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Crítica

Julico

: "Ikê Maré"

Ano: 2020

Selo: Toca Discos

Gênero: Rock Nacional, Rock Psicodélico

Para quem gosta de: The Baggios e Cidadão Instigado

Ouça: Todo Santo Dia e Ikê Maré

8.0
8.0

Julico: “Ikê Maré”

Ano: 2020

Selo: Toca Discos

Gênero: Rock Nacional, Rock Psicodélico

Para quem gosta de: The Baggios e Cidadão Instigado

Ouça: Todo Santo Dia e Ikê Maré

/ Por: Cleber Facchi 07/12/2020

Ikê Maré (2020, Toca Discos) é um álbum que diz a que veio antes mesmo que a primeira música tenha início. Com a impactante imagem de capa que estampa o disco, uma fotografia de Victor Balde, Julico Andrade, guitarrista, compositor e vocalista do grupo sergipano The Baggios, sintetiza parte dos elementos que definem a essência do primeiro registro em carreira solo. O brilho do Sol, a força turbulenta das águas e a firmeza da terra. Elementos que não apenas funcionam como um precioso pano de fundo conceitual para o artista, como garantem ritmo, movimento e força ao trabalho. Histórias que se convertem em corredeiras, curvas e quebras bruscas, orientando a experiência do ouvinte até o último segundo da obra.

E não poderia ser diferente. Nascido de uma imersão do músico no interior da Bahia, pouco dias após o lançamento de Vulcão (2018), último álbum de estúdio do The Baggios, Ikê Maré parte desse componente geográfico como estímulo para a formação dos versos e temas instrumentais, porém, estabelece em conflitos e experiências reais vividas pelo próprio artista um importante elemento de transformação. Mesmo a infância no município de São Cristóvão, banhado pelas águas, exerce enorme impacto no processo do formação do disco, conceito que se reflete no uso de nome de rios para batizar algumas das principais composições que recheiam o trabalho.

Dentro desse cenário essencialmente orgânico, as habituais guitarras de Julico passeiam com firmeza e liberdade pelo interior da obra. Exemplo disso acontece logo na autointitulada música de abertura. São movimentos calculados que encolhem e crescem a todo instante, como um complemento à voz e demais componentes que correm ao fundo da faixa. A mesma força, porém, partindo de uma estrutura quase delirante, acaba se refletindo mais à frente, em Paramopama / Vaza-Barris. São melodias carregadas de efeitos, estrutura que ora aponta para a produção psicodélica dos anos 1970, ora esbarra no som revisionista de Brittany Howard, do Alabama Shakes. Instantes em que o músico sergipano preserva e perverte tudo aquilo que tem sido produzido desde os primeiros registros com o The Baggios.

A principal diferença em relação aos antigos trabalhos do músico, vide o material apresentado em Sina (2013) e Brutown (2016), está na forma como Julico melhor incorpora diferentes aspectos e fases da música brasileira dentro das próprias canções. Difícil não lembrar de Tim Maia em Aonde Vamos Parar, música que reflete o lado mais sensível da obra e cresce na colorida sobreposição de vozes e guitarras deliciosamente nostálgicas. O mesmo tratamento pode ser percebido na política Nuvens Negras, canção que discute com sobriedade o atual cenário político e cultural brasileiro, porém, encanta no uso das melodias e metais que parecem saídas de algum disco de Cassiano. A própria Pelejamor, com sua sanfona destacada, garante ao álbum um novo direcionamento tão referencial quanto íntimo do artista.

Mesmo a relação de Julico com diferentes colaboradores ao longo da obra distancia o álbum de uma possível zona de conforto. É o caso da crescente Todo Santo Dia. Completa pela participação de Curumin, a faixa parte de uma estrutura típica das criações do músico sergipano, porém, cresce na levada funkeada que parece dialogar de maneira bastante explícita com as criações do próprio convidado. O mesmo acontece com São Cristóvão Via Niger. Pontuada pela participação da conterrânea Sandyalê, a canção de apenas dois minutos muda de direção a todo instante, partindo de uma base regionalista, mas que cresce à medida em que novos elementos, batidas e vozes são cuidadosamente encaixadas pelo guitarrista.

São justamente esses pequenos acréscimos, teclados e entalhes percussivos que tornam a experiência de ouvir Ikê Maré tão satisfatória. Trata-se de uma obra essencialmente simples e íntima de tudo aquilo que define as criações de Julico como integrante do The Baggios, porém, sempre detalhista. Mesmo os versos espalhados ao longo da obra parecem revelar uma variedade de temas e possibilidades poucas vezes antes vistas dentro dos antigos trabalhos do músico. Canções que costuram passado e presente, política e experiências sentimentais de forma tão particular quanto íntima do ouvinte, como um batismo conceitual e princípio de uma nova fase na carreira do músico.


Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.