Cozinhando Discografias: Spiritualized

/ Por: Cleber Facchi 17/04/2014

rp_tumblr_nq17x4Vb371r9ykrko1_540.jpg

A seção Cozinhando Discografias consiste basicamente em falar de todos os álbuns de um artista, ignorando a ordem cronológica dos lançamentos. E qual o critério usado então? A resposta é simples, mas o método não: a qualidade. Dentro desse parâmetro temos uma série de fatores determinantes envolvidos, que vão da recepção crítica do disco no mercado fonográfico, além, claro, dentro da própria trajetória do grupo e seus anteriores projetos. Vale ressaltar que além da equipe do Miojo Indie, outros blogs parceiros foram convidados para suas específicas opiniões sobre cada um dos trabalhos, tornando o resultado da lista muito mais democrático e pontual.

Entre o chão e o espaço, assim pode ser caracterizado o trabalho de Jason Pierce com o Spiritualized. Criado no começo dos anos 1990 como um resultado das experiências conquistadas pelo músico em sua extinta banda, a também influente Spacemen 3, o projeto cresce a partir da soma de um catálogo próprio de referências. Melodias que atravessam a psicodélico, absorvem a imposição sinfônica do rock progressivo e encontram nas vocalizações típicas da música gospel um ponto de identidade.

Adepto dos longos espaços entre um trabalho e outro, Pierce já atravessou três décadas de registros fundamentais para músicas. São obras clássicas como Ladies And Gentlemen We Are Floating In Space (1997) e Let It Come Down (2001), ou o ainda recente Sweet Heart Sweet Light, de 2012. Sempre mutável e, ainda assim, movido por uma fórmula própria, o músico e toda a obra do Spiritualized são os novos escolhidos a integrar a seção Cozinhando Discografias. Uma discografia curta, de sete obras fundamentais, mas que foram ordenadas do pior para o melhor registro.

.

#07. Amazing Grace
(2003, Dedicated)

Se levarmos em conta a rica produção do Spaceman 3, Jason Pierce conseguiu segurar quase duas décadas de obras memoráveis em estúdio. Registros que vão da psicodelia suja de Sound of Confusion (1986) e reverberam perfeição em Ladies and Gentlemen We Are Floating in Space (1997), até a tropeçar no acelerado Amazing Grace, de 2003. Considerado pela crítica e público como o “patinho feio” do Spiritualized, o quinto registro em estúdio da banda está longe de parecer um erro, pelo contrário, carrega boas guitarras, vozes e canções recheadas de acerto. Capaz de interferir na zona de conforto instalada desde Lazer Guided Melodies, em 1992, o disco deixa de lado os coros de vocais, arranjos suntuosos e toda a complexidade dos outros álbuns para apostar na simplicidade – se é que qualquer disco de Pierce pode ser encarado como “simples”. São guitarras marcadas pelo Garage Rock e o fim do exercício épico dos álbuns que o antecedem. Uma curva brusca dentro da discografia da banda, mas uma passagem segura para o que seria reforçado mais tarde, com Songs in A&E (2008).

.

Spiritualized

#06. Lazer Guided Melodies
(1992, Dedicated)

A julgar pelo aproveitamento das guitarras, sintetizadores e vozes em coros, Lazer Guided Melodies (1992) é uma espécie de “livro de regras” para o Spiritualized. De fato, todos os arranjos e experimentos alavancados por Jason Pierce ao longo da carreira crescem a partir das referências instaladas no interior do bem sucedido debut. Todavia, é preciso notar que mais do que anunciar os rumos do músico pós-Spacemen 3, o álbum de 12 faixas muda de direção a todo o instante, pervertendo as prováveis “regras” lançadas pelo britânico. Inicialmente pacato e acolhedor, o disco aos poucos cresce, abraça o rock psicodélico, encolhe, encontra o gospel e muda a essência da banda sem que haja um ponto em comum de estabilidade. Ora irônico (I Want You), ora confessional (Angel Sigh), o disco reforça toda a capacidade do britânico em dialogar com o grande público, sem necessariamente romper com o instrumental ousado que cresce pela obra. Há quem considere um último ato de Pierce quanto membro do Spacemen 3, mas se você ouvir com atenção perceberá o contrário: a abertura para um mundo novo.

.

Pure Phase

#05. Pure Phase
(1995, Dedicated)

Pode um trabalho soar complexo e descomplicado na mesma medida? Ouça Pure Phase e você vai perceber que sim. Em um meio termo exato entre os experimentos lançados em Lazer Guided Melodies (1992) e a grandeza melódica que viria a ocupar o trabalho seguinte, em 1997, o disco é um verdadeiro exercício de invento para Pierce. Cercado por um número ainda maior de músicos do que nos álbuns iniciais, o disco vai além das guitarras distorcidas e teclados psicodélicos, mergulhando em arranjos de cordas, metais e todo um arsenal (ainda crescente) de possibilidades. Enquanto faixas como Medication e Electric Mainline fundem versos cantaroláveis com atos musicais extensos, outras como Let It Flow revelam a capacidade de Pierce em produzir canções feitas para as massas. No meio da guerra do Britpop que isolava artistas como Blur, Oasis, Pulp e outros nomes da cena inglesa da época, o Spiritualized se manteve assertivamente distante, vendo tudo do alto – talvez acima das nuvens.

