Cozinhando Discografias: Wado

/ Por: Cleber Facchi 16/09/2013

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A seção Cozinhando Discografias consiste basicamente em falar de todos os álbuns de um artista ignorando a ordem cronológica dos lançamentos. E qual o critério usado então? A resposta é simples, mas o método não: a qualidade. Dentro desse parâmetro temos uma série de fatores determinantes envolvidos, que vão da recepção crítica do disco no mercado fonográfico, além, claro, dentro da própria trajetória do grupo e seus anteriores projetos. Vale ressaltar que além da equipe do Miojo Indie, outros blogs parceiros foram convidados para suas específicas opiniões sobre cada um dos trabalhos, tornando o resultado da lista muito mais democrático e pontual.

Uma obra marcada pela mudança. Desde que estreou em 2001, com O Manifesto da Arte Periférica, a quebra de sentido e a busca por novas referências musicais aproximaram Oswaldo Schlikmann Filho, o Wado, de um catálogo imenso de bases sonoras. Um dos “heróis” da música independente nacional, o cantor estabelece em obras como A Farsa do Samba Nublado (2004), Atlântico Negro (2009) e Samba 808 (2011) registro fundamentais para a construção do cenário alternativo brasileiro. Obras que brincam com o samba, fundem elementos da eletrônica, rock, pop e até Hip-Hop sem perder a leveza e o uso de boas melodias. Em um esforço de apresentação para quem talvez tenha descoberto a obra do catarinense/alagoano em Vazio Tropical (2013), analisamos cada um dos sete álbuns de estúdio em um alinhamento do “pior” para o melhor. Mais uma edição nacional da seção Cozinhando Discografias que já “organizou” a obra d’Os Mutantes, Los Hermanos e Legião Urbana .

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#08. 1977
(2015, Independente)

Não é preciso muito esforço para interpretar o novo álbum de Wado como um obra de dois lados bem definidos. Na primeira metade: a crueza. São faixas como Deita, Lar e Cadafalso – esta última, faixa-título do último álbum de Momo. Instantes em que a “raiva”, esquiva no último disco do cantor, cresce com acerto e movimento para os versos. Na segunda parte: a leveza. Difícil não se emocionar com composições como Um Dia Lindo de Sol e Mundo Hostil, faixas que dosam descrença e esperança com uma naturalidade rara dentro do rico acervo do compositor. Dentro desse ambiente fragmentado e de essência talvez bipolar, um time de convidados alheios ao quarteto inicialmente formado por Cícero, Momo e Marcelo Camelo em Vazio Tropical. Musicistas e vozes que transportam Wado para além do território nacional, dividindo experiências com artistas do Uruguai, Alemanha, Portugal e Argentina. Entre os convidados: Samuel Úria (Deita), Graciela Maria (Galo) e Gonzalo Deniz (Mundo Hostil). Mesmo encarado como uma obra de sonoridade concisa, quase hermética, não seria um erro interpretar 1977 como o registro mais plural do artista, repetindo a mesma variedade de interferências do (hoje) clássico Samba 808 (2011). []

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Wado

.#07. Cinema Auditivo
(2002, Independente)

Enquanto em O Manifesto da Arte Periférica, Wado parecia carregado pelos exageros tropicais em uma medida de pleno acerto, com Cinema Auditivo o músico catarinense adotado por Alagoas busca de forma nítida pelo enclausuramento e a timidez dos arranjos. Lançado um ano após o debut, o álbum trouxe na atmosfera caseira e versos subjetivos um princípio de transformação inevitável para a sonoridade do artista. Gravado em casa, em um computador, o registro arranha em uma superfície alimentada de forma quase integral pela dor. Isolado dentro do próprio quarto, Wado se adorna de samples, ruídos, instrumentos comportados e vocais desenvolvidos em um efeito quase declamado, proposta que minimiza a estética do músico em um ambiente de recolhimento, mas nem por isso deixa de surpreender. São faixas como Ossos De Borboleta e Rotina que antecipam em quase uma década aquilo que o músico viria a desenvolver com maior destaque em Samba 808.

