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Crítica

Kiai

: "Kiai II"

Ano: 2020

Selo: Independente

Gênero: Jazz, Experimental, Pós-Rock

Para quem gosta de: Hurtmold e Bixiga 70

Ouça: Zamba, Ardep Adnoder e Impro Flow

8.0
8.0

Kiai: “Kiai II”

Ano: 2020

Selo: Independente

Gênero: Jazz, Experimental, Pós-Rock

Para quem gosta de: Hurtmold e Bixiga 70

Ouça: Zamba, Ardep Adnoder e Impro Flow

/ Por: Cleber Facchi 18/08/2020

Quem acompanha a obra do Kiai desde o introdutório Além (2018), casa de músicas como Maloca e Smile, sabe da capacidade do grupo gaúcho em produzir canções que parecem pensadas para que o ouvinte se perca dentro delas. São registros que atravessam a música brasileira e encontram em elementos da produção estrangeira um precioso ponto de equilíbrio. Composições montadas a partir de pequenos retalhos instrumentais, ideias e experiências sonoras, proposta que ganha novo significado no material entregue em Kiai II (2020, Independente), segundo e mais recente álbum da banda formada por Marcelo Vaz (piano e teclado), Lucas Fê (bateria) e Dionísio Souza (baixo elétrico e violão).

Diferente do registro anterior, onde cada composição parecia servir de base para a faixa seguinte, como presente disco, o trio gaúcho investe na produção de cinco faixas que seguem por caminhos completamente distintos. Entretanto, mesmo nesse cenário marcado pelas possibilidades, evidente é o esforço do trio em garantir ao público uma obra trabalhada em uma estrutura crescente. Não por acaso, o grupo inaugura o álbum com a atmosférica Zamba. São pouco mais de dez minutos em que cada integrante parece se encontrar dentro de estúdio, revelando delicadas pinceladas instrumentais que tingem com incerteza a experiência do ouvinte.

Dado o pontapé para a formação do disco, Tao, segunda faixa do álbum, mostra a capacidade da banda em transitar por diferentes terrenos e sonoridades de forma sempre inexata. Da abertura da canção, regida pela bateria inquieta de Fê, passando pelos pianos de Vaz ao baixo destacado de Souza, cada fragmento do registro parece transportar o ouvinte para um novo território. O próprio uso da voz, incorporada de forma ritualística em determinados momentos, parece ampliar os limites da obra. Instantes em que a banda gaúcha preserva e perverte tudo aquilo que foi apresentado durante o lançamento de Além.

O mais interessante talvez seja perceber a forma como a banda parece manipular a experiência do ouvinte durante toda a execução da obra. Exemplo disso acontece em Reflexos Harmônicos, terceira música do álbum. Inaugurada em meio a ambientações contidas, a faixa rapidamente ganha forma e cresce. São diferentes variações, delírios e experimentos que vão do jazz clássico ao pós-rock em uma linguagem própria do grupo gaúcho. Do uso fragmentado da percussão aos pequenos improvisos criados pelo piano de Vaz, tudo muda de direção a cada novo movimento do trio.

Curioso perceber a mesma versatilidade em Ardep Adnoder. Composição mais curta do disco, a faixa de quase seis minutos mostra a capacidade da banda em se reinventar criativamente mesmo em um curto intervalo de tempo. Registro que mais se distancia do restante da obra, a música preserva a essência jazzística do restante do álbum, porém, estabelece no uso de temas psicodélicos a passagem para o lado mais inventivo do trabalho. Instantes em que o grupo parece dialogar com o som delirante de Hermeto Pascoal, porém, partindo de uma linguagem particular, cósmica, como um avanço em relação ao material entregue durante o lançamento de Além.

Com Impro Flow como música de encerramento do trabalho, o grupo não apenas perverte qualquer traço de normalidade, como deixa o caminho aberto para os futuros registros. São incontáveis camadas instrumentais, ruídos e sobreposições estéticas, conceito que vai da poesia quebrada que surge em momentos estratégicos da canção ao improviso que move os arranjos. É como uma síntese, talvez involuntária, de tudo aquilo que o trio incorpora desde a introdutória Zamba, porém, partindo de uma sonoridade cada vez mais imprevisível, proposta que mantém a atenção do ouvinte em alta até o último segundo do álbum.


Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.