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Crítica

Leall

: "Esculpido a Machado"

Ano: 2021

Selo: Covil da Bruxa

Gênero: Hip-Hop, Rap, Grime

Para quem gosta de: SD9, Febem e Fleezus

Ouça: Duas Pistolas e Pedras Amarelas

9.0
9.0

LEALL: “Esculpido a Machado”

Ano: 2021

Selo: Covil da Bruxa

Gênero: Hip-Hop, Rap, Grime

Para quem gosta de: SD9, Febem e Fleezus

Ouça: Duas Pistolas e Pedras Amarelas

/ Por: Cleber Facchi 12/04/2021

Esculpido a Machado (2021, Covil da Bruxa) é um trabalho que diz a que veio antes mesmo que a primeira rima seja disparada. Utilizando da impactante imagem de capa produzida pelo fotógrafo Marcelo Martins, o carioca Arthur Leal apresenta parte dos elementos que serão explorados de maneira aprofundada ao longo do registro. São canções que discutem a busca por oportunidade em um cenário negligenciado pelo Estado, a corrupção de menores, o peso da criminalidade e a necessidade de romper com as estatísticas. “A história que você vai ouvir agora, é uma história que acontece com pelo menos dois em cada dez jovens do meu bairro, que na barriga da miséria nasceram brasileiros“, anuncia LEALL, como aqui se apresenta, logo nos primeiros minutos da obra.

Uma vez imerso nesse cenário, o artista divide o trabalho em dois blocos específicos de composições. O primeiro deles, bem representado pela introdutória Pedro Bala, passeia pelas periferias brasileiras em meio a versos descritivos em que reflete a sedução pelo tráfico e os pequenos excessos de quem mergulha nessa realidade. “A boca de fumo é plano dе vida / A miséria faz vilão aparecer no mapa / Dá meu brinquedo de escorrer sangue na escada“, rima. Esse mesmo direcionamento acaba se refletindo na canção seguinte, Duas Pistolas, música que cresce no uso destacado das batidas e temas eletrônicos, como uma interpretação ainda mais insana do som produzido SD9 no ainda recente 40º.40 (2021), registro que conta com a participação de LEALL na música Poze de Rodo.

São justamente essas ambientações eletrônicas e batidas metálicas, típicas do grime, que tornam a experiência de ouvir esse primeiro bloco do trabalho tão satisfatória. Acompanhado de nomes como Babidi, D II GO, Luna, VHOOR, Nagalli, LEALL utiliza do ritmo lançado pelos produtores como um estímulo para a construção das rimas. Fragmentos de vozes que se projetam de forma deliciosamente instável, jogando com a interpretação do ouvinte. Exemplo disso acontece na frenética Encomenda, música que encolhe e cresce a todo momento, acompanhando o movimento da fuga exposta na narrativa torta da canção. “Busco no asfalto e não trago amassado / 1-5-7 / Se adrenalina é o que move o coração bandido / 1-5-7 / Eu sou mais preciso, eu te deixo chocado“, rima.

Esse mesmo direcionamento estético, porém, partindo de outra abordagem criativa, acaba se refletindo no segundo bloco de canções. Livre de possíveis excessos e momentos de maior celebração, LEALL vai de encontro ao lado mais sombrio do trabalho. “E a pupila dilata / Ele reveza com a química na lata / Deixa que a fome, a droga mata / Mas tu sabe quem fornece o genocídio na favela?“, questiona em Pedras Amarelas, composição que não apenas reflete o lirismo doloroso que serve de sustento ao disco, como rompe com a base frenética incorporada logo nos primeiros minutos da obra. São camadas de pianos, vozes tratadas como instrumentos e batidas que se espalham em uma medida própria de tempo, lembrando as criações de BK em Castelos & Ruínas (2016).

Se por um lado essa mudança de estrutura serve de passagem para alguns dos momentos de maior melancolia do trabalho, por outro, evidencia o que há de mais sensível e esperançoso nas criações de LEALL. É o caso de Posso Mudar Meu Destino. Do tratamento dado aos arranjos, passando pela prece que encerra a canção – “E se até hoje eles estão aí é porque o Senhor tem um propósito. Tira a venda dos olhos e dá livramento” –, tudo soa como uma necessária fuga do restante da obra. É como se o rapper voltasse para as estatísticas apontadas logo na abertura do registro, porém, utilizando de um tratamento diferente. “Não seja cego, jovem negro / Não sinta medo, jovem negro / Sem desespero, jovem negro / Você pode escolher seu caminho“, rima de forma acolhedora, confortando o ouvinte.

Interessante notar que tamanha pluralidade de ideias, temas e elementos rítmicos sejam incorporados em uma obra essencialmente curta. São pouco menos de 30 minutos de duração, tempo suficiente para que LEALL transporte para dentro de estúdio parte das próprias vivências, conflitos e momentos de maior inquietação. O resultado desse processo está na entrega de registro conceitualmente amplo, porém, conciso, direcionamento que se reflete não apenas na fina base instrumental que aproxima as faixas, como nas histórias e narrativas incorporadas pelo rapper. Canções que refletem o cotidiano duro de milhões de brasileiros, mas que em nenhum momento abandonam o caráter esperançoso das rimas, como um documento vivo que revela diferentes formas e nuances a cada nova audição.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.