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Crítica

In Venus

: "Sintoma"

Ano: 2021

Selo: Efusiva

Gênero: Pós-Punk, Punk Rock, Riot Grrrl

Para quem gosta de: Futuro e Rakta

Ouça: Hipócritas, Bordas e Quatro Segundos

7.8
7.8

In Venus: “Sintoma”

Ano: 2021

Selo: Efusiva

Gênero: Pós-Punk, Punk Rock, Riot Grrrl

Para quem gosta de: Futuro e Rakta

Ouça: Hipócritas, Bordas e Quatro Segundos

/ Por: Cleber Facchi 19/04/2021

Quem for em busca da mesma atmosfera soturna explícita em Ruína (2017), estreia do grupo paulistano In Venus, talvez acabe decepcionado com o material entregue em Sintoma (2021, Efusiva). Como indicado logo na imagem de capa do trabalho, uma colagem que conta com assinatura da artista visual Erikat, são estruturas disformes, quebras e sobreposições estéticas que orientam o segundo álbum de estúdio da banda composta por Cint Murphy (voz e teclado), Duda Jiu (bateria), Rodrigo Lima (guitarra) e Patricia Saltara (baixo). Canções que preservam parte da identidade explícita durante a produção do disco anterior, porém, partindo de uma abordagem completamente irregular, torta, estrutura que tinge com incerteza a experiência do ouvinte até o último segundo do registro.

Concebido em um cenário de caos político e avanço do conservadorismo, o trabalho que teve suas gravações iniciadas em fevereiro do último, meses antes ao avanço da pandemia de Covid-19 no Brasil, sustenta nas letras uma representação poética quase documental. Composições marcadas pelo uso de versos descritivos, sempre regidos pela crueza do discurso e ferocidade incorporada aos arranjos. “A morte viva / O inferno e o nada / No eterno e constante retorno … Todos os dias mais perto da destruição“, canta Murphy em Hen To Pan, música de abertura do registro. Instantes em que o quarteto aponta a direção seguida até a derradeira Ancestrais, porém, estabelecendo uma série de conexões questionadoras e provocativas com diferentes acontecimentos mundanos.

Marcado pelo forte discurso político, como um complemento em relação aos temas existenciais e pautas feministas que orientam o álbum anterior, Sintoma estabelece na ferocidade dos versos um importante elemento de transformação na obra do quarteto paulistano. Exemplo disso acontece em Quatro Segundos, terceira composição do disco. Trata-se de uma análise crua sobre a situação da fome e a desigualdade no Brasil e no mundo. “O paladar, a gula e o prazer só pra quem detém o poder / Sem piedade dos morrem sem ter o que comer“, aponta a vocalista. São versos curtos e rápidos, porém, sempre expressivos e necessários, como uma manifestação lírica da mesma insegurança alimentar que atingiu 27,7% da população brasileira no final do ano passado e que tende a aumentar nos próximos meses.

Esse mesmo direcionamento poético acaba se refletindo em diversos outros momentos ao longo da obra. Canções como Bordas (“Divisão simbólica / Barreira ideológica / Muros que exterminam / Ideais de condição“) e Hipócritas (“Você pede o Rappi do café da manhã, que atrasa o horário de chegada / Você faz escândalo no Twitter por quê seu ritual de domingo não pode atrasar“) em que os integrantes da banda externalizam questionamentos pessoais, porém, sempre amarrados a conflitos culturais e geopolíticos. Fragmentos poéticos que incorporam as angústias de qualquer indivíduo em uma linguagem sempre direta e universal, proposta bastante explícita em músicas como Ansiedade. “Todas as prerrogativas / Histeria coletiva / Uma vida à deriva / Carência de perspectiva“, canta.

Vem justamente desse lirismo atormentado o estímulo para a composição dos temas instrumentais que envolvem o disco. Canções que rompem com a base atmosférica de Ruína para mergulhar em um território essencialmente caótico. Perfeita representação desse resultado acontece em Ninguém Se Importa, música que encolhe e cresce a todo instante, utilizando da fragmentação dos arranjos como um complemento aos versos. O próprio saxofone do convidado Rafael Nyari surge como um componente de desordem, ampliando o descontrole proposto pela banda. Claro que isso não interfere na produção de músicas como a esquelética Silêncio e Velocidade Líquida, registros que pouco avançam em relação ao restante da obra, como fatias isoladas, por vezes esquecíveis.

Entretanto, são esses momentos de maior desconforto e permanente quebra que fazem de Sintoma uma obra tão significativa. Como indicado nas guitarras, batidas e vozes berradas de Hen To Pan, logo nos primeiros minutos do disco, Murphy e seus parceiros de banda incorporam na criativa desconstrução dos elementos um componente necessário para o fortalecimento do álbum. São canções que mudam de direção a todo instante, utilizam de uma abordagem imprevisível e bagunçam a experiência do ouvinte mesmo nos momentos de maior calmaria do registro. Nada mais justo para um trabalho que estabelece no diálogo com crises humanitárias, políticas e existenciais a base para a construção dos versos, proposta que se reflete de maneira turbulenta até o último segundo.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.