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Crítica

Dry Cleaning

: "New Long Leg"

Ano: 2021

Selo: 4AD

Gênero: Pós-Punk, Art Rock, Rock Alternativo

Para quem gosta de: Savages, Squid e Porridge Radio

Ouça: Scratchcard Lanyard e Her Hippo

8.3
8.3

Dry Cleaning: “New Long Leg”

Ano: 2021

Selo: 4AD

Gênero: Pós-Punk, Art Rock, Rock Alternativo

Para quem gosta de: Savages, Squid e Porridge Radio

Ouça: Scratchcard Lanyard e Her Hippo

/ Por: Cleber Facchi 14/04/2021

A grande beleza do som produzido pelo Dry Cleaning sempre esteve na linguagem contrastante que marca as criações do grupo inglês. São guitarras e ruídos metálicos que se espalham em meio a batidas essencialmente tortas, como um contraponto à voz sóbria e quase inalterada de Florence Shaw. Instantes em que o quarteto, completo pelos músicos Nick Buxton (bateria), Tom Dowse (guitarra) e Lewis Maynard (baixo), vai de encontro ao som produzido por veteranos como Sonic Youth, Pixies e Television, porém, preservando a própria identidade criativa, conceito bastante explícito durante o lançamentos dos introdutórios Sweet Princess (2019) e Boundary Road Snacks and Drinks (2019), mas que ganha ainda mais destaque com a chegada de New Long Leg (2021, 4AD).

Regido em essência pela poesia descritiva de Shaw, o primeiro álbum de estúdio do Dry Cleaning passeia pela noite, incorpora o tédio do cotidiano e discute as angústias vividas pela compositora inglesa de forma tão intimista quanto provocativa e sarcástica. Canções quase imagéticas, como se a cantora detalhasse desde a textura das paredes ao cheiro de perfume das pessoas com quem esteve envolvida. “Braços fracos não podem abrir a porta, cancelar o Kung Fu / Vai ficar tudo bem, só preciso estranhar e me esconder um pouco e comer um sanduíche velho da minha bolsa“, canta na introdutória Scratchcard Lanyard, música que reflete a sensação de deslocamento do eu lírico, proposta que embala a experiência do ouvinte até a canção de encerramento, Every Day Carry.

É como se a cantora incorporasse os mesmos elementos e estruturas narrativas detalhadas por Kim Gordon na segunda metade dos anos 1980, porém, partindo de uma linguagem deliciosamente atualizada. Enquanto a integrante do Sonic Youth trabalhava as próprias composições em cima da base instável do grupo nova-iorquino, conceito bastante explícito em músicas como Shadow of a Doubt e Pacific Coast Highway, Shaw utiliza de uma abordagem melódica e rítmica. São fragmentos de vozes e poemas cíclicos que se conectam diretamente aos temas instrumentais costurados pelos parceiros de banda. O resultado desse processo está na entrega de uma obra essencialmente homogênea, como se cada elemento fosse pensado em conjunto pelo Dry Cleaning.

Exemplo disso pode ser percebido na própria faixa-título do disco. Do uso calculado das vozes de Shaw, como um instrumento que encolhe e cresce ao longo da canção, passando pelas guitarras de Dowse à linha de baixo de Maynard, cada componente do registro parece pensado para conduzir a experiência do ouvinte. Mesmo Unsmart Lady, logo na abertura do trabalho, evidencia parte desse direcionamento. Instante em que a vocalista preserva a poesia descritiva do restante da obra, porém, segue o movimento dos parceiros de banda. E isso se reflete em outros momentos ao longo do álbum. Canções como John Wick, More Big Birds e a inquietante Strong Feelings, em que o ouvinte é convidado a se perder em um labirinto conceitual que muda de direção a todo instante.

É justamente essa forte aproximação entre as faixas que torna os momentos de maior instabilidade e ruptura de New Long Leg tão interessantes. É o caso da já citada música de encerramento do álbum, Every Day Carry. São pouco mais de sete minutos em que o quarteto parece testar os próprios limites dentro de estúdio. Mesmo que a voz de Shaw permaneça imutável, como um bloco frio de mármore, camadas de guitarras, ruídos e quebras ocasionais mudam os rumos da obra. Rachaduras e curvas breves que surgem durante toda a execução do disco, como respiros instrumentais e poéticos que trazem de volta parte do caráter anárquico explícito em Sweet Princess, Boundary Road Snacks and Drinks e toda a série de canções previamente apresentadas pela banda inglesa.

Tamanha riqueza de detalhes e busca por novas possibilidades faz de New Long Leg um álbum singular, como uma parcial fuga da estrutura formulaica, padrões e temas explorados por outros nomes recentes da cena inglesa, vide os últimos lançamentos de artistas como Shame e Idles. Parte desse resultado vem do claro desejo do quarteto em incorporar elementos além-mar, como uma tentativa de abraçar o obra de veteranos da produção norte-americana dos anos 1980 e 1990. Canções que abraçam diferentes cenas e tendências, mas que em nenhum momento se distanciam das vivências de Shaw e das ambientações desconcertantes que escapam dos instrumentos de cada parceiro de banda, proposta que embala a experiência do ouvinte até on último segundo do registro.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.