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Crítica

Lucy Dacus

: "Home Video"

Ano: 2021

Selo: Matador

Gênero: Indie, Folk Rock, Rock

Para quem gosta de: Phoebe Bridgers e Julien Baker

Ouça: Hot & Heavy, VBS e Thumbs

7.8
7.8

Lucy Dacus: “Home Video”

Ano: 2021

Selo: Matador

Gênero: Indie, Folk Rock, Rock

Para quem gosta de: Phoebe Bridgers e Julien Baker

Ouça: Hot & Heavy, VBS e Thumbs

/ Por: Cleber Facchi 02/07/2021

Muito além do simples envelopamento estético, Home Video (2021, Matador), título incorporado ao terceiro e mais recente álbum de estúdio de Lucy Dacus, funciona como uma perfeita representação do conceito explorado pela cantora e compositora norte-americana. É como se a artista, de frente para uma tela gigante, observasse memórias empoeiradas. Canções ancoradas em acontecimentos reais que movimentaram a adolescência de Dacus na região de Richmond, Virgínia, mas que em nenhum momento deixam de dialogar com o ouvinte, convidado a mergulhar em questões existencialistas, romances fracassados e conflitos típicos de qualquer jovem adulto. Um olhar curioso para o passado, ainda que intimamente conectado ao presente em todas as suas dimensões e dores.

Estar de volta aqui me deixa com o rosto quente / Sangue quente em minhas veias pulsantes / Lembranças pesando em meu cérebro“, confessa logo nos primeiros minutos do disco, em Hot & Heavy. É como se a Dacus apontasse a direção seguida até o encerramento da obra. Fragmentos sentimentais que utilizam de uma abordagem nostálgica, mas não necessariamente positiva e sorridente, contrariando outros exemplares do gênero. De fato, a real beleza do material apresentado em Home Video está na interpretação dolorosa da artista em relação ao próprio passado. “É agridoce ver você de novo“, completa. São retalhos poéticos e costuras emocionais que potencializam tudo aquilo que a compositora tem produzido desde o introdutório e também intimista No Burden (2016).

O mais interessante talvez seja perceber a forma como Dacus utiliza dos sentimentos explícitos nos versos como estímulo para a montagem dos arranjos. Quando consumida pela dor, tudo tende ao reducionismo, porém, quando movida pela raiva, o álbum cresce substancialmente. E isso fica bastante evidente VBS. Uma das primeiras composições a serem apresentadas ao público, a canção parte do forte envolvimento da artista com a igreja, ainda na infância, mas que ganha novos contornos quando discute a superficialidade da congregação e a manipulação imposta pelos líderes religiosos. O resultado desse processo está na entrega de uma faixa que parte de uma base contida, porém, cresce substancialmente nas guitarras que resgatam a essência ruidosa do antecessor Historian (2018).

São justamente essas pequenas ondulações que tornam a experiência de ouvir o trabalho bastante satisfatória. Na contramão do material entregue no disco anterior, em essência homogêneo, Dacus se concentra na formação de um repertório que encolhe e cresce a todo instante, jogando com a interpretação do público. Exemplo disso acontece na dobradinha composta por Brando e Please Stay. São pouco mais de sete minutos em que a artista parte de uma estrutura totalmente enérgica para mergulhar em uma canção deliciosamente introspectiva. E esse resultado fica ainda mais interessante em canções que combinam esses dois extremos, caso da derradeira Triple Dog Dare, uma viagem instrumental com quase oito minutos de guitarras que vão da calmaria ao mais completo caos.

Nesse espaço aberto às possibilidades, Dacus transita por vias pouco usuais quando próxima do material entregue nos dois primeiros álbuns de estúdio. Exemplo disso acontece em Partner In Crime, oitava composição do disco. São vozes marcadas pelo uso destacado do auto-tune, maquinações eletrônicas e efeitos, como uma propositada fuga dos temas acústicos que orientam as criações da artista desde No Burden. Nada que se compare ao material explorado em Thumbs, música adornada pelo uso atmosférico dos sintetizadores e modulações reducionistas, estrutura que naturalmente potencializa os versos lançados pela compositora. “Eu iria matá-lo / Se você me deixasse / Eu iria matá-lo / Rápido e fácil“, canta em meio a reflexões sobre a relação com o próprio pai.

Embora dotado de uma abordagem particular na construção dos versos, Home Video acaba se revelando como o registro mais colaborativo de Dacus. Acompanhada por diferentes produtores, como Collin Pastore e Jacob Blizard, com quem tem trabalhado desde o primeiro álbum de estúdio, a cantora ainda abre o disco para a breve participação de nomes como Mitski, Phoebe Bridgers e Julien Baker, as duas últimas, parceiras no paralelo Boygenius. São encontros pontuais, como nas vozes de Going Going Gone, proposta que naturalmente amplia os limites da obra, mas em nenhum momento distancia o ouvinte das experiências sentimentais e conflitos que parecem próprios da compositora. Instantes em que a artista avança criativamente, mesmo preservando a própria identidade.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.