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Crítica

Jarv Is… / Jarvis Cocker

: "Beyond the Pale"

Ano: 2020

Selo: Rough Trade

Gênero: Art Rock, Britpop

Para quem gosta de: Damon Albarn e Westerman

Ouça: House Music All Night Long e Must I Evolve?

7.8
7.8

Jarv Is…: “Beyond the Pale”

Ano: 2020

Selo: Rough Trade

Gênero: Art Rock, Britpop

Para quem gosta de: Damon Albarn e Westerman

Ouça: House Music All Night Long e Must I Evolve?

/ Por: Cleber Facchi 22/07/2020

Versos semi-declamados, sintetizadores atmosféricos e arranjos trabalhados de forma contida, como se cada elemento fosse apresentado em uma medida própria de tempo. É partindo dessa estrutura que o cantor e compositor britânico Jarvis Cocker revela ao público o primeiro álbum de estúdio dentro do colaborativo Jarv Is…, Beyond The Pale (2020, Rough Trade). Completo pela presença dos músicos Serafina Steer (harpa, teclados, vozes), Emma Smith (violino, guitarra, vozes), Jason Buckle (sintetizadores), Andrew McKinney (baixo) e Adam Betts (bateria), o registro gravado ao vivo cresce como uma experiência mutável em que cada composição se articula de forma a revelar um universo de novas possibilidades.

Exemplo disso está na própria faixa de abertura do disco, Save The Whale. Inaugurada em meio a batidas econômicas, vozes complementares e violinos, a canção estabelece na poesia contemplativa de Cocker a passagem para um ambiente marcado pela permanente corrupção das ideias. São versos curtos em que discute o apogeu tecnológico da sociedade, a frieza entre as relações humanas e a constante sensação de deslocamento do eu lírico, conceito que faz lembrar do material entregue pelo músico em sua antiga banda, o Pulp, vide a forte similaridade com os temas detalhados em This Is Hardcore (1998) e We Love Life (2001).

São versos curtos, rápidos e sempre trabalhados de forma sarcástica, como se Cocker observasse o mundo de forma desconfiada, cantando sobre a imperfeição da natureza humana. Clara representação desse resultado ecoa com naturalidade na crescente Must I Evolve?, segundo faixa do disco. São pouco menos de sete minutos em que o músico britânico e seus parceiros de banda partem da origem do universo, durante o Big Bang, e seguem em meio a fragmentos evolucionários tratados de forma cômica e erótica. “Agora é a hora de sair da água / Soprando e ofegando em terra seca / Eu segurei sua mão em uma costa rochosa / Fiquei ereto pela primeira vez / Estou tão feliz“, brinca.

Mesmo quando explora as próprias emoções, como em House Music All Night Long, Cocker mantém firme o bom humor, fazendo do jogo entre as palavras “house” e “house music” um importante componente criativo para o fortalecimento dos versos. “Eu estava ouvindo house music a noite toda / E o dia todo também / Eu estava esperando por você / Virar realidade“, confessa. Interessante perceber na mesma canção a passagem para o lado mais inventivo da obra. São fragmentos eletrônicos, batidas trabalhadas de forma inexata e instantes em que o músico britânico convida o ouvinte a dançar, conceito que muito se assemelha ao material apresentado no clássico Different Class (1995).

É partindo dessa mesma estrutura dançante, porém, em uma abordagem quase ritualístico, que Cocker entrega ao público uma das principais faixas do disco: Sometimes I Am Pharaoh. Enquanto os versos da canção discutem a passagem do tempo, o conceito de divindade e a efemeridade da nossa existência, batidas tribais, sintetizadores e o violino delirante de Emma Smith arrastam o ouvinte para dentro de um território marcado pela experimentação. Instantes em que o coletivo britânico vai das criações do Roxy Music ao jazz, do krautrock à produção eletrônica dos anos 1990, mudando de direção a cada novo movimento. A própria escolha do grupo em registrar a composição ao vivo, em uma caverna no interior da Inglaterra, contribui para esse resultado fantástico.

Pontuado por instantes de maior calmaria, como na atmosférica Swanky Modes, e faixas provocantes, caso de Children of the Echo, Beyond The Pale cresce como uma obra marcada pelas possibilidades. É como se cada composição do disco apontasse para uma direção diferente, estrutura que encanta pela forma como o coletivo joga com a interpretação do ouvinte, porém, se comporta de forma confusa, principalmente nos minutos iniciais do álbum, quando a banda ainda parece se encontrar. Uma obra marcada por pequenos desajustes, conceito que movimenta e ao mesmo tempo perverte tudo aquilo que Cocker e seus colaboradores desenvolvem até o último instante do trabalho.


Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.