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Crítica

O Terno

: "Atrás/Além"

Ano: 2019

Selo: Risco

Gênero: Rock, Pop Rock

Para quem gosta de: Garotas Suecas e Maglore

Ouça: Volta e Meia, O Bilhete e Pegando Leve

8.6
8.6

“Atrás/Além”, O Terno

Ano: 2019

Selo: Risco

Gênero: Rock, Pop Rock

Para quem gosta de: Garotas Suecas e Maglore

Ouça: Volta e Meia, O Bilhete e Pegando Leve

/ Por: Cleber Facchi 29/04/2019

Nostalgia da novidade, saudades do futuro“. A dualidade explícita nos versos de Passado / Futuro, penúltima composição de Atrás/Além (2019, Risco) sintetiza com naturalidade a relação de Tim Bernardes (voz, pianos, guitarra) com a passagem do tempo, alicerce criativo para grande parte das canções presentes no quarto álbum de estúdio do grupo paulistano O Terno. Sequência ao bem-sucedido Melhor Do Que Parece (2016), o trabalho completo pela presença de Biel Basile (bateria) e Guilherme D’Almeida (baixo) encontra em memórias de um passado ainda recente, conflitos existencialistas e na melancolia da vida adulta um doloroso exercício temático. Conceito que não apenas traduz as principais angústias de seus realizadores, como dialoga diretamente com o ouvinte.

Quero descansar, mas também quero sair / Quero trabalhar, mas quero me divertir / Quero me cobrar, mas saber não me ouvir / Quero começar, mas quero chegar no fim“, canta em Pegando Leve, um olhar curioso sobre o inconstante fluxo do nosso tempo, a ausência de certeza que sufoca a geração millennial e a necessidade de amadurecer. Versos marcados pela constante sensação de deslocamento, conceito que vem sendo aprimorado pela banda desde o primeiro álbum de estúdio da carreira, 66 (2012), mas que alcança novo e delicado refinamento nas canções do presente álbum.

Marcado pela contemporaneidade do discurso, porém, mergulhado em fórmulas instrumentais que apontam para o pop de câmara dos anos 1960 e 1970, Atrás/Além dança através das décadas de forma curiosa, fazendo das emoções e vivências particulares de Bernardes um precioso elemento de conexão entre as faixas. Exemplo disso está em Nada / Tudo. Em meio a arranjos de cordas e melodias que parecem resgatadas de algum disco de Brian Wilson ou Scott Walker, o músico reflete sobre o distanciamento entre os indivíduos e as relações que prevalecem mesmo nesse período de forte instabilidade. “Nesses tempos de chegada, nesses tempos de partida / Aceitar a caminhada, não temer a despedida“, canta enquanto estabelece pequenos diálogos com Luiza Lian, Charles Tixier e demais colaboradores da cena paulistana – “Como é que vai, Vaquinho? Como é que vai, Luiza? / Como é, my brother Charlie? Salve, Tute, salve, Geeza“.

Uma vez dentro desse território guiado pelas próprias emoções, Bernardes estabelece uma série de pontes criativas com o material entregue no primeiro álbum de estúdio em carreira solo, o delicado Recomeçar (2017). É o caso da agridoce Volta e Meia. “Tenho medo de ainda gostar de você / O que eu fiz não me dá chances de me arrepender / Tomo um susto ainda quando acordo sem ninguém / Prefiro pensar que tudo bem“, canta em meio a arranjos detalhistas que se completam com os versos bilíngues dos convidados Devendra Banhart e do multi-instrumentista japonês Shintaro Sakamoto. Um doloroso exercício de olhar para trás e, ao mesmo tempo, seguir em frente, conceito também detalhado no romantismo triste de Para Sempre Será (“Hoje sozinho me cuido pra não me enganar / Daquele primeiro amor não vou nunca esquecer“) e na própria faixa-título do disco (“Quem sabe um dia eu te encontro por aí / Será que ainda vai lembrar de mim?“).

Em O Bilhete, nona canção do disco, o mesmo sentimentalismo nostálgico, porém, partindo da delicada interpretação de uma personagem. Trata-se de uma historieta romântica, com Bernardes narrando a experiência de uma garota que reencontrou um bilhete deixado por um antigo amor. Surgem ainda preciosidades como Bielzinho / Bielzinho, uma divertida homenagem ao parceiro de banda que parece pensada para as apresentações ao vivo do grupo. Nada que prejudique a sobriedade da obra, detalhamento evidente na poesia madura de Profundo / Superficial (“Triste geração que pode tudo / Quando tudo ficou tão banal? / Se afogou no raso, procurando / Profundo no superficial“) e que segue até os últimos versos da derradeira E No Final (“Será que existe um fim pro meio poder descansar?“).

Verdadeira soma de pequenos acertos, Atrás/Além compila e amplia parte das experiências que vem sendo detalhadas pelos integrantes d’O Terno ao longo dos últimos anos. Trata-se de uma verdadeira reciclagem criativa, conceito que agrada pela forte sensação de acolhimento imposta pelas melodias e versos, mas que invariavelmente revela uma série de pequenos vícios de seu realizador. É como se ouvinte desse voltas dentro do mesmo universo temático que aproxima Melhor Do Que Parece de Recomeçar, estrutura que facilmente sucumbiria ao autoplágio nas mãos de um artista menor, mas que convence pela forma como Tim Bernardes continua a reformular e tensionar as própria ideias.


Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.