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Crítica

Igapó de Almas

: "Mar de Paradoxos"

Ano: 2021

Selo: Rizomarte Records

Gênero: Experimental, Pós-Rock, Trip Hop

Para quem gosta de: Mahmed, Kalouv e Maquinas

Ouça: Ijira e Gotas de Tempo

8.0
8.0

Igapó de Almas: “Mar de Paradoxos”

Ano: 2021

Selo: Rizomarte Records

Gênero: Experimental, Pós-Rock, Trip Hop

Para quem gosta de: Mahmed, Kalouv e Maquinas

Ouça: Ijira e Gotas de Tempo

/ Por: Cleber Facchi 15/03/2021

Longe de garantir possíveis respostas, Mar de Paradoxos (2021, Rizomarte Records) é um trabalho que encanta justamente pela completa imprevisibilidade de suas canções. Terceiro e mais recente álbum de estúdio do coletivo Igapó de Almas, o sucessor de Laborioso Vinho (2018) estabelece no isolamento de cada composição a passagem para um novo território criativo. São fragmentos de vozes e experimentações que apontam para os mais variados campos da música, como um esforço do grupo formado por Pedras, Rafael Melo, Artur Porpino, Aiyra, Henrique Lopes e Walter Nazário em brincar com as possibilidades dentro de estúdio. Um exercício marcado pela permanente corrupção das ideias, proposta que se reflete mesmo nos momentos de maior calmaria do registro que diz a que veio logo na desconcertante imagem de capa de Gustavo Rocha.

Parte desse estranhamento pode ser percebido na introdutória Me Deixa Diluir, um samba torto que avança em uma medida própria de tempo, sem pressa, fazendo do uso delirante das vozes e experimentações eletrônicas a passagem para o restante do trabalho. Instantes em que o sexteto aponta para o mesmo tratamento alucinado de obras como Nave Maria (1984), de Tom Zé, porém, preservando a própria identidade, estrutura que ganha ainda mais força no permanente diálogo com diferentes colaboradores. É o caso de Ijira, música que ganha forma e cresce na interferência direta da atriz e compositora Alice Carvalho, responsável pelo misto de canto e rima que política que embala a canção. É como se o coletivo original de Natal, no Rio Grande do Norte, ampliasse tudo aquilo que tem sido testado desde o primeiro álbum de estúdio, o psicodélico A (2014).

Perfeita representação desse resultado acontece na sequência composta por Paraglider e Gotas de Tempo. São pouco mais sete minutos em que o grupo parte da ambientação lisérgica da parceria com BEX para mergulhar no completo experimentalismo do reencontro com Tiago Terras, antigo vocalista da banda. Do uso das guitarras à bateria discreta, de texturas eletrônicas ao uso instrumental da voz, cada elemento incorporado pela banda tinge com incerteza a experiência do ouvinte. De fato, raras são as composições que mantém firme um mesmo conceito criativo, fazendo da permanente desconstrução dos elementos um importante componente para o fortalecimento da obra.

Exemplo disso acontece em Jellyfish, quinta faixa do disco. Enquanto os minutos iniciais da composição utilizam de temas orientais que fazem lembrar do canto gutural mongol, a metade seguinte da canção vai de encontro ao pop psicodélico de artistas como Marrakesh e Unknown Mortal Orchestra. O mais impressionante talvez seja pensar que tudo isso acontece em um intervalo de poucos segundos, como se diferentes obras fossem diluídas dentro de cada canção. A própria Antes que eu me arrependa, minutos à frente, evidencia a mesma riqueza de detalhes no tratamento dado à percussão, funcionando como uma introdução ao material entregue em Água Água (Passa), parceria com Netuno Leão e outro importante momento de ruptura do álbum, efeito direto da base labiríntica que embala o texto interpretado pelo convidado.

Com a chegada de Sertão Maldito, oitava composição do disco, o grupo potiguar abre passagem para o lado mais atmosférico, porém não menos inventivo da obra. São camadas instrumentais que surgem e desaparecem a todo momento, lembrando as criações de Nazário na conterrânea Mahmed. Mesmo a voz surge livre de possíveis excessos, como uma fuga do direcionamento torto e efeitos incorporados nos momentos iniciais do trabalho, conceito que se reflete na poesia de Criaturas de Sal. É como se o grupo resgatasse parte dos temas psicodélicos detalhados no antecessor Laborioso Vinho, estrutura que vai do uso das guitarras à fina tapeçaria eletrônica que cobre a superfície das canções.

Com Nuvem como música de encerramento do álbum, o grupo finaliza o trabalho com leveza. São delicadas camadas instrumentais que se revelam ao público em pequenas doses, vaporizando a base sintética que orienta a experiência do ouvinte desde a introdutória Me Deixa Diluir. Instantes em que o coletivo potiguar se distancia de possíveis excessos, porém, estabelece na ambientação misteriosa da faixa um inevitável regresso aos minutos iniciais do Mar de Paradoxos, garantindo ao registro um direcionamento cíclico. Canções que emulam os diferentes estados da água, fazendo desse permanente senso de mudança um importante componente de fortalecimento para o disco.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.