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Crítica

Mallu Magalhães

: "Esperança"

Ano: 2021

Selo: Quero Quero

Gênero: MPB, Pop, Folk

Para quem gosta de: AnaVitória, Tiê e Castello Branco

Ouça: As Coisas

4.0
4.0

Mallu Magalhães: “Esperança”

Ano: 2021

Selo: Quero Quero

Gênero: MPB, Pop, Folk

Para quem gosta de: AnaVitória, Tiê e Castello Branco

Ouça: As Coisas

/ Por: Cleber Facchi 22/06/2021

Em 2017, quando deu vida ao quarto álbum de estúdio, Vem, algumas das principais críticas em relação ao trabalho apontavam o deslocamento de Mallu Magalhães da realidade brasileira. Utilizando de uma alegria que parecia transbordar em cada mínimo fragmento instrumental e poético, a artista que havia mudado para Lisboa, em Portugal, onde vive com o marido, o músico Marcelo Camelo, desde 2013, pouco parecia se relacionar com o caótico cenário pós-golpe e crescente avanço do conservadorismo que tomava conta do Brasil. E esse mesmo afastamento, talvez justificado pelo nascimento da primeira filha, dois anos antes, durante o processo de composição do disco, ficou ainda mais evidente quando, ao ser confrontada pelo uso de esteriótipos racistas no clipe de Você Não Presta, uma das principais músicas do registro, utilizou de uma desculpa incompatível, sustentada na falácia do racismo reverso. ”Essa é para quem é preconceituoso e acha que branco não pode tocar samba”, disse a cantora durante a passagem pelo programa Encontro com Fátima Bernardes.

Quatro anos após o episódio, Magalhães continua tão imersa em um ambiente particular, distante da realidade, que ao esbarrar nas composições de Esperança (2021, Quero Quero), quinto registro de inéditas da cantora, é difícil estabelecer qualquer traço de conexão ou envolvimento emocional. “Dê no que der, eu levo a vida tipo cena de cinema / Haja o que houver, eu acho que isso tudo vale a pena“, canta em Cena de Cinema, música que funciona como uma representação do lirismo escapista que abastece a obra. São canções de amor, celebrações à vida e cenas quase descritivas do cotidiano, sempre ensolaradas, como se saídas de uma propaganda de margarina. Um emular de sensações e sorrisos potencializados pela produção primorosa de Mario Caldato Jr. (Marcelo D2, Seu Jorge).

O problema é que ao utilizar do título de “esperança” e esbarrar em momentos de inconformismo sutil, como expresso em As Coisas (“Eu sei, as coisas não são fáceis / Vão e vêm tão incompressíveis“), Magalhães indica saber que algo não está certo, seja no âmbito político ou pessoal, porém, opta por viver uma realidade totalmente fictícia, maquiada e falsa. Nesse sentido, mesmo os versos de amor, trabalhados com incontestável esmero em músicas como Quero Quero (“Quem nunca se deixou levar por um / Amor de lero-lero? / O amor que vem do céu / Nadou no mar / Voou de quero-quero?“), perdem seu sentido dentro desse ambiente cenográfico. São manifestações artificiais que funcionam apenas como um alívio temporário, estrutura reforçada no incenso aceso na própria imagem de capa.

Vem justamente desse esvaziamento e completa artificialidade da obra o estímulo para a construção de faixas consumidas em excesso pela autoafirmação. “Há quem siga pelo caminho do meio / Eu sou metade, totalmente louco, louco“, canta em Pé de Elefante, música evoca temas que parecem melhor resolvidos em outras criações autorais, como Velha e Louca, do álbum Pitanga (2011). A própria Deixa Menina, inusitada parceria com Preta Gil, logo na abertura do disco, utiliza de uma abordagem bastante similar. “Deixa a menina brincar em paz / A água tá gelada demais / Mas a menina tem coragem demais“, canta. São composições marcadas pelo falso senso de transgressão – She is so crazy! Love her! –, como uma tentativa da artista em potencializar histórias e experiências superficiais.

E esse desgaste em relação ao disco fica ainda mais acentuado quando percebemos que Esperança pouco evolui musicalmente quando comparado ao material entregue em Vem. Com exceção dos sintetizadores e pianos enevoados que surgem momentos estratégicos ao longo da obra, como na psicodélica Pé de Elefante, tudo soa como uma previsível reciclagem de ideias e temas instrumentais que tem sido incorporados pela cantora desde o primeiro álbum de estúdio, também produzido por Mario Caldato Jr, parceiro de longa data de Magalhães. Some a isso composições que mais parecem emular o trabalho de outros artistas, como Deixa Menina, com suas melodias e gracejos vocais no melhor estilo Jorge Ben Jor, e você tem em mãos um registro livre de significado e identidade.

Nesse sentido, Esperança se aproxima de outros registros recentes, como Sermão (2019), de Castello Branco, e Cinco (2020), de Silva, que esbanjam brasilidade, porém, sustentam nos versos uma sensação de positividade que beira a alienação. Ainda que seja possível defender o conceito de música como componente lírico de fuga da realidade, faltam respostas e contraste ao trabalho de Magalhães. Esperança sobre o que? Para quem? O título que apresenta a obra em nenhum momento é respondido ou incorporado pela compositora, reforçando o esvaziamento que vai da falsa latinidade expressa na canção de abertura, com seus versos em inglês e clichês regionais – “paçoquinha“,”miçanguinha” – à construção dos arranjos. Uma visão privilegiada de mundo que talvez funcionasse durante o lançamento do disco anterior, mas que hoje soa como um completo equívoco.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.