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Crítica

Gabrre

: "Tocar Em Flores Pelado"

Ano: 2020

Selo: Honey Bomb Records

Gênero: Pop Psicodélico, Bedroom Pop

Para quem gosta de: Boogarins e Catavento

Ouça: Verão de Novo e Mula Sem Cabeça

7.8
7.8

Gabrre: “Tocar Em Flores Pelado”

Ano: 2020

Selo: Honey Bomb Records

Gênero: Pop Psicodélico, Bedroom Pop

Para quem gosta de: Boogarins e Catavento

Ouça: Verão de Novo e Mula Sem Cabeça

/ Por: Cleber Facchi 03/11/2020

Em Tocar Em Flores Pelado (2020, Honey Bomb Records), primeiro álbum de estúdio do cantor e compositor gaúcho Gabriel Fetzner, o Gabrre, cada fragmento do registro estabelece no lirismo confessional um importante componente criativo para o fortalecimento da obra e imediato diálogo com o ouvinte. São delírios lisérgicos, o tédio que consome o cotidiano, romances e a permanente busca por libertação. Canções que partem da mente inquieta do músico original de Gramado, no Rio Grande do Sul, mas que parecem capazes de se adaptar ao contexto de qualquer jovem adulto, efeito direto do lirismo honesto que serve de sustento ao fino repertório entregue pelo artista.

Todos os dias são iguais / Aqui em Gramado / Mas se és jovem e ainda еstás me ouvindo / Tens sorte por que / É verão de novo“, canta na introdutória Verão de Novo. Síntese poética de tudo aquilo que Fetzner desenvolve ao longo da obra, a canção incorpora e antecipa uma série de elementos que serão melhor explorados até o último instante do trabalho. Da constante sensação de deslocamento do eu lírico ao olhar curioso, sempre em busca por novas possibilidades, tudo funciona como uma representação poética e sentimental das experiências vividas por Gabrre. É como se o artista fosse capaz incorporar a mesma melancolia e isolamento explícito nas imagens e roteiro de Os Famosos e os Duendes da Morte (2009), também ambientado no Sul do país, porém, em um sentido ainda mais amplo e emocional.

Uma vez imerso nesse território particular, Fetzer utiliza de um lirismo quase descritivo como forma de ambientar o ouvinte. São canções como No Meu Quarto (“Corri pra dentro da minha casa e fiquei trancado / Olhei a neve cair dentro do meu quarto“) e Mula Sem Cabeça (“Levo um vinho / Geladinho / Teu batom no meu cigarro / Eu me perco ao teu lado“) em que vai do próprio distanciamento ao jogo de confissões românticas de forma sempre detalhista. Instantes em que somos convidados a partilhar das memórias e sentimentos do músico, porém, longe de um acabamento exageradamente autobiográfico e hermético.

Como complemento aos versos, Gabrre investe em um repertório marcado pela lisergia dos temas. São camadas de sintetizadores, a linha de baixo sempre pontual e guitarras carregadas de efeitos, estrutura que se completa pela voz quase liquefeita, sempre ecoada, como um instrumento moldado pelo músico gaúcho. Entretanto, na contramão de outros nomes recentes da cena brasileira, inclinados a revisitar a neo-neo-psicodelia do Tame Impala, Fetzner segue um caminho particular, ampliando os próprios domínios e direções criativas. Declaradamente inspirado pela obra de veteranos como Animal Collective e The Microphones, o cantor utiliza desse direcionamento torto como um estímulo para as próprias criações, estrutura que vai do uso inexato das vozes ao tratamento dado aos arranjos.

Se por um lado esse novo envelopamento estético distancia o cantor gaúcho de outros representantes da cena brasileira, por outro, a forte similaridade com o som produzido pelos artistas que tanto o inspiram parece sufocar a identidade do jovem músico. É difícil saber exatamente onde começa o trabalho de Gabrre e onde acabam as criações de estrangeiros como Panda Bear, compositor que tem sua obra estampada na pele do próprio Fetzner. São harmonias de vozes e timbres que reforçam uma constante sensação de familiaridade ao longo da obra, fazendo dessa inevitável lembrança uma triste distração durante o processo de audição do álbum.

Contudo, Gabrre parece entender perfeitamente o impacto de todos esses artistas dentro do próprio trabalho. Afinal, como ignorar horas de audição e momentos preciosos embalados pelas criações de músicos tão importantes? Impossível. O resultado desse processo está na entrega de um registro que confessa algumas das principais referências criativas do cantor gaúcho, porém, dentro de uma nova linguagem. É como se Fetzner interpretasse de maneira ainda mais acessível toda essa construção sonora que passeia por memórias da adolescência e o início da vida adulta. Um misto de reverência e permanente busca pela própria identidade artística, estrutura que embala a experiência do ouvinte até o último segundo do álbum.


Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.