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Crítica

O Nó

: "Resquícios Cromáticos"

Ano: 2020

Selo: Independente

Gênero: Dream Pop, Rock Nacional, Synthpop

Para quem gosta de: Terno Rei, Boogarins e Catavento

Ouça: Vultos do Mar, O Nó e Sonho Verde

8.5
8.5

O Nó: “Resquícios Cromáticos”

Ano: 2020

Selo: Independente

Gênero: Dream Pop, Rock Nacional, Synthpop

Para quem gosta de: Terno Rei, Boogarins e Catavento

Ouça: Vultos do Mar, O Nó e Sonho Verde

/ Por: Cleber Facchi 08/12/2020

Do uso destacado dos sintetizadores, passando pelo tratamento dado às batidas, melodias e vozes sempre empoeiradas, cada fragmento do primeiro álbum de estúdio do grupo paulistano O Nó, Resquícios Cromáticos (2020, Independente), parece pensado para causar sensações ao ouvinte. São retalhos instrumentais e poéticos que dançam pelo tempo, coletando e reinterpretando conceitos que vão do pop nostálgico dos anos 1980 ao uso de temas psicodélicos típicos da última década. Um misto de conforto e permanente agitação criativa, proposta que tinge com ineditismo uma série de elementos há muito consolidados por diferentes realizadores vindos dos mais variados campos da música.

Declaradamente inspirado pelo sophisti-pop oitentista, as criações do músico japonês Haruomi Hosono e as obras do pintor David Hockney, a estreia de Alexandre Drobac (guitarra e vozes), Matheus Perelmutter (sintetizadores e vozes), Rodolfo Almeida (baixo e vozes) e Mateus Bentivegna (bateria) nasce da colorida sobreposição de ideias, ritmos e referências. Composições consumidas pelo peso memória e paisagens tão reais quanto oníricas, conceito que dialoga diretamente com a imagem de capa do álbum, um co-criação de Drobac e Almeida, mas que acaba se refletindo em cada mínimo componente que serve de sustento ao disco.

Lembranças que vêm, vultos do mar / Longe de mim, no mundo, em algum lugar“, cresce a letra de Ínterim, nona faixa do disco. Mesmo posicionada próxima ao encerramento do trabalho, a canção de essência agridoce sintetiza parte do som e temas incorporados pela banda do primeiro ao último instante da obra. São delicadas paisagens instrumentais que se completam pela inserção de letras existencialistas e conflitos sentimentais, como um avanço claro em relação aos primeiros registros autorais do quarteto. Canções que refletem a constante sensação de deslocamento do eu lírico, mas que em nenhum momento deixam de dialogar com o ouvinte, conceito que vai da construção dos arranjos ao delicado uso dos versos.

Não por acaso, o quarteto inaugura o disco com a sequência formada por São Silvestre e Vultos do Mar. Enquanto a primeira composição, uma espécie de vinheta conceitual para a corrida realizada nas ruas de São Paulo, rapidamente transporta o ouvinte para o interior da obra, com a música seguinte, os sentimentos afloram e a relação é quase imediata. “Estou aqui / A te rodear / Horas a passar / Por favor dê sinal de vida“, clama a letra da canção. O mesmo direcionamento acaba se refletindo em outros momentos ao longo do álbum. São faixas como Recôndito (“Sem nem mais sentir / O corpo que aqui / Esteve e não mais está“) e a já citada Ínterim (“E agora sigo em frente e espero que você também“), em que melodias e versos se entrelaçam de forma sempre sensível, conceito que se reflete até a derradeira Altar (“Não há sequer um vencedor / Sempre um nó pra desatar“).

Entretanto, mesmo regido pela força dos sentimentos e profunda entrega de cada realizador, Resquícios Cromáticos estabelece nos instantes de maior experimentação e propositada fuga da realidade alguns dos momentos de maior beleza da obra. É o caso de O Nó, sétima faixa do disco. Partindo de um poema de Ana Cristina César (1952-1983), a canção ganha forma em meio a vozes carregadas de efeitos e sintetizadores sempre inexatos, uma das marcas dos som produzido por Perelmutter. Mesmo a curtinha Parêntesis, com suas melodias e ambientações cósmicas, distancia o álbum de qualquer traço de linearidade, jogando com a interpretação do ouvinte.

É justamente essa capacidade de acolher e provocar na mesma proporção que torna a experiência de ouvir o trabalho tão satisfatória. São canções que se espalham em meio a bases enevoadas, diálogos com o passado e conflitos vividos pelos próprios integrantes, porém, de maneira sempre inexata, torta, tratamento que vai do uso das vozes ao encaixe de cada instrumento. Parte desse resultado vem do lento processo de composição da obra. Foram quatro anos de produção até que o disco fosse finalizado e entregue ao ouvinte. Tamanho esmero garante ao público uma obra que exige tempo até ser absorvida por completo. São incontáveis camadas instrumentais, melodias e vozes que ganham forma em uma medida própria de tempo, proposta que faz de Resquícios Cromáticos um álbum diferente a cada nova audição.


Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.