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Crítica

Mica Levi / Good Sad Happy Bad

: "Ruff Dog / Shades"

Ano: 2020

Selo: Independente

Gênero: Experimental, Noise Pop, Indie Rock

Para quem gosta de: Deerhunter, Tirzah e Dean Blunt

Ouça: Wings e Shades

8.0 / 7.6
8.0 / 7.6

Mica Levi: “Ruff Dog” / “Shades”

Ano: 2020

Selo: Independente

Gênero: Experimental, Noise Pop, Indie Rock

Para quem gosta de: Deerhunter, Tirzah e Dean Blunt

Ouça: Wings e Shades

/ Por: Cleber Facchi 06/01/2021

Em um intervalo de poucos anos, a cantora e compositora Mica Levi foi de um nome esquisito da novíssima cena inglesa para uma das artistas mais reverenciadas não apenas da música, como do cinema. Depois de estrear com o experimental Jewellery (2009), primeiro do Micachu and the Shapes, e de investir em um álbum de temática bastante similar, Never (2012), a multi-instrumentista britânica foi convidada a assinar a trilha sonora do filme Sob a Pele (2013), de Jonathan Glazer, mergulhando em uma série de outros lançamentos do gênero, vide o trabalho para Pablo Larraín, em Jackie (2016), e Alejandro Landes, no ainda recente Monos (2019).

Claro que essa permanente busca de Levi por novas possibilidades criativas e diálogos com diferentes campos das artes não distanciou a musicista dos antigos trabalhos e outras experimentações em carreira solo. Exemplo disso está na sequência de obras apresentadas nos últimos meses. De um lado, o colaborativo Shades (2020, Textile Records), estreia do Good Sad Happy Bad, novo nome escolhido para o Micachu and the Shapes, projeto dividido com CJ Calderwood, Marc Pell e Raisa Khan. No outro, Ruff Dog (2020, Independente), primeiro registro da cantora lançado sob o próprio nome.

Mesmo partindo de diferentes abordagens criativas, ambos os registros sustentam no uso destacado das guitarras o estímulo para as criações de Levi. Em Shades, é justamente o instrumento, e não a bateria, que dita os rumos e ritmo da obra. Exemplo disso pode ser percebido na faixa-título do álbum. Inaugurada em meio a ambientações minimalistas, quase etéreas, a canção lentamente se converte em um turbilhão ruidoso onde vozes ecoadas, distorções e melodias abstratas se entrelaçam de forma tão acessível quanto delirante, proposta que naturalmente amplia tudo aquilo que tem sido apresentado pelo quarteto desde a estreia com Jewellery.

São canções que preservam o diálogo com o público, porém, a todo instante se espalham em meio a incontáveis camadas de ruídos e momentos de evidente quebra conceitual. Perfeita representação desse resultado acontece na sequência de encerramento do álbum, com Pyro e Universal. São pouco mais de sete minutos em que Levi e seus parceiros de banda mudam de direção a todo instante, fazendo dos versos cantaroláveis um curioso ponto de equilíbrio, proposta que naturalmente aponta para a obra de Deerhunter e outros nomes partidários de uma linguagem similar.

Entretanto, é justamente quando rompe com qualquer traço de conforto, como nas canções de Ruff Dog, que o trabalho de Levi encanta e cresce. Do momento em que tem início, na autointitulada música de abertura, passando pela composição de faixas como Wings e Flower Bad, a multi-instrumentista britânica utiliza do direcionamento torto como forma de capturar a atenção do ouvinte. São vozes submersas, distorções e repetições labirínticas que garantem ao álbum um caráter quase transcendental, como um ponto de equilíbrio entre as trilhas sonoras da artista inglesa e as criações ao lado dos parceiros do Good Sad Happy Bad.

Dessa forma, mesmo lançados em momentos diferentes, difícil não pensar em Shades e Ruff Dog como obras complementares. Partindo do lirismo existencialista e doce melancolia de Levi, somos convidados a se perder em um território onde as única certeza está no abandono de qualquer traço de previsibilidade. Canções que preservam tudo aquilo que a musicista inglesa tem produzido desde os introdutórios Jewellery e Never, porém, partindo de uma abordagem criativa cada vez mais incerta, tratamento que faz de cada mínimo fragmento instrumental, ruído e voz um elemento de destaque.


Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.