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Crítica

Jay Electronica

: "A Written Testimony"

Ano: 2020

Selo: Roc Nation

Gênero: Hip-Hop, Rap, R&B

Para quem gosta de: Jay-Z, Madlib e Talib Kweli

Ouça: Ghost of Soulja Slim e The Blinding

8.5
8.5

Jay Electronica: “A Written Testimony”

Ano: 2020

Selo: Roc Nation

Gênero: Hip-Hop, Rap, R&B

Para quem gosta de: Jay-Z, Madlib e Talib Kweli

Ouça: Ghost of Soulja Slim e The Blinding

/ Por: Cleber Facchi 20/03/2020

Dez anos, esse foi o tempo necessário para que Elpadaro F. Electronica Allah, o rapper Jay Eletronica, finalizasse o primeiro trabalho de estúdio da carreira, A Written Testimony (2020, Roc Nation). Em atuação desde a segunda metade dos anos 1990, quando ganhou notoriedade na cena de Nova Orleães, o artista que já havia colaborado com nomes como Erykah Badu e Just Blaze, em Act I: Eternal Sunshine (The Pledge) (2007), encontra no presente álbum uma extensão natural de tudo aquilo que havia testado desde o início da carreira. Canções pontuadas por temas existencialistas, debates raciais e versos marcados pela forte religiosidade, proposta que sutilmente amplia tudo aquilo que Allah havia testado em preciosidades como Exhibit A (2009) e Exhibit C (2009).

Não por acaso, Jay Electronica inaugura o disco com a atmosférica The Overwhelming Event. Concebida a partir de trechos de um discurso do líder religioso e ativista político Louis Farrakhan, a canção discute a força do movimento negro nos Estados Unidos, repressão e o constante avanço do conservadorismo em uma interpretação quase apocalíptica. Fragmentos de vozes que se espalham em meio a inserções minuciosas de samples, ruídos e ambientações ocasionais, direcionamento anteriormente testado nos antigos trabalhos do rapper, mas que ganha ainda mais destaque no presente disco.

Exemplo disso está encontro com Jay-Z, parceiro durante toda a execução da obra, na densa Ghost of Soulja Slim. São pouco mais de quatro minutos em que o rapper de Nova Orleães parte da morte do conterrâneo Soulja Slim (1977 – 2003), vindo do mesmo conjunto habitacional, para discutir o peso da escravidão e a força da ancestralidade negra (“Meus ancestrais pegaram comida velha, fizeram comida de alma“). Um misto de passado e presente que utiliza de memórias, medos e vivências reais do artista da Louisiana, porém, sempre partindo de diálogos com o presente e referências à cultura pop, vide citações pontuais ao filme Pantera Negra (2018) (“Me entreguei à minha nação como se fosse o rei T’Challa“).

É partindo dessa criativa colagem de referências, versos e elementos que transitam por diferentes campos da música que Jay Electronica orienta a experiência do ouvinte até a derradeira A.P.I.D.T.A., faixa concebida a partir de trechos de A Hymn, do grupo texano Khruangbin. São retalhos instrumentais que passeiam por clássicos da cultura negra, como Ain’t Got the Love (Of One Girl on My Mind), em Shiny Suit Theory; ambientações contidas, como em Ezekiel’s Wheel, canção montada a partir de trechos da obra de Robert Fripp e Brian Eno; ou mesmo instantes de doce nostalgia, como em Fruits of the Spirit, composição que parece saída de algum disco de Madlib, efeito direto do uso fragmentado das vozes.

Perfeita representação desse resultado está na insana Flux Capacitor, sétima composição do disco. Enquanto os versos da canção transitam em meio referências religiosas, passagem pela obra de Jay-Z e citações ao trabalho de outros artistas, musicalmente, a faixa produzida pelo próprio rapper ganha forma em meio a trechos de Higher, uma das principais criações de Rihanna em ANTI (2016). Nada que se compare ao material apresentado em The Blinding. Inaugurada em meio a cantos tribais da Tanzânia, a música rapidamente mergulha em um misto em um misto de trap e doce experimentalismo, estrutura que ganha ainda mais destaque na curta, porém, bem-sucedida participação de Travis Scott.

Completo pela presença de James Blake, em Universal Soldier, The-Dream, em Ezekiel’s Wheel e Shiny Suit Theory, além, claro, de contar com a produção de nomes como AraabMuzik (Azealia Banks, A$AP Rocky), No I.D. (Kanye West, Kid Cudi) e The Alchemist (Vince Staples, Action Bronson), A Written Testimony cumpre com naturalidade a função de reapresentar o trabalho de Jay Electronica, porém, provando de novas temáticas, ritmos e possibilidades criativas dentro de estúdio. Um precioso exercício autoral que não apenas preserva tudo aquilo que o rapper tem produzido há mais de uma década, como sutilmente aponta a direção para os futuros trabalhos do artista.


Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.