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Crítica

Lianne La Havas

: "Lianne La Havas"

Ano: 2020

Selo: Warner / Nonesuch

Gênero: Soul, R&B, Jazz

Para quem gosta de: Jorja Smith e Jamila Woods

Ouça: Bittersweet, Paper Thin e Can't Fight

8.0
8.0

Lianne La Havas: “Lianne La Havas”

Ano: 2020

Selo: Warner / Nonesuch

Gênero: Soul, R&B, Jazz

Para quem gosta de: Jorja Smith e Jamila Woods

Ouça: Bittersweet, Paper Thin e Can't Fight

/ Por: Cleber Facchi 23/07/2020

Mesmo recebido de forma positiva pelo público e crítica, Blood (2015), segundo disco de Lianne La Havas, não agradou completamente a própria realizadora. “O último álbum, eu o adoro, tenho muito orgulho dele, mas existem aspectos que eu teria feito de maneira diferente“, respondeu em entrevista à Standard. Incomodada com o tratamento dado às canções e o controle excessivo da gravadora – “eu fazia músicas pensando se elas eram boas o suficiente para a gravadora, e não se eram boas o suficiente para mim” –, a cantora e compositora britânica decidiu se distanciar dos palcos e só regressar aos estúdios quando tivesse maior autonomia no processo de composição e segurança em relação à própria obra.

Não por acaso, Havas levou cinco anos até investir em um novo disco de inéditas. Foi só depois de um recente término de relacionamento que a cantora londrina encontrou o estímulo necessário para investir no terceiro álbum de estúdio da carreira. É justamente essa dor, permanente peso da memória e delicado processo de cicatrização que conduz a experiência do ouvinte durante toda a execução do trabalho. “Chuva agridoce de verão / Eu nasci de novo / Todos os meus pedaços quebrados“, canta na introdutória Bittersweat, música que volta a se repetir nos instantes finais do álbum, reforçando esse aspecto cíclico em torno do autointitulado registro.

O elemento central desse trabalho é a idéia do ciclo de vida, das plantas e da natureza. Equiparar essa jornada a uma coisa sazonal que floresce, desaparece e volta ainda mais forte“, escreveu no texto de apresentação do disco à Clash. Instantes em que a artista britânica avança e regressa em uma medida própria de tempo, convidando o ouvinte a se perder nessa espiral de emoções. O resultado desse intenso processo criativo está na entrega de músicas como Paper Thin (“Apenas me dê a outra chave / Seu coração é uma porta aberta / Então deixe-me te amar“) e Can’t Fight (“Eu não posso lutar contra esse amor / Eu sabia que deveria desistir de você“). Canções em que Havas parte dos próprios conflitos como forma de dialogar com o ouvinte.

Interessante notar que, mesmo dentro desse território regido pelas emoções e versos sempre confessionais, Havas se permite avançar criativamente, provando de novas possibilidades dentro de estúdio. É o caso de Seven Times, música que evoca Milton Nascimento, conceito que volta a se repetir mais à frente, em Sour Flower, canção marcada pelo uso instrumental da voz e percussão destacada, como uma fuga do R&B tradicional. Nada que se compare ao material entregue na releitura de Weird Fishes, do Radiohead. Originalmente lançada como parte do cultuado In Rainbows (2007), a canção resgata parte da essência detalhada na versão original da música, como as pequenas pausas e o andamento torto da bateria, porém, cresce a partir da voz e completa entrega da artista. Pouco menos de seis minutos em que a cantora e o co-produtor Beni Giles, parceiro durante toda a execução do álbum, parecem brincar com as possibilidades, ampliando a composição do grupo inglês.

Com base nessa estrutura, Havas entrega ao público um registro que preserva a própria identidade criativa, porém, sutilmente distorce tudo aquilo que tem sido apresentado desde a estreia com Is Your Love Big Enough? (2012). Canções que transitam por entre gêneros e incontáveis referências criativas, proposta que vai de Joni Mitchell a Al Green, dois dos nomes apontados como influências para o álbum. Claro que isso não garante a entrega de um disco totalmente original. São diversos os momentos em que Havas replica a atmosfera de obras recentes, como Lost & Found (2018), de Jorja Smith, e Legacy! Legacy! (2019), de Jamila Woods, rompendo com o frescor das ideias. Salve músicas como a já citada Seven Times, não há nada aqui que não seja encontrado em outros exemplares do R&B/soul.

Entretanto, mesmo pontuado por momentos de breve desajuste e forte similaridade com outros registros, o terceiro álbum de Havas segue como o trabalho mais completo e musicalmente desafiador de toda a carreira da cantora britânica. Da escolha do repertório, passando pelo diálogo com diferentes produtores e instrumentistas vindos dos mais variados campos da música, tudo parece pensado capturar a atenção do ouvinte, arrastado para dentro desse território marcado pelas emoções. Trata-se de um exercício de libertação, seja ele criativo ou sentimental, proposta que orienta com naturalidade a experiência do ouvinte até o último segundo da obra.


Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.