.

Spiritualized

#04. Sweet Heart Sweet Light
(2012, Double Six)

Cada novo disco do Spiritualized sempre leva tempo a ser lançado – em média, intervalos de quatro anos -, custam (muito) dinheiro e precisam de um contingente enorme de pessoas envolvidas até serem finalizados. Em um cenário de “crise” para a industria musical, é difícil imaginar como um disco aos moldes de Sweet Heart Sweet Light foi gravado, mas Jason Pierce conseguiu – mais uma vez. Amenizando as experiências “roqueiras” dos anos 2000, o músico inglês entrega uma obra que resgata diferentes aspectos da trajetória da banda. Estão lá faixas colossais (Hey Jane), baladas curtas (Little Girl) e musicas guiadas por boas guitarras (I Am What I Am). Tão autêntico quanto em começo de carreira, Pierce desfila com uma obra capaz de brincar com a psicodelia, absorve o Dream Pop e, mais uma vez, entende o pop dos anos 1960 em uma linguagem própria. São quase 60 minutos de duração, tempo demais para uma geração abastecida por hits do Youtube. O músico, porém, não se importa, esfarelando a própria essência dentro de cada instante épico ou minimalista do disco.

.

Let It Come Down

#03. Let It Come Down
(2001, Arista)

Enquanto a obra-prima Ladies And Gentlemen We Are Floating In Space (1997) arremessou Jason Pierce (e o próprio público) para o espaço, Let It Come Down, lançado quatro anos mais tarde, trouxe todos os elementos do Spiritualized de volta para o chão. Intenso do momento em que tem início, com On Fire, até os instantes finais, o trabalho equilibra a mesma massa detalhista de experiências em um fluxo propositalmente pop e (ainda mais) comercial. Corais marcados pelo dinamismo, quase cinquenta músicos trabalhando em conjunto e a mente insana de Pierce, desesperado em organizar tudo em um mesmo espaço acústico. Apoiado em uma série de conceitos lançados na década de 1960, o disco envolve tanto as melodias de vozes testadas pelos Beach Boys, como a lisergia colorida de boa parte dos trabalhos clássicos lançados na época. Também extenso – são mais de 60 minutos de duração -, o disco prova o completo domínio do músico ao atuar em estúdio, fazendo das captações registradas no Abbey Road e AIR Studios fragmentos mágicos na edição final do álbum.

.

Spiritualized

#02. Songs In A&E
(2008, Universal/Sanctuary)

Os arranjos “rústicos” encarados por Pierce em Amazing Grace, podem até soar insignificantes perante o detalhismo mágico que orienta a obra Spiritualized. Contudo, mesmo tortas as emanações servem como base para o que foi “aperfeiçoado” em Songs In A&E (2008). Construído quase paralelamente ao disco de 2003, o sexto álbum da banda britânica demorou a ser lançado por conta de uma crise de pneumonia que quase tirou a vida de Pierce, em 2005. Uma vez recuperado, o músico produziu uma obra inteira centrada em sua condição. Pequenas referências médicas que vão do título – Accident and Emergency – ao sample de equipamentos de respiração e temas ambientais no decorrer das faixas. Equilibrando guitarras aceleradas e arranjos graciosos, o disco apresenta tanto músicas tomadas pelo orquestral gospel testado na década de 1990, como o Garage Rock pós-anos 2000. Músicas como Soul on Fire e Death Take Your Fiddle que delicadamente esbarram nas experiências mórbidas do cantor – mesmo escritas anos antes da internação. De forma honesta, uma obra de sobrevivência, não apenas sobre Pierce, mas feita especialmente para o ouvinte.

.

Spiritualized

#01. Ladies And Gentlemen We Are Floating In Space
(1997, Dedicated)

Poucas coisas são tão irritantes quanto classificar um disco musicalmente provocativo como “uma experiência“. Entretanto, é exatamente isso que o ouvinte encontra no interior de Ladies And Gentlemen We Are Floating In Space, a obra-prima do Spiritualized. Lançado em um ano disputado para a música – Radiohead, Björk, The Verve e tantos outros nomes de peso apresentaram obras fundamentais no período -, o terceiro registro em estúdio da banda de Jason Pierce se destaca por um motivo simples: não é deste planeta. Ou pelo menos concentra todos os elementos para não ser. Vozes alienígenas (em coro), guitarras que parecem ganhar vida, arranjos jazzísticos e uma avalanche de emanações (quase) místicas se esparramam pela obra. Ouça uma vez e você dificilmente conseguirá voltar.

Apresentado pela gravadora como uma espécie de remédio prescrito – algumas edições do álbum contam com bula, embalagem especial e discos armazenados em cartelas de alumínio -, o trabalho recomenda que o ouvinte aprecie as faixas até duas vezes por dia. Impossível. Pierce incita a overdose. Ainda que baste ao ouvinte as canções iniciais para que o disco surta efeito, quanto mais provamos do remédio entregue pelo Spiritualized, mais ele nos atrai e brinca com a mente. Estão lá clássicos como Come Together, Stay with Me e All of My Thoughts, faixas que se liquefazem na mente do espectador. Mesmo a derradeira Cop Shoot Cop, com seus 17 minutos de duração, consegue manter as atenções sempre em alta. Uma verdadeira viagem sob controle, e das melhores que podem existir.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.