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Crítica

Dawn Richard

: "Second Line"

Ano: 2021

Selo: Merge

Gênero: R&B, Eletrônica, Pop

Para quem gosta de: Kelela, Empress Of e ABRA

Ouça: Bussifame e Nostalgia

7.8
7.8

Dawn Richard: “Second Line”

Ano: 2021

Selo: Merge

Gênero: R&B, Eletrônica, Pop

Para quem gosta de: Kelela, Empress Of e ABRA

Ouça: Bussifame e Nostalgia

/ Por: Cleber Facchi 14/05/2021

Embora tenha feito uma carreira em Los Angeles, quando ainda se apresentava com o Danity Kane, e passado grande parte da vida adulta em Baltimore, Maryland, Dawn Richard sempre manteve uma forte relação com cidade de Nova Orleães, onde cresceu. De fato, parte expressiva dos trabalhos da artista em carreira solo passam pela cidade. Do diálogo com produtores locais à colorida mistura de ritmos que tradicionalmente define as criações da cantora, tudo parece apontar para o município costeiro da Louisiana. E é justamente inspirada por esse cenário que Richard apresenta ao público o fino repertório de Second Line (2021, Merge), obra em que passeia em meio a memórias de um passado ainda recente e fragmentos poéticos em que busca desvendar a própria identidade.

Não por acaso, Richard inaugura o disco com Nostalgia. Passado interlúdio em King Creole, canção em que evoca a própria herança crioula, a cantora se joga nas pistas em uma combinação de ritmos que rapidamente convidam o ouvinte a dançar. “Eu quero aqueles dias de volta“, confessa enquanto a produção minuciosa de Ila Orbis, parceiro em parte expressiva da obra, corre ao fundo do registro. São camadas de sintetizadores e temas eletrônicos que vão da club music da década de 1990 ao R&B dos anos 2010 de forma sempre provocativa, quente, produto da criativa sobreposição de ideias que resgata o que há de melhor no som explorado em Blackheart (2015) e Redemptionheart (2016), porém, preservando o frescor e caráter acessível explícito no antecessor New Breed (2019). 

E isso fica ainda mais explícito minutos à frente, na já conhecida Jacuzzi. Enquanto a base da canção transita por entre ritmos de forma deliciosamente versátil, lembrando a sonoridade abrasiva de artistas como Rihanna e SZA, nos versos, a cantora se entrega ao sexo. “Então você não vai gotejar como eu? / Sinta-se apressado como eu / Peguei você a toda velocidade / Quente como um jacuzzi“, canta. A própria Bussifame, logo na abertura do disco, utiliza de uma abordagem bastante similar. Instantes em que artista vai do canto à rima em um intervalo de poucos segundos, proposta que naturalmente faz lembrar de veteranas como Mary J. Blige, porém, preservando a essência de Richard, conceito reforçado na produção frenética de Sam O.B., com quem também divide parte das faixas.

Claro que essa maior urgência no processe de composição da obra não interfere na produção de músicas marcadas pelo completo reducionismo das batidas e forte caráter sentimental explícito na formação das letras. Exemplo disso acontece Mornin | Streetlights, décima faixa do disco. Mais uma vez acompanhada de Ila Orbis, Richard canta: “Toda vez que você acordar / Eu quero que você saiba disso / Eu sou o único café que você precisa“. São versos que se dividem entre a angústia e a celebração ao amor, dualidade que embala os trabalhos da artista desde a. estreia com Goldenheart (2013). Um exercício de profunda entrega sentimental, conceito que acaba se refletindo em diversos outros momentos ao longo da obra, como Le Petit Morte (A lude) e a densa Perfect Storm.

Se por um lado essa busca por novas possibilidades rítmicas e poéticas garante ao disco uma maior pluralidade de ideias, por outro, o excesso de canções compromete a experiência do ouvinte. O próprio uso dos interlúdios, gerados a partir de conversas entre a cantora e a mãe, Debbie Richard, se articula de maneira desajustada na maior parte do tempo, atravessando ou fechando composições que tematicamente pouco se relacionam com o universo conceitual da obra. É como se Richard seguisse o caminho oposto ao material entregue em A Seat at The Table (2016), de Solange, onde os diálogos com a mãe e pai da artista, Tina e Mathew Knowles, não apenas servem de passagem, como complementam e engrandecem parte dos temas incorporados dentro de cada faixa.

Entretanto, como indicado ao longo da obra, Second Line é um exercício puramente pessoal e autoindulgente de Richard. Do título que faz referência aos desfiles que percorrem as ruas de Nova Orleães, ao sotaque carregado em músicas como Bussifame – uma aglutinação da frase “bust It for me“, algo como “arrase por mim“, em português –, tudo gira em torno das experiências e forte relação da artista com a cidade de origem. Mesmo a capa do disco, como um croqui, nasce de uma tentativa da cantora em trazer contornos futurísticos à estética e figurino local. Um experimento particular e talvez desequilibrado, mas que em nenhum momento deixa de dialogar com o ouvinte, efeito direto de uma artista com quase duas décadas de carreira e que sabe exatamente onde quer chegar.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.