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Wado

#06. O Manifesto da Arte Periférica
(2001, Dubas/Universal)

Alguns artistas levam uma vida inteira até aperfeiçoar uma fórmula ou estabelecer limites criativos dentro da própria obra. Wado nunca precisou disso. Ao debutar com O Manifesto da Arte Periférica, em 2001, o músico alagoano parecia nascer maduro, consciente do próprio trabalho e ainda assim pronto para a descoberta. Mergulhado em uma sequência de gêneros musicais e preferências estéticas, o músico vai do samba rock (Uma Raíz, Uma Flor), ao rock alternativo (A Linha Que Cerca O Mar), passando pelo pop (Diluidor) sem cair no descompasso. Talvez o mais curioso dentro dessa colagem de gêneros seja perceber o quanto Wado parece perverter com acerto a essência de cada um deles. O samba não é samba, o rock não é rock e mesmo os versos parecem detalhados dentro de uma impressão totalmente particular sobre o universo. Primeiro “capítulo” da série de obras com o Realismo Fantástico, Wado, na época com 23 anos, não custou a atrair as atenções da crítica, ocupando um lugar de destaque no cenário alternativo que aos poucos começava a tomar forma.

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Vazio Tropical

#05. Vazio Tropical
(2013, Independente)

Quase um sussurro, assim é Vazio Tropical, sétimo e mais ponderado registro de toda a trajetória de Wado – até agora. Longe dos encaixes eletrônicos aprimorados em Samba 808, o músico se encontra com um time composto por Marcelo Camelo, Cícero e Momo, ambientando cada espaço da obra em um cenário de confessa timidez e doses consideráveis de melancolia. Enquanto as batidas eram o salto para as composições entregues pelo músico até o álbum de 2011, ao mergulhar no território letárgico do recente invento, Wado se conforta. São composições mais curtas, como Cantos do Insetos, Zelo e Rosa, faixas que cicatrizam saudade, abandono e paixão em um efeito agridoce, precioso em essência. Frágil, o trabalho encontra na produção de Marcelo Camelo uma relação incontestável com a obra do músico carioca em Toque Dela (2011), entretanto, o disco vai ainda mais longe, antecipando efeitos no Sábado de Cícero, ao mesmo tempo em que acrescenta cor ao terreno sombrio de Momo em Cadafalso. Uma obra que pode até levar o nome de Wado, mas esconde nas melodias e versos a presença nítida de uma série de outros colaboradores.

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Wado

#04. A Farsa do Samba Nublado
(2004, Independente)

Em 2004 Wado já era um gigante dentro do território que ajudou a desenvolver. Com a chegada de A Farsa do Samba Nublado, o músico não apenas dava continuidade ao trabalho inaugurado com segurança em 2001, como aperfeiçoava cada efeito, voz e som dentro de um propósito ainda mais criativo, amplo. Última obra acompanhado pelo músicos do Realismo Fantástico, o álbum perverte a timidez instalada em Cinema Auditivo, como se o músico enveredasse na curva suingada de Tarja Preta, e seguisse a partir desse ponto. Impulsionado por versos de efeito cotidiano (Carteiro de favela) e canções de teor político (Vai Querer?), Wado não esquece das composições de proposta acessível, princípio para aquilo que Se vacilar o jacaré abraça e Grande poder proclamam com verdadeiro acerto. Lado mais ensolarado da obra do artista, o disco condensa em 11 canções um efeito de expansão musical, como se guitarras, pianos e toda uma colagem de referências instrumentais circundassem a estética do compositor em um efeito de complemento aos discos passados. De significativa importância para o que foi e o que viria a ser a obra do músico pelos próximos anos, A Farsa do Samba Nublado veio também como um princípio para o que seria desenvolvido em poucos anos com o Fino Coletivo, projeto paralelo do músico e um dos projetos mais curiosos da década passada.

