Image
Crítica

Medhane

: "Cold Water"

Ano: 2020

Selo: Independente

Gênero: Hip-Hop, Rap, Jazz

Para quem gosta de: Earl Sweatshirt e KeiyaA

Ouça: TRS, Off Tha Strength e Full Hands

8.0
8.0

Medhane: “Cold Water”

Ano: 2020

Selo: Independente

Gênero: Hip-Hop, Rap, Jazz

Para quem gosta de: Earl Sweatshirt e KeiyaA

Ouça: TRS, Off Tha Strength e Full Hands

/ Por: Cleber Facchi 05/06/2020

Conhecido pelo trabalho como colaborador de nomes como Earl Sweatshirt e MIKE, Medhane Olushola passou os últimos meses se revezando em uma série de registros inéditos. Primeiro, foi a vez do soturno Own Pace (2019), álbum em que se aprofunda em temáticas intimistas, depressão e versos existenciais enquanto estreita a relação com diferentes nomes do rap estadunidense. Em seguida, foi a vez do complementar Full Circle (2020), EP entregue ao público no início deste ano e um indicativo claro do forte discurso político que recheia as criações do artista, sempre inclinado ao uso de temas atmosféricos, batidas e ambientações pouco usuais.

Nada que se compare ao material entregue em Cold Water (2020, Independente). Segundo e mais recente álbum de estúdio do rapper norte-americano, o trabalho concebido em meio a sobreposições inexatas, ruídos e fragmentos extraídos de diferentes campos da música nasce como um convite a se perder em um universo próprio do artista original do Brooklyn, em Nova Iorque. São camadas instrumentais que surgem e desaparecem, abstrações jazzísticas e a rima sempre precisa, direta, como se Olushola soubesse exatamente que direção seguir dentro de cada canção.

Desperto por dias / Movendo pelo labirinto / Sonhando acordado / Moldura com cicatrizes / Trabalhando até ver mudanças“, rima na introdutória Off Tha Strength. São versos curtos em que discute a passagem do tempo e a constante sensação de deslocamento do eu lírico. Instantes em que o artista evoca a mesma ambientação sombria de I Don’t Like Shit, I Don’t Go Outside (2015) e Some Rap Songs (2018), do já citado Sweatshirt, porém, em um sentido menos abstrato e naturalmente contemplativo, conceito reforçado pela voz acolhedora da conterrânea KeiyaA, conterrânea nova-iorquina que transporta para dentro de estúdio parte da atmosfera detalhada no ainda recente Forever, Ya Girl (2020).

De fato, são essas pequenas colaborações e encontros com outros artistas que sutilmente ampliam a obra de Medhane. É o caso de TRS, música adornada pelo uso de temas jazzísticos e vozes do convidado Navy Blue, colaborador do rapper desde o álbum anterior. O mesmo cuidado acaba se refletindo mais à frente, em Full Hands, reencontro com Maxo e a passagem para o lado mais sensível da obra. São versos em que a dupla discute o sofrimento do homem negro, estrutura que se completa pelo uso de guitarras cíclicas, ruídos e batidas sempre claustrofóbicas, conceito que acaba se refletindo em outros momentos ao longo do álbum.

São construções labirínticas, o uso complementar de pianos e guitarras tratadas de forma sempre atmosférica, proposta que ora aponta para as criações acinzentadas de Ka, uma das principais referências criativas de Medhane, ora dialoga para o mesmo experimentalismo de Shabazz Palaces e demais artistas que apontam para o rap cósmico. Perfeita representação desse resultado ecoa com naturalidade em Watch My Step, nona composição do disco. São pouco mais de três minutos em que o rapper flutua em meio a sintetizadores e vozes psicodélicos, estrutura que aporta em um território completamente distinto na faixa seguinte, a também inexata Truth & Soul.

É dentro desse território marcado por pequenas incertezas, proposta que se reflete logo nos primeiros minutos do disco, que Medhane orienta a experiência do público até a derradeira On Me/You. Canções que atravessam a mente inquieta do artista, discutem depressão, medo e isolamento de forma sempre intimista. São versos despidos de uma possível maquiagem conceitual, porém, adornados pelo uso de ambientações delirante e batidas tortas. Frações poéticas e experiências sentimentais que passeiam pelos mais variados campos da música, como se diferentes obras fossem condensadas dentro de um único registro.


Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.