Cozinhando Discografias: The National

/ Por: Cleber Facchi 15/09/2014

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A seção Cozinhando Discografias consiste basicamente em falar de todos os álbuns de um artista, ignorando a ordem cronológica dos lançamentos. E qual o critério usado então? A resposta é simples, mas o método não: a qualidade. Dentro desse parâmetro temos uma série de fatores determinantes envolvidos, que vão da recepção crítica do disco no mercado fonográfico, além, claro, dentro da própria trajetória do grupo e seus anteriores projetos. Além da equipe do Miojo Indie, outros blogs parceiros foram convidados para suas específicas opiniões sobre cada um dos trabalhos, tornando o resultado muito mais democrático.

Das bandas norte-americanas que surgiram no começo dos anos 2000, poucas cresceram tanto e ainda foram capazes de manter a própria essência quanto o The National. Nascido no final dos anos 1990 na cidade de Cincinnati, Ohio, o quinteto formado por Matt Berninger, Aaron e Bryce Dessner e Bryan e Scott Devendorf carrega na própria discografia um dos acervos mais dolorosos e honestos da música recente. São versos embebidos em álcool, declarações de amor e tormentos claustrofóbicos, temas fundamentais para a construção de obras tão íntimas da banda, quanto do próprio ouvinte.

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#06. The National
(2001, Brassland)

Em um ano de alterações na indústria da música e lançamentos significativos – como Is This It do The Strokes e White Blood Cells da dupla The White Stripes -, o primeiro álbum do The National quase passou despercebido. Típico registro de estreia, o trabalho nasce como uma tentativa do grupo em desvendar a própria sonoridade – naquele momento dividida entre o Alt. Country dos anos 1990 e elementos típicos do Pós-Punk inglês. Honesto em se tratando dos versos e personagens detalhados em grande parte das canções (vide Son), o debut pouco surpreende por conta da aproximação excessiva entre as faixas. Não são poucos os momentos em que a audição do álbum ecoa de forma arrastada, quase penosa. De fato, raras composições (como Pay For Me) parecem capazes de ultrapassar o bloco redundante de guitarras sombrias e batidas econômicas, a base instrumental de toda a obra. Salvo pela poesia confessional de Matt Berninger, o álbum serviu apenas para que a banda conquistasse uma pequena base de fãs, despertar a curiosidade da crítica e, de maneira tímida, posicionar as peças para o futuro do grupo.

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#05. Sad Songs For Dirty Lovers
(2003, Brassland)

Quem conheceu o The National ainda no primeiro disco e depois parou para ouvir Sad Songs For Dirty Lovers talvez tenha se espantado. Primeiro trabalho da banda com a presença definitiva do guitarrista Bryce Dessner, o registro de 2003 parece caminhar em um sentido oposto ao som morno do álbum de estreia, apresentado dois anos antes. Como o título do trabalho resume – canções tristes para amantes sujos -, cada espaço do registro é ocupada por versos tão confessionais e dolorosos, que é difícil não ser transportado para o ambiente fechado da obra. Depressão, sexo com desconhecidos, alcoolismo, medo e abandono estão por todas as partes, a cada lamento de Matt Berninger, focado em arremessar o ouvinte para diferentes cenários durante toda a execução do disco. Este mesmo dinamismo temático logo rompe com os limites líricos, substituindo com a morosidade instrumental do álbum de estreia para entregar ao público com um conjunto de arranjos totalmente incertos. Segundos de calma (Cardinal Song) alternados com instantes de desespero (Slipping Husband), arranjos contrastados que funcionam como pano de fundo para as histórias de amor (sem final feliz) que recheiam todo o álbum. Se um dia quiser entender o que é tristeza, ouça este disco.

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#04. Trouble Will Find Me
(2013, 4AD)

A abertura comercial alcançada em High Violet (2010) – primeiro trabalho da banda pelo selo 4AD – serviu para apresentar o The National a toda uma nova parcela de ouvintes. Bem recebido por público e crítica, o disco serve de direção para o caminho percorrido em Trouble Will Find Me, a obra mais acessível do quinteto de Cincinnati. Instalado no mesmo ambiente melancólico e detalhista de Boxer (2007), o álbum convence pela forma como os versos se aproximam com naturalidade do ouvinte, uma interpretação particular (e sombria) da banda sobre a” música pop”. Não por acaso é o trabalho com o maior número de singles já lançados pelo grupo – Demons, Don’t Swallow the Cap, Graceless, Sea Of Love e I Need My Girl -, atraindo ainda mais o interesse do grande público em relação ao projeto. Ainda que amplo musicalmente, curioso notar como Trouble Will Find Me em nenhum momento se distancia da base lírica e instrumental do grupo, imerso no mesmo cenário doloroso dos primeiros trabalhos, porém, aberto à inserção de novas experiências. Sem dúvidas, a obra mais recomendada para os que ainda desconhecem o trabalho do The National.

