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Crítica

Céu

: "APKÁ!"

Ano: 2019

Selo: Slap

Gênero: MPB, Eletrônica, Chillout

Para quem gosta de: Tulipa Ruiz e Gal Costa

Ouça: Coreto, Corpocontinente e Rotação

8.6
8.6

Céu: “APKÁ!”

Ano: 2019

Selo: Slap

Gênero: MPB, Eletrônica, Chillout

Para quem gosta de: Tulipa Ruiz e Gal Costa

Ouça: Coreto, Corpocontinente e Rotação

/ Por: Cleber Facchi 20/09/2019

Sintetizadores trabalhados de forma atmosférica, batidas econômicas e o aceno leve: “Olá, como vai você?“, questiona a voz em tom acolhedor, ainda que consumida pela saudade. Em um intervalo de poucos segundos, Céu sutilmente transporta o ouvinte para dentro do quinto álbum de estúdio da carreira, APKÁ! (2019, Slap). Sequência ao elogiado Tropix (2016), obra em que se permite provar de referências eletrônicas, rumando em direção ao pop dos anos 1970, o novo disco preserva a essência nostálgica do registro que o antecede, porém, aporta em diferentes campos conceituais. São melodias empoeiradas e instantes de doce contemplação que não apenas dialogam, como resgatam a essência romântica de diferentes obras produzidas na década de 1980.

Perfeita representação desse cuidado da cantora em revisitar o passado se faz evidente logo nos primeiros minutos do disco, na agridoce Coreto. Concebida em meio a batidas minimalistas, ruídos e sintetizadores pontuais, a canção composta com Gal Costa em mente utiliza da incerteza do amor como um estímulo para a lenta sobreposição dos arranjos. “Teu coração, já nos provou não ter sustento / Pra suportar a erupção / De uma voz incandescente como as lavas de um vulcão / Mas você petrificou, tudo, tudo que queimava“, canta enquanto prepara o terreno para o refrão quase caricatural que cita uma das principais rádios de São Paulo e sua tradicional programação romântica — “Tô cantando mais que nunca / O que aflora, eu quero ser a sua trilha / Quero tocar na sua rádio / Alfa by night“.

Curioso notar que mesmo imerso em um ambiente conceitualmente temático, APKÁ! talvez seja o trabalho mais versátil da artista desde o homônimo debute, em 2005. Se em Vagarosa (2009) a cantora paulistana parecia provar de elementos do reggae, flertando com a psicodelia brega no sucessor Caravana Sereia Bloom (2012), com o presente disco, Céu transita por entre gêneros de forma deliciosamente coesa. Do pop rock eletrônico que toma conta de Forçar o Verão, passando pela quentura tropical de Nada Irreal, música que parece saída de Tropix, cada composição do disco transporta o ouvinte para um novo território criativo.

A mesma versatilidade acaba se refletindo na forma como Céu trabalha os próprios sentimentos no decorrer da obra. Se em instantes músicas como Corpocontinente (“E a saudade só se faz / Quando a soma de dois / Resulta em um / Sentido só pra nós“) e Off (“Mas você foi tão chinfrim e pagou tão caro / Para me esquecer e ficar off“) refletem a completa tristeza da cantora, faixas como Rotação (“Quero dançar pra você / Quero girar e sentir / Tudo ao redor se mexer / Quero girar e cair / Sem sentir que isso é perder“) e Ocitocina (“Não me lembro de medo / Do renascer poente / Que tava a minha espera / Ao encontro do meu presente / Você“), detalham o oposto. É como se a artista explorasse todos os espectros da vida amorosa, indo da doce melancolia à completa entrega sentimental.

Em meio a esse universo de reverberações confessionais, preciosidades como Pardo, música composta por Caetano Veloso, mas que se completa pela breve interferência de Seu Jorge no vocal de apoio. “Sou pardo e não tardo a sentir me crescer o pretume / Sou pardo e me ardo de amores por ti sem ciúme“, confessa enquanto a guitarra Pedro Sá encolhe e cresce a todo instante, correndo por entre as brechas dos sintetizadores de Hervé Salters e a percussão minuciosa de Pupillo, com que Céu tem trabalhado desde o último disco. Surgem ainda músicas como Make sure your head is above, criação de Dinho Almeida, da Boogarins, e a derradeira Eye Contact, faixa completa pela produção da dupla Tropkillaz.

Menos urgente em relação ao material entregue nos últimos trabalhos da cantora, APKÁ! nasce como um convite a se perder em um universo particular. São melodias e vozes que se revelam ao público em pequenas doses, sem pressa, borbulhando ambientações sintéticas e poemas de (des)amor. Do título inspirado pelo grito balbuciado pelo pequeno Antonino, segundo filho da artista, nos momentos de maior satisfação, passando pela escolha no time de músicos e compositores, tudo gira em torno das experiências intimistas de sua realizadora. A própria imagem de capa do disco, uma fotografia em close de Érico Toscana, serve de passagem para esse cenário de emanações pessoais. Cada vez mais fundo, mergulhando nos sentimentos e na mente de Céu.


Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.