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Crítica

Black Alien

: "Abaixo de Zero: Hello Hell"

Ano: 2019

Selo: Extrapunk Extrafunk

Gênero: Hip-Hop, Rap, R&B

Para quem gosta de: Rodrigo Ogi e Criolo

Ouça: Que Nem o Meu Cachorro e Carta Pra Amy

8.6
8.6

“Abaixo de Zero: Hello Hell”, Black Alien

Ano: 2019

Selo: Extrapunk Extrafunk

Gênero: Hip-Hop, Rap, R&B

Para quem gosta de: Rodrigo Ogi e Criolo

Ouça: Que Nem o Meu Cachorro e Carta Pra Amy

/ Por: Cleber Facchi 26/04/2019

Esse é o retorno do cretino / Dos clássicos, hits, hinos e o bolso cheio de pino“. A rima crua explícita logo nos primeiros minutos de Área 51, música de abertura de Abaixo de Zero: Hello Hell (2019, Extrapunk Extrafunk), diz muito sobre o caminho percorrido por Gustavo de Almeida Ribeiro no terceiro álbum de estúdio como Black Alien. Sequência ao bem-recebido Babylon By Gus – Vol. II: No Príncipio Era O Verbo (2015), primeiro registro de inéditas do rapper carioca após um longo hiato de mais de uma década, o presente álbum costura passado e presente de forma sempre provocativa, partindo de experiências particulares do artista para dialogar com temas externos.

Exemplo disso está na profunda versatilidade que invade as rimas em Carta pra Amy. Enquanto reflete sobre a própria relação com o vício em drogas e o permanente processo de reabilitação (“Vencer a mim mesmo é a questão, questão que não me vence / Minha cabeça falante fala pra caralho / E, aí, my talking head stop making sense“), o rapper estabelece pequenos diálogos conceituais com diferentes personalidades do mundo da música. De Amy Winehouse, exaltada no título da canção, passando por Kurt Cobain e Nina Simone, interessante notar como o Black Alien utiliza desses diferentes personagens para discutir o peso da fama e a passagem do tempo de forma sempre provocativa, honesta.

São versos ora metafóricos, ora deliciosamente explícitos, estrutura que orienta a experiência do ouvinte até o último instante da obra. “O cochilo da tarde é meu xodó do momento / Nem quica, a vida é tombo em pista de cimento / ‘Black Alien já vai tarde, já passou o seu momento’ / Significa que o cidadão não tem conhecimento“, reflete de maneira ácida em Que Nem o Meu Cachorro, música que sintetiza de forma natural parte da estrutura poética que serve de sustento ao disco. Um misto de passado e presente, como se o rapper fosse do momento de maior instabilidade emocional e física ao presente processo de redenção.

Em Jamais Serão, oitava composição do disco, um olhar curioso sobre o atual cenário cenário político e social do Brasil. “O que eu penso de verdade é / Presidentes são temporários / Meu despertar, temporão / Música boa é pra sempre / E esses otários jamais serão“, provoca enquanto pianos e uma base cíclica apontam para um cenário à meia luz, sempre soturno. A mesma riqueza na composição dos versos se faz evidente em Take Ten, música que mergulha em um universo de referências jazzísticas, elementos da cultura pop e conflitos pessoais, como uma tradução poética da mente turbulenta do artista — “Meu fígado não concordou com meu estilo de vida / Meu cérebro acordou, tirou meu bloco da avenida / Um-nove-nove-três, primeiro rapper da cidade / Dois mil e dezenove, poucos rappers dessa idade“.

Dos poucos momentos em que rompe com essa estrutura, Black Alien encontra nos próprios sentimentos o principal componente criativo para o fortalecimento da obra. “Te olho, você me olha, se molha, se molha / Vou a pé, vou na fé, no café / Mas, meu bem, quando é que você vem me dar aquele chá? / Vem que vem de marcha a ré, descendo, deixa solto“, rima em Vai Baby, música em que se entrega à lascívia dos versos, revelando a completa entrega do eu lírico. O mesmo direcionamento romântico acaba se refletindo Au Revoir. A diferença está na forma como a melancolia ganha forma e cresce, jogando com a incerteza dos relacionamentos — “Ela é o meu próximo céu, meu próximo inferno / Ela é o meu próximo hell / Amor eterno só materno / E o que é familiar num quarto de motel?“.

Primeiro registro sem a contribuição do produtor e parceiro de longa data Alexandre Basa, Abaixo de Zero: Hello Hell estabelece na forte interferência do conterrâneo Papatinho (ConeCrewDiretoria) um importante elemento de transformação para a carreira do rapper carioca. Trata-se de uma obra que preserva a essência dos antigos trabalhos de Black Alien, porém, se permitindo provar de novas possibilidades, vide a rica tapeçaria melódica que cobre toda a superfície do registro. São variações instrumentais que vão do jazz ao soul em uma linguagem clássica, estrutura que perverte os clichês e exageros de outras obras recentes, sufocadas pela comercialização massiva do trap e demais fórmulas eletrônicas.


Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.