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Crítica

Hot / Oreia

: "Crianças Selvagens"

Ano: 2020

Selo: Independente

Gênero: Hip-Hop, Rap, R&B

Para quem gosta de: Djonga, Nill e Black Alien

Ouça: Papaia, Presença e Domingo

8.3
8.3

Hot e Oreia: “Crianças Selvagens”

Ano: 2020

Selo: Independente

Gênero: Hip-Hop, Rap, R&B

Para quem gosta de: Djonga, Nill e Black Alien

Ouça: Papaia, Presença e Domingo

/ Por: Cleber Facchi 21/09/2020

Para além da rima debochada que embala as canções de Rap de Massagem (2019), um mundo de novas possibilidades. Pouco mais de um ano após o lançamento do primeiro trabalho de estúdio, Hot e Oreia estão de volta com um novo disco de inéditas: Crianças Selvagens (2020, Independente). Musicalmente refinado quando próximo do registro que o antecede, o álbum que conta com direção artística de Daniel Ganjaman (Criolo, BaianaSystem), amplia de forma significativa tudo aquilo que a dupla mineira havia testado há poucos meses. Canções que vão da poesia política ao sexo em uma criativa colagem de tendências, ritmos e temas.

Marcado pela criativa sobreposição de ideias, o álbum que conta com produção de Rafael Fantini e batidas compartilhadas entre Tropikilaz, Vhoor, Coyote e Deekapz, vai de um canto a outro sem necessariamente se apegar a um conceito específico. Um ziguezaguear temático que tem início na discussão sobre masculinidade tóxica, na introdutória Vírus (“É, dói quando a ficha cai / Mãe, não quero ser meu pai / Tô precisando de um conselho“), e segue em meio a questões existencialistas (“A gente ama e odeia e carrega na veia / A vida que é uma passagem“), declarações de amor (“Você é a coisa mais linda que eu já vi / Mas é difícil entender, tipo os livro que eu não li“) e pequenas conquistas pessoais (“Hoje eu me sinto bem, juro / Tenho grana, já não tô duro“).

Não por acaso, a dupla mineira fez de Papaia uma das primeiras músicas do disco a serem apresentadas ao público. Completa pela participação de Black Alien (“Querem me ver na berlinda, eu não ligo, não se ofenda / Não podem me ver agora com a língua na sua fenda“), a canção estabelece na temática do sexo o estímulo para uma seleção de versos que discutem maturidade, compromisso e vulnerabilidade sem perder o bom humor. “Mamãe falou, papai tá paia / Vem devagar no meu mamão papaia / Devagarzin’, depois acelera / Não é assim, calma, espera“, cresce a letra da canção enquanto instrumentos de sopro e pianos encolhem e crescem a todo momento, acompanhando o fluxo das rimas.

A mesma minúcia na composição das batidas e entrega na formação dos versos acaba se refletindo logo nos primeiros minutos do trabalho, em Domingo. Entre trechos de Domingo à Tarde, melancólica criação de Nelson Ned (1947-2014), a dupla mineira discute sentimentos (“Esse colchão é muito grande sem você do lado / Me sinto pequeno e com frio“), machismo (“homem é tudo tolo / Querem comer o bolo, mas têm nojo do miolo“) e até mesmo política (“Eu vou ter que almoçar com o prefeito / Perguntar a esse… pra quê que foi eleito?“), sem necessariamente fazer disso o estímulo para um exercício confuso. É como se diferentes obras fossem condensadas dentro de cada canção, ampliando os limites do álbum.

De fato, Crianças Selvagens é o trabalho em que os dois artistas mais se arriscam criativamente dentro de estúdio. Da prece religiosa que ilumina os versos de Oxóssi (“Eu atirei, ninguém viu / Meu pai Oxóssi é quem sabe / Aonde a flecha caiu“), única composição do disco assumida integralmente por Hot, passando reducionismo de Ela Com P, faixa que brinca com o desdobramento de palavras com a letra “p” (“Pisciana, paladar de piscina / Apreciando a persiana / Pensando em partir pra Pipa“), tudo parece pensado para jogar com a experiência do ouvinte. Instantes de doce experimentação e completa fuga da realidade que fazem do som produzido pela dupla mineira um dos projetos mais originais da cena brasileira.

Claro que essa busca por novas possibilidades não interfere na produção de faixas deliciosamente acessíveis. É o caso de Presença. Concebida em meio a fragmentos de A Tua Presença Morena, música originalmente lançada como parte do álbum Qualquer Coisa (1975), de Caetano Veloso, a faixa parece pensada para cercar e confortar o ouvinte, conceito também explícito em outros momentos ao longo do trabalho, como em Saiu o Sol e na já citada Domingo. Um misto de sequência e fina desconstrução do material entregue em Rap de Massagem, como um avanço claro em relação a tudo aquilo que Hot e Oreia haviam testado há poucos meses.


Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.