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#03. Alligator
(2005, Beggars Banquet)

O tom sóbrio da inaugural Secret Meeting funciona com um resumo para o material registrado no interior de Alligator, terceiro álbum de estúdio do The National. Denso e musicalmente bem resolvido em relação ao antecessor Sad Songs for Dirty Lovers (2003), o disco flui como uma extensão natural (e ainda aprimorada) dos lamentos assinados por Matt Berninger e Aaron Dessner, agora inclinados ao desenvolvimento de faixas melódicas e comercialmente voltadas ao público médio. Do refrão cíclico em Lit Up e Looking for Astronauts, aos versos tristes de Baby, We’ll Be Fine, cada brecha do trabalho parece ocupada por versos carregados de honestidade e confissão. Um contínuo soluçar do mesmo personagem bêbado – talvez Berninger ou o próprio ouvinte – que se revela em essência ao longo de faixas como All Wine, Karen e demais criações amargas da obra. Curioso notar que mesmo em uma atmosfera sorumbática, o álbum está longe de parecer arrastado ou cansativo, efeito da divisão coesa entre faixas de arranjos agressivos (Abel) e instantes de morosidade (Daughters of the SoHo Riots). Tão expressivo hoje quanto na época em que foi lançado, Alligator é um esqueleto triste que serve de sustento para toda a soma de obras lançadas pela banda posteriormente.

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#02. High Violet
(2010, 4AD)

A maturidade alcançada em Boxer (2007) foi apenas o começo da transformação autoral iniciada pelo The National. Três anos depois de ser oficialmente apresentado ao público e conquistar espaço em um número ainda maior de publicações, High Violet veio como um anúncio da capacidade irrestrita da banda em evoluir. Intenso e “cru” em relação ao detalhamento dado ao disco anterior, o trabalho de 2010 firma nas guitarras de Aaron e Bryce Dessner a principal ferramenta da obra, controlando tanto a bateria de Bryan Devendorf, como a voz de Matt Berninger. Por falar em Berninger, notória é a transformação do compositor ao longo da obra. Livre do alcoolismo confesso e amores conturbados dos três primeiros discos, o cantor se concentra em projetar temas mundanos, típicos de um homem adulto, como fica explícito em Bloodbuzz Ohio. Entretanto, a mudança não interfere na construção de faixas claustrofóbicas (Afraid of Everyone) e sentimentalmente perturbadoras (Sorrow), refletindo na presença de Sufjan Stevens, Richard Reed Parry (Arcade Fire) e Justin Vernon (Bon Iver) uma versão ampliada dos conceitos tristes inicialmente conquistados pela banda.

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#01. Boxer
(2007, Beggars Banquet)

Passado o período de divulgação de Alligator e ainda motivados pela execução coesa do registro, Matt Berninger e os parceiros de banda começaram a investir em longas horas de ensaios e gravações em estúdios caseiras. Desse recolhimento e profunda comunicação entre os integrantes nasceu grande parte do material lançado em Boxer, o trabalho mais seguro e curiosamente isolado do The National. Co-produzido por Peter Katis, com quem a banda havia trabalhado no disco anterior, o álbum de 2007 escapa lentamente da proposta bêbada/sentimental dos primeiros registros da banda, explorando aspectos melancólicos da própria sociedade estadunidense. Motivado pelo período político da época – a banda viria a contribuir com a campanha presidencial de Barack Obama no ano seguinte -, Boxer é uma obra sufocada pelo abandono e a tristeza de qualquer indivíduo, escapando dos limites autorais de seu criador.

Em uma atmosfera decadente, o álbum apresenta logo na inaugural Fake Empire um resumo pleno de todo o conteúdo da obra. Faixas como Start A War e Mistaken for Strangers, capazes de refletir a amargura de um mesmo personagem central, ao mesmo tempo em que traduzem metaforicamente a situação econômica/social dos Estados Unidos nos últimos anos do governo Bush. Mesmo consumido pelo medo e a amargura, durante todo o percurso, faixas como Green Gloves borbulham como instantes de acolhimento para o ouvinte. Sobram ainda bases orquestrais assinados por Sufjan Stevens, além de músicas como Apartment Story e Slow Show, exemplares melódicos de tudo o que a banda viria a desenvolver com maior segurança a partir de High Violet (2010). Um instante raro de sobriedade, reflexão e beleza dentro da obra do The National.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.