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Crítica

Caetano Veloso / Ivan Sacerdote

: "Caetano Veloso & Ivan Sacerdote"

Ano: 2020

Selo: Uns Produções / Universal Music

Gênero: Samba, MPB, Bossa Nova

Para quem gosta de: Gilberto Gil e João Gilberto

Ouça: Você Não Gosta de Mim e Aquele Frevo Axé

8.0
8.0

Caetano Veloso e Ivan Sacerdote: “Caetano Veloso & Ivan Sacerdote”

Ano: 2020

Selo: Uns Produções / Universal Music

Gênero: Samba, MPB, Bossa Nova

Para quem gosta de: Gilberto Gil e João Gilberto

Ouça: Você Não Gosta de Mim e Aquele Frevo Axé

/ Por: Cleber Facchi 22/01/2020

Não é de hoje que Caetano Veloso tem encontrado no reducionismo dos elementos um importante componente criativo para o fortalecimento da própria obra. Cria de João Gilberto, o cantor o compositor baiano continuamente tem alternado entre registros de essência volumosa e trabalhos marcados pela economia dos arranjos, caso de preciosidades como Muito (Dentro da Estrela Azulada) (1978) e Circuladô (1991), ou mesmo o ainda recente Ofertório (2018), álbum gravado ao vivo em que divide o palco ao lado dos filhos Tom, Zeca e Moreno Veloso. Instantes de propositada contemplação que ganham novo significado no bem-sucedido encontro entre o artista de Santo Amaro e o clarinetista carioca Ivan Sacerdote.

Concebido e lançado sem grandes expectativas, o trabalho gravado entre Salvador e Nova York encontra no enxuto repertório de apenas nove faixas, todas compostas pelo músico baiano, a passagem para um dos registros mais sensíveis de Caetano na última década. Longe do repertório habitual que encabeça algumas de suas coletâneas mais conhecidas, vide a fuga de músicas como Odara, Beleza Pura e Menino do Rio, o veterano da Tropicália passeia por entre as brechas da própria obra, resgatando canções pouco lembradas ou mesmo faixas nunca antes registradas em estúdio.

É o caso de Você Não Gosta de Mim. Originalmente lançada em 1998, como parte do álbum Aquele Frevo Axé, de Gal Costa, a canção de essência melancólica aponta a direção seguida pelos dois instrumentistas durante toda a execução da obra. “Você não gosta de mim / Que novidade infeliz / O seu corpo me diz / Pelos gestos da alma“, confessa o músico baiano enquanto o clarinete de Sacerdote ganha forma em meio a bafejadas sutis, sempre sensíveis, como um complemento aos versos e melodias econômicas que se entrelaçam até a faixa de encerramento do disco, Manhatã.

Uma vez imerso nesse ambiente marcado pela economia dos arranjos, mesmo criações icônicas, como Aquele Frevo Axé, ganham novo significado dentro do contexto da obra. São frações instrumentais que se revelam ao público em pequenas doses, sem pressa, como um complemento direto ao lirismo melancólico que serve de sustento aos versos. “Nosso amor não vai sumir / Veja onde a gente se achou / Estrelas já vão luzir / Na noite da baía preta / Queria tanto você aqui“, canta. A própria faixa de abertura do disco, Peter Gast, parte do cultuado Uns (1983), parece maior quando regida pelo sopro de Sacerdote, reforçando o aspecto intimista que embala a poesia de Caetano.

Claro que esse propositado reducionismo da obra não interfere na entrega de faixas marcadas pelo aspecto radiante dos temas. Exemplo disso está na sequência formada por Onde o Rio é Mais Baiano e Desde Que o Samba é Samba, essa última, uma das canções mais regravadas do músico baiano. Parte dessa evidente mudança de direção vem da interferência direta do carioca Mosquito, com quem Caetano divide parte dos versos. Do movimento ritmado do violão ao uso complementar da voz, tudo soa como uma fuga breve do restante do álbum, transportando o ouvinte para um novo território criativo.

Livre de qualquer traço de urgência, como uma fuga declarada de possíveis excessos, o encontro entre Caetano e Sacerdote utiliza desse propositado reducionismo como estímulo para a entrega de uma obra que parece maior a cada nova audição. Canções há muito desvendadas por quem há tempos tem mergulhado na extensa discografia do músico baiano, porém, tratadas a partir de um novo direcionamento estético, estrutura que naturalmente faz lembrar do também colaborativo Gilbertos Samba (2014), encontro entre o violão de Gilberto Gil com a percussão de Domenico Lancellotti. Um misto de passado e presente, resgate e fina transformação, minúcia que se reflete até o último instante do disco.


Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.