Image
Crítica

Gabeu

: "Agropoc"

Ano: 2021

Selo: Independente

Gênero: Sertanejo, Pop

Para quem gosta de: Banda Uó, Kika Boom e Bemti

Ouça: Bailão, Sugar Daddy e Bem Te Vi

7.3
7.3

Gabeu: “Agropoc”

Ano: 2021

Selo: Independente

Gênero: Sertanejo, Pop

Para quem gosta de: Banda Uó, Kika Boom e Bemti

Ouça: Bailão, Sugar Daddy e Bem Te Vi

/ Por: Cleber Facchi 18/08/2021

Em um cenário historicamente dominado pelo forte discurso machista e homofobia disfarçada de humor, o trabalho de Gabriel Felizardo, o Gabeu, surge como um importante respiro criativo para a música sertaneja produzida no Brasil. Ainda que pareça destinado a um nicho bastante específico, em Agropoc (2021, Independente), o cantor e compositor paulista se concentra na produção de um repertório marcado pela universalidade do discurso. São canções de amor, romances fracassados e momentos de maior vulnerabilidade, estrutura que rompe com possíveis amarras do gênero ao encontrar no lirismo cômico um precioso componente de ruptura e construção da própria identidade.

Partindo de uma abordagem conceitual, em que emula uma estação de rádio no interior do país, Gabeu transita por entre estilos de forma tão nostálgica quanto atual. Exemplo disso acontece logo nos primeiros minutos da obra, em Sugar Daddy. Inaugurada pelo som empoeirado de uma viola caipira, metais e vozes de apoio, a faixa sustenta nos versos um elemento de diálogo com o presente. “Sugar daddy pra quê se eu tenho o meu dinheiro? / Eu não quero salário em troca do meu beijo / Pode ser Milionário ou até José Rico / Eu não vou cair na lábia de um herdeiro“, brinca. É como se o artista, sempre acompanhado pelo produtor Fabrício Almeida, revelasse ao público algumas de suas principais referências criativas, temas e preferências, apontando a direção seguida ao longo da obra.

E isso fica ainda mais evidente na composição seguinte, Bailão. Utilizando de um jogo de palavras que ressalta o uso da letra “r” – “Eu viro um, viro dois, viro três / Beijo um, beijo dois, beijo três” –, Gabeu entrega ao púbico uma faixa que parece pensada para grudar na cabeça do ouvinte logo em uma primeira audição, lembrando o sertanejo dançante do Grupo Tradição, Tchê Garotos e outros nomes de destaque que surgiram na segunda metade dos anos 1990. Parte desse resultado vem da influência direta de Luiz Felizardo, pai do cantor e um dos integrantes do Rionegro & Solimões. O próprio equilíbrio dado ao disco, alternando entre canções de (des)amor e letras cômicas, parece apontar para o ótimo O Amor Supera Tudo (1998), grande obra da dupla de Franca, no interior de São Paulo.

Claro que essa maior sutileza explícita no processo de composição do trabalho não interfere na produção de faixas totalmente diretas e talvez menos interessantes. É o caso da derradeira e já conhecida Amor Rural. “Vamos assumir o nosso amor rural / Larga essa enxada e pega no meu / Quero montar na sua cela / Cavalgar até ela“, canta. A própria versão para Cowboy, música originalmente lançada como parte do primeiro álbum da Banda Uó, Motel (2012), utiliza de uma abordagem bastante similar – “Cavalga em mim / Eu acho que eu mereço ser tratado assim“. São trocadilhos e jogos de palavras que, embora previsíveis, continuam a ecoar mesmo após o encerramento do disco.

Uma vez imerso nesse cenário marcado pelas possibilidades e criativa colagem de referências, Gabeu aproveita para estreitar a relação com diferentes colaboradores. É o caso da cantora, compositora e drag queen Reddy Allor, com quem divide a agridoce Queda d’Água, faixa que vai de encontro ao sertanejo universitário de artistas como Maria Cecília e Rodolfo. Minutos à frente, chega a vez do mineiro Bemti, na confessional Bem Te Vi, música que mais se distancia do restante da obra, mas que encanta pelo completo refinamento dado aos arranjos e versos. “Na minha janela me fazendo serenata / Foi quando eu bem te vi / Cantando um verso teu / E me compondo uma sonata“, detalha.

Nesse sentido, Agropoc assume todos os erros e acertos típicos de um registro de estreia. É como se cada composição servisse de passagem para um novo território criativo, sempre atrelado aos sentimentos e vivências do músico paulista. São fragmentos instrumentais e poéticos que confessam algumas das principais influências do cantor, transitam por diferentes estilos e sonoridades, porém, partindo de um precioso senso de ressignificação e construção da própria identidade, conceito que muito se assemelha ao ainda recente Batidão Tropical (2021), de Pabllo Vittar. Instantes em que Gabeu se revela por completo para o ouvinte e ainda prepara o caminho para os futuros trabalhos.

Ouça também:

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.