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Crítica

Djonga

: "Nu"

Ano: 2021

Selo: Ceia Ent.

Gênero: Hip-Hop, Rap, Trap

Para quem gosta de: Baco Exu do Blues e Filipe Ret

Ouça: Nós, Eu e Ricô

8.0
8.0

Djonga: “Nu”

Ano: 2021

Selo: Ceia Ent.

Gênero: Hip-Hop, Rap, Trap

Para quem gosta de: Baco Exu do Blues e Filipe Ret

Ouça: Nós, Eu e Ricô

/ Por: Cleber Facchi 24/03/2021

Eu sei o quanto eu sou sujo, mesquinho, avarento, invejoso, irado, desconfiado e qualquer coisa a mais que ‘cê possa botar. Covarde, entendeu? Mentiroso. Eu conheço, acontece que eu não gosto“. Extraído do documentário Rogério Duarte, o Tropikaoslista (2015), de Walter Lima, o trecho que encerra o novo álbum de Djonga, Nu (2021, Ceia Ent.), funciona como uma representação exata de tudo aquilo que o rapper mineiro busca desenvolver ao longo do trabalho. São canções que preservam a essência errática do artista belo-horizontino, celebram conquistas, excessos e histórias de superação, mas que em nenhum momento sufocam pela vaidade do próprio realizador. Instantes em que somos confrontados pela mesma rima crua explícita em obras como Heresia (2017) e O Menino Que Queria Ser Deus (2018), porém, partindo de um evidente exercício de amadurecimento pessoal.

Sequência ao material entregue no ainda recente Histórias da Minha Área (2020), Nu, assim como os registros que o antecedem, diz a que veio logo na introdutória Nós. São pouco mais de três minutos em que o rapper parte de uma abertura melancólica (“A gente nasce sozinho e morre sozinho / A gente nasce sozinho e morre sozinho“), citando Emicida, porém, estabelece no minucioso cruzamento das rimas o estímulo para capturar a atenção do ouvinte. “Outro dia acordei herói, dormi inimigo / Mais que a buceta das Kardashian, eu sou perseguido / Falam de reinserção, mas agem igual polícia / Nem me olham no olho, novão olha pro próprio umbigo“, reflete em meio a versos em que discute o próprio cancelamento e comentários recebidos após uma apresentação lotada no Rio de Janeiro, em dezembro do último ano, durante um dos momentos mais críticos da pandemia de Covid-19.

Esse mesmo olhar sobre o próprio presente acaba se refletindo na música seguinte, Ó Quem Chega. Enquanto as batidas de Coyote Beatz ganham forma aos poucos, Djonga dispara: “Olha o vacilão, já avistei de longe / Nem viu meu passado e quer viver o agora / Disse que é relíquia, eu só não sei de onde / Vou matar esses caras da melhor forma“. Instantes em que o rapper utiliza das próprias experiências para mostrar como a sociedade pune sem qualquer chance de redenção a população negra, porém, preservando as elites brancas. “Alvo sem ser Dumbledore / Talvez por isso nós é Severo / Confundem guarda-chuvas com fuzil / E falam que é eu que exagero“, completa em meio a citações a Harry Potter e trechos em que resgata a história de Rodrigo Alexandre da Silva Serrano, assim como outros moradores da periferia, morto pela polícia por ter um guarda-chuva confundido com um fuzil.

Uma vez imerso nesse cenário, Djonga alterna entre momentos de maior crueza e canções consumidas pela parcial leveza das rimas. Exemplo disso acontece em Dá pra Ser?, sexta faixa do disco. De essência romântica, a canção nasce como uma fuga do restante da obra, porém, estabelece na construção dos versos a mesma poesia detalhista do artista mineiro. “Mamãe tá gostando de te chamar de nora / Montou um apê na minha mente, é lá que ela mora / Namorar no mar pelado, ela acha mara / Conta as estrela’ bem louco, disse que adora“, rima. Esse mesmo esmero e evidente entrega sentimental pode ser percebida em Me Dá a Mão, composição em que se aprofunda em conflitos pessoais. “Acelerei demais e me perdi na curva / Pus coração na mesa, era pra ter razão / Nem nos tempos de paz eu quis fugir da luta / Procurei luz, procurei luz na escuridão“, confessa.

Interessante perceber em Ricô, quinta música do álbum, um ponto de equilíbrio entre esses dois extremos da obra. São pouco menos de quatro minutos em que Djonga parte das próprias conquistas (“Abram alas, o rei do camarote está na casa / Num é nada pé no chão, mas quer Red Bull pra dar asa / Sabe aquele marroquino? Bola outro e manda brasa“), porém, sempre preservando o direcionamento político que rege a obra, conceito reforçado pelas rimas do convidado Doug Now (“Passando um filme de como entrei nessa / Vi que no fim é uma grande piada / A velha piada de quem que quer tudo / E no fim de tudo, acaba sem nada“). Mesmo a base instrumental da canção segue um caminho oposto em relação ao restante do álbum, rompendo com o caráter excessivamente homogêneo que embala as criações do rapper desde a estreia com Heresia.

Feito para ser absorvido da primeira à última faixa, sem pausas, Nu reflete a mesma urgência explícita em Ladrão (2019), terceiro álbum de inéditas do rapper, porém, se permite provar de novas possibilidades dentro de estúdio. Da criativa colisão de ritmos que toma conta da já citada Ricô, passando pela seleção dos samples que complementam as rimas na derradeira Eu, tudo soa como um precioso ponto de renovação na carreira do artista. Mesmo o número reduzido de músicas, evitando possíveis exageros, como a terrível Procuro Alguém, uma das piores composições do registro anterior, evidencia o completo domínio de Djonga em relação ao próprio trabalho. Afinal, o que era para fazer parte do disco já está dentro dele e nenhum fragmento a mais.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.