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Wado

#03. Terceiro Mundo Festivo
(2008, Independente)

Brazillian Eletro / Funk / Disco / Reggaeton / Afoxé“. Os gêneros instalados na capa de Terceiro Mundo Festivo anunciam: a proposta de Wado com o quarto disco solo seria outra. Além do tradicional passeio pelo Samba Rock com pitadas de Pop, ao alcançar o disco de 2008, o músico alagoano deu início a uma das fases mais importantes da carreira. Brincando com o conceito de resgatar elementos das periferias – do Brasil ou de outros países de terceiro mundo -, o compositor encontrou um cardápio ainda mais rico de referências a serem testadas e expostas ao público, efeito claro na estrutura de Reforma Agrária do Ar ou no clima acalentado de Fortalece Aí. Musicalmente amplo, o disco prende com entusiasmo ainda maior no que tange a construção dos versos. Ora entregue ao romantismo (Melhor), ora provocante (Teta), Wado parece romper em completude as pequenas doses de timidez até então instaladas nos primeiros discos, definindo o álbum como uma obra carregada de verdadeiro suingue e um curioso clima dançante que se espalha com leveza até o fim da obra. Disponível para download gratuito no site do cantor, o álbum trouxe no formato SMD e no custo de R$5,00 uma alternativa para baratear custos e chegar de forma expressiva até o público.

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Samba 808

#02. Samba 808
(2011, Independente)

Uma bateria eletrônica Roland-TR 808, um time imenso de convidados e Wado daria uma nova cara ao Samba – ou qualquer outro estilo que passasse por suas mãos. Sexto registro em estúdio do músico alagoano, Samba 808 traz na base eletrônica, vocais carregados de autotune e pequenas interferências experimentais o efeito necessário para, mais uma vez, distanciar o cantor de qualquer possível zona de conforto. Enquanto guitarras abrandadas, sintetizadores e batidas ditam com parcimônia os rumos da obra, as vozes de Marcelo Camelo (Com A Ponta dos dedos), Fábio Góes (Jornada), Curumin (Esqueleto) e Chico Cézar (Surdos Da Escola de Samba) assumem confortavelmente um efeito de complemento para o trabalho. Ora ambientado em um cenário de composição melancólica (Vai Ver), ora desenvolvido para a dança (Não Para), o registro parece trazer de volta uma série de marcas instaladas nos primeiros discos do cantor, porém, agora em uma interpretação sintética de seu próprio criador, kraftwerkiana por vezes. Futurístico e nostálgico na mesma proporção, Samba 808 serviu para apresentar o trabalho de Wado a uma nova geração de ouvintes, sendo um misto de extensão dos álbuns anteriores e um exercício de reformulação natural para a obra do músico.

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Atlântico Negro

#01. Atlântico Negro
(2009, Independente)

O ano de 2009 trouxe um acréscimo significativo para a consolidação da nova música nacional. Céu apresentou ao público a letargia de Vagarosa, Cidadão Instigado mergulhou nas viagens lisérgicas de Uhuuu!, e até Otto assumiu com acerto os próprios dramas em Certa Manhã Acordei De Sonhos Intranquilos. No meio desse universo criativo, que ainda consolida Lucas Santtana (Sem Nostalgia), Pullovers (Tudo que eu sempre sonhei), Rômulo Fróes (No chão, Sem O Chão) e estreia de Emicida, Oswaldo Schlikmann Filho, o Wado, fez de Atlântico Negro sua obra mais completa e plural. Sequência natural aos sons acumulados em Terceiro Mundo Festivo (2008), o disco expande a relação do cantor com os diferentes gêneros musicais e poéticos, inaugurando no teor conceitual do registro uma obra que dança de forma particular entre as essências da Africa e das Américas.

Apoiado em melodias de caráter acessível, quase pop, o disco soluciona em faixas como Hercílio Luz, Frágil e Pavão Macaco um efeito que amplia a proposta prévia do músico, amenizando vozes e instrumentos em um agrupado plenamente conciso, criativo musicalmente. Mais do que se entregar ao jogo radiofônico dos sons, Wado resgata de forma particular as incorporações expostas nos três primeiros discos, favorecendo ao afoxé (Cordão de Isolamento), samba (Martelo de Ogum) e até certa dose de eletrônica (Boa tarde, povo) dentro de uma linguagem desconcertante e ainda assim atrativa. Cercado por um time grandioso de colaboradores (base para a proposta dos lançamentos seguintes), o músico desfila com um catálogo acalentado da canções, faixas de composição intimista e expansiva na mesma medida, mas que acima de tudo definem a passagem de Wado pela música nacional.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.