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Crítica

Mombojó

: "Deságua"

Ano: 2020

Selo: Independente

Gênero: Indie Pop, Pop Rock, Eletrônica

Para quem gosta de: China, Céu e Curumin

Ouça: Positividade e O Valor da Coragem

8.0
8.0

Mombojó: “Deságua”

Ano: 2020

Selo: Independente

Gênero: Indie Pop, Pop Rock, Eletrônica

Para quem gosta de: China, Céu e Curumin

Ouça: Positividade e O Valor da Coragem

/ Por: Cleber Facchi 13/03/2020

Em tempos de evidente retrocesso e avanço do conservadorismo, Deságua (2020, Independente) nasce como um refúgio. Sexto e mais recente álbum de estúdio do grupo pernambucano Mombojó, o trabalho de essência multimídia, completo pelo filme de Luan Cardoso, estabelece um delicado ponto de equilíbrio entre o forte discurso político e a leveza dos arranjos. Instantes em que a banda formada por Felipe S (guitarra e voz), Marcelo Machado (guitarra e voz), Missionário José (baixo e voz), Chiquinho Moreira (teclados e vocoder) e Vicente Machado (bateria e voz) pinta um minucioso retrato do atual cenário brasileiro, porém, preservando o lirismo esperançoso que há tempos embala as canções do quinteto.

A coragem / Todos os demais valores dependem dela … Não vamos deixar esse país para trás“, cresce a letra de O Valor da Coragem, faixa concebida a partir de trechos do discurso de Fernando Haddad após as eleições de 2018. Trata-se de uma delicada síntese do material que orienta a experiência do público durante toda a execução da obra. Canções pontuadas por momentos de maior exaltação, porém, regidas pela leveza dos versos e forte sensação de acolhimento, proposta que se reflete de maneira sutil até a música de encerramento do disco, Ontem Quis.

Exemplo disso ecoa com naturalidade no pop atmosférico de Positividade, terceira faixa do álbum. Concebida em parceria com o cantor e compositor paulistano Guilherme Arantes, a canção ganha forma em meio a ambientações ensolaradas, ruídos e sintetizadores marcados pelos detalhes. São camadas instrumentais que se revelam ao público em pequenas doses, sempre em contraste à poesia crítica da composição. “Como perceber e sintonizar a positividade / Enquanto o algoritmo metralha doses de pânico?“, questiona Felipe S em uma clara reflexão sobre a angústia causada pelas redes sociais.

O mesmo direcionamento acaba se refletindo mais à frente, na colorida Plano B.É tanto desastre / Nesse doce lar / Ninguém vai se salvar / Olho no olho / E dedo no cu e gritaria / Não sobra pra ninguém a sobremesa“, canta o vocalista da banda enquanto sintetizadores, texturas eletrônicas e camadas de guitarras se espalham em uma medida própria de tempo, sem pressa. A própria faixa de abertura do disco, Amor Feito Fera, indica a capacidade do quinteto em brincar com o reducionismo dos elementos, proposta que naturalmente amplia a força dos versos e temas discutidos ao longo do trabalho.

Com base nessa estrutura, o quinteto pernambucano entrega ao público uma obra que exige ser observada em suas particularidades. São camadas instrumentais, versos marcados por significados ocultos e instantes de doce experimentação que apontam para os primeiros trabalhos da banda, caso de Nadadenovo (2004) e Homem-espuma (2006). Canções como a labiríntica Anjo Que Nasce Homem; a chuva de sintetizadores que cai em Me Ajuda, ou mesmo a parcial urgência da derradeira Ontem Quis, composição que faz lembrar o material entregue pelo grupo no antecessor Alexandre (2014).

Pontuado pela breve interferência de Lenine, em Nunca Vai Embora, e Hervé Salters (General Elektriks), na introdutória Amor Feito Fera, Deságua mostra a capacidade do Mombojó em se reinventar dentro de estúdio. São canções que preservam a essência melódica do grupo pernambucano, transitando em meio a ambientações eletrônicas e fórmulas pouco usuais, porém, completas pela força dos versos e busca por novas possibilidades líricas. Mais do que um exercício de transformação para o quinteto, uma obra de essência documental, como um registro particular das relações humanas, medos e experiências típicas do nosso tempo.



Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.