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Crítica

Linn da Quebrada

: "Trava Línguas"

Ano: 2021

Selo: Independente

Gênero: MPB, Eletrônica, Rap

Para quem gosta de: Jup do Bairro e Rico Dalasam

Ouça: I Míssil, Pense & Dance e Tudo

8.5
8.5

Linn da Quebrada: “Trava Línguas”

Ano: 2021

Selo: Independente

Gênero: MPB, Eletrônica, Rap

Para quem gosta de: Jup do Bairro e Rico Dalasam

Ouça: I Míssil, Pense & Dance e Tudo

/ Por: Cleber Facchi 26/07/2021

Quem soul eu?

A pergunta levantada por Linn da Quebrada na música de encerramento de Trava Línguas (2021, Independente), segundo álbum de estúdio da multi-artista paulistana, funciona como uma clara representação das incertezas e caminhos pouco usuais percorridos durante toda a execução da obra. Talvez frustrante para quem esperava pela mesma ferocidade impressa nas canções de Pajubá (2017), de onde vieram músicas como Bixa Travesty e Bomba Pra Caralho, o registro de identidade versátil transita por entre gêneros de forma sempre provocativa, forte, buscando novas possibilidades. “Com Trava Línguas proponho uma conversa franca com o mercado: quem eu soul nesse sistema? Os algoritmos, os rótulos, os gêneros. Onde é que vocês vão me colocar agora?“, discute no texto de apresentação do material que mais uma vez conta com produção de Rafaela Andrade, a Badsista.

E isso fica bastante evidente logo nos primeiros minutos do trabalho, na dobradinha composta por Amor Amor e Cobra Rasteira. Longe da fluidez de rimas e cruzamento de informações que marca o disco anterior, Linn se permite desacelerar para investir na própria voz. São melodias aprazíveis e momentos de maior vulnerabilidade, conceito que vai da formação dos arranjos à construção das letras. “Amor, amor / Eu amei, não fui amada / Hoje eu sei o meu valor“, confessa. E essa mesma sensibilidade acaba se refletindo durante toda a execução da obra, como em Tudo, balada que evoca as criações de Cazuza, mas que em nenhum momento se distancia do habitual jogo de palavras da artista. “Meu corpo no seu / Seu corpo no mel / Meu corpo no céu / Seu corpo nu”, canta.

Claro que essa busca por novas possibilidades não interfere na produção de faixas que preservam a essência do álbum anterior. Exemplo disso acontece em Pense & Dance. Enquanto Badsista transita por entre estilos, apontando para a produção eletrônica dos anos 1990, Linn traz de volta o lirismo bem-humorado explícito nas canções de Pajubá. “Gente, eu tô falando sério / Vocês sabem que eu não minto / Eu não sei mais se еu corto / Mas também não sei se eu pinto / Eu corto ou pinto“, brinca. O mesmo direcionamento acaba se refletindo minutos à frente, na já conhecida Mate & Morra. “Boquinha de outro planeta / Tá chupando o meu cu como se fosse uma buceta / Puta linguada fatal“, dispara enquanto camadas de sintetizadores e batidas sobrepostas convidam o ouvinte a dançar.

O mais interessante talvez seja perceber a construção de faixas que alcançam um ponto de equilíbrio entre os temas eletrônicos do disco anterior e leveza que embala as canções de Trava Línguas. É o caso de I Míssil. Utilizando de um homófono da expressão inglesa “I miss you”, Linn se aprofunda em questões sentimentais e conflitos intimistas de forma bastante sensível, estreitando a relação com o ouvinte. “Frio na espinha / A boca seca / Tua boca na minha / Escuridão, vazio“, detalha. São instantes de maior fragilidade e entrega emocional, estrutura que se completa pela produção minuciosa de Badsista, vide o tratamento dado aos sintetizadores, metais e batidas que funcionam como um complemento aos versos sutilmente detalhados pela cantora até o último segundo da composição.

Nesse espaço marcado pela força dos sentimentos e precioso cruzamento de informações, Linn aproveita para estreitar a relação com diferentes colaboradoras dentro de estúdio. É o caso de Dispara, música que se abre para a chegada de Luísa Nascim, da banda Luísa e os Alquimistas, dona da voz e dos versos em espanhol que embalam a canção. Mais à frente, chega a vez de Ventura Profana, em Eu Matei o Júnior, composição que utiliza do precioso encaixe das palavras para discutir transexualidade e identidade de gênero de forma bastante sensível. “E se trans for mar, água de torneira / E se trans for mar, eu rio / Contra a correnteza / Pra me lavar“, cresce a letra da canção, sempre potencializada pela produção versátil e uso destacado das batidas trabalhadas por Badsista.

Ponto de partida para uma nova fase na carreira da cantora, Trava Línguas traz de volta uma série de elementos que fizeram da artista paulistana um dos nomes mais importantes da recente fase da música brasileira, porém, partindo de uma abordagem completamente transformada. São canções que preservam o forte discurso político, debates sobre sexualidade e personagens marginalizados, mas que a todo momento aportam em novos territórios conceituais, dando maior profundidade ao material. E isso se reflete não apenas na construção dos versos, cada vez mais pessoais, mas na escolha dos temas instrumentais e decisões criativas que definem a identidade estética do trabalho. Uma prova de que é possível esperar qualquer coisa de Linn da Quebrada, menos o óbvio.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.