in the Belly of a Mountain como uma sequência direta ao material entregue por Mark Linkous em It’s a Wonderful Life (2001). Mesmo entregue ao público cinco anos após o lançamento do elogiado registro que contou com PJ Harvey e Tom Waits, parte expressiva das composições apresentadas no quarto álbum de estúdio do Sparklehorse datam do início dos anos 2000, durante o processo de concepção do disco que o antecede. A principal diferença está no peso das guitarras e fluidez enérgica da obra, como um regresso ao material entregue no inaugural Vivadixie… (1998). Pouco mais de 50 minutos em que Linkous, o produtor Danger Mouse e convidados como Tom Waits brincam com a colisão de ruídos e fórmulas pouco convencionais. Um som propositadamente torto, estímulo para a formação de músicas como Knives Of Summertime, a experimental Mountains ou mesmo a própria faixa de abertura do disco, Don’t Take My Sunshine Away, indicativo do som versátil que orienta a experiência do ouvinte durante toda a execução da obra.

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#3. Good Morning Spider
(1998, Capitol)

Em 1996, durante a divulgação de Vivadixiesubmarinetransmissionplot (1995), Mark Linkous foi convidado a abrir uma série de shows para o Radiohead na Europa. Consumido pela própria depressão e os constantes abusos com drogas, o cantor e compositor norte-americano acabou sofrendo uma overdose quase fatal no meio da turnê, sendo internado às pressas e passando por meses de reabilitação por conta de complicações ocasionadas pelo episódio. Reflexo desse período sombrio de forte isolamento, melancolia e proximidade com a morte se reflete no segundo registro de inéditas do músico como Sparklehorse: Good Morning Spider. Dividido entre composições essencialmente sensíveis (Saint Mary) e atos raivosos (Pig), o trabalho de 17 faixas e quase 60 minutos de duração lentamente amplia o universo confessional detalhado durante a produção do elogiado debute do músico original de Richmond, Virginia. Um rico catálogo de versos entristecidos que acabariam servindo de base para o trabalho seguinte do músico, o doloroso e maduro It’s a Wonderful Life (2001), obra-prima de Linkous.

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#2. Vivadixiesubmarine transmission plot
(1995, Capitol)

Do momento em que tem início, no dedilhado tímido de Homecoming Queen, até alcançar a derradeira Gasoline Horseys, cada elemento do primeiro álbum de estúdio do Mark Linkous como Sparklehorse encontra na força dos sentimentos, medos e completo isolamento do eu lírico a base para uma obra profundamente tocante. Inspirado de maneira confessa em alguns dos principais trabalhos de Tom Waits, como Swordfishtrombones (1983) e Rain Dogs (1985), o registro de 16 faixas ganha forma aos poucos, despejando versos sorumbáticos em cima de uma base artesanal, suja e caótica. Canções nascidas da mente atormentada de Linkous, porém, capazes de dialogar de forma quase imediata com todo e qualquer ouvinte, efeito direto do refinamento melódico alcançado pelo co-produtor David Lowery, com quem o músico vinha colaborando no grupo de rock alternativo Cracker. De fato, parte expressiva da obra foi concebida com o apoio de membros da banda californiana, presença destacada em algumas das canções mais sensíveis da obra, como Rainmaker, Sad & Beautiful World, Someday I Will Treat You Good e, principalmente, Cow, música que sintetiza parte do rock caseiro produzido na segunda metade dos anos 1990.

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#1. It’s a Wonderful Life
(2001, Capitol)

Poucos registros produzidos na última década traduzem as emoções humanas de forma tão sensível e honesta quanto It’s a Wonderful Life. Primeiro álbum do Sparklehorse longe do estúdio caseiro que Mark Linkous havia montado em sua fazenda, na região de Richmond, Virginia, o trabalho produzido em parceria com Dave Fridmann (Mercury Rev, The Flaming Lips) e John Parish (Tracy Chapman, Eels) não apenas reflete o amadurecimento poético do músico norte-americano, como a capacidade do artista em dialogar com uma parcela ainda maior do público. Trata-se de um trabalho guiado em essência pela beleza melancólica da vida, conceito reforçado logo na faixa-título do disco. Parte desse sentimento acaba se refletindo na forma como Linkous e um time seleto de instrumentistas, como a violoncelista Jane Scarpantoni (Patti Smith, R.E.M.) e o britânico Adrian Utley (Portishead), estabelecem os arranjos e harmonias tristes da obra. Um delicado jogo de ideias e inserções minuciosas que se completa com as vozes de PJ Harvey, Nina Persson (The Cardigans) e Tom Waits, esse último, uma das principais inspirações do Sparklehorse. Recebido de forma positiva pelo público e crítica, efeito da boa repercussão em torno de músicas como Piano Fire, Sea of Teeth e More Yellow Birds, It’s a Wonderful Life teria ainda todas as suas composições transformadas em clipes no registro visual Sonic Cinema, projeto assinado por diferentes diretores norte-americanos. Um retrato triste e particular de tudo aquilo que Linkous viria a produzir até os últimos anos de vida.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.