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Crítica

Owen Pallett

: "Island"

Ano: 2020

Selo: Domino

Gênero: Pop de Câmara, Art Pop,

Para quem gosta de: Sufjan Stevens e Arcade Fire

Ouça: Transformer e A Bloody Morning

8.2
8.2

Owen Pallett: “Island”

Ano: 2020

Selo: Domino

Gênero: Pop de Câmara, Art Pop,

Para quem gosta de: Sufjan Stevens e Arcade Fire

Ouça: Transformer e A Bloody Morning

/ Por: Cleber Facchi 01/06/2020

Seu amor era um vento quente, como o mundo que você deixou, ele desaparece e uma ilha surge à vista“. O fragmento final de Transformer, música de abertura em Island (2020, Domino), é bastante significativo para entender o trabalho de Owen Pallett no primeiro registro de inéditas desde o cultuado In Conflict (2014). Marcado pela temática da solidão, o registro discute isolamento, medo e o distanciamento dos indivíduos a partir de memórias pessoais e versos sempre intimistas. São narrativas sempre particulares, porém, tratadas de forma metafórica, como se o cantor e arranjador canadense fizesse dos próprios conflitos um importante componente de diálogo com qualquer indivíduo solitário.

Conceitualmente dividido em quatro atos, o trabalho que teve parte das canções registradas no histórico estúdio Abbey Road e colaboração da Orquestra Contemporânea de Londres, a mesma que acompanhou o Radiohead em A Moon Shaped Pool (2016), se revela ao público como uma obra de estrutura crescente. Instantes em que Pallett, parceiro de estúdio de nomes como Arcade Fire, Frank Ocean e Taylor Swift, vai da economia dos arranjos, como na já citada Transformer, à força dos instrumentos e orquestrações sempre grandiosas, conceito que orienta toda a sequência de músicas nas segunda metade do álbum, vide a derradeira In Darkness.

A principal diferença em relação aos antigos trabalhos do músico, principalmente a sequência composta por Heartland (2010) e In Conflict, está na forma como Pallett se distancia completamente do uso de referências eletrônicas, revelando ao público uma obra de essência orgânica, onde o ruído de cada instrumento pode ser absorvido pelo ouvinte. Exemplo disso está em The Sound Of The Engines, quinta faixa do disco. Enquanto discute a passagem do tempo e uma série de transformações pessoais, perceba como orquestrações sublimes e o dedilhado quase cristalino do violão ganha forma ao fundo da composição. Fragmentos melódicos que surgem e desaparecem de forma a acompanhar os versos derramados pelo artista.

São camadas instrumentais sutilmente tecidas pela minúcia dos violinos, ambientações densas que se erguem pela força do violoncelo e pianos sempre complementares, por vezes ritmados, ocupando o espaço da percussão. Canções como Perseverance of the Saints e Paragon of Order, em que Pallett parece cercar o ouvinte, convidado a se perder em um território de pequenos detalhes, onde cada composição exige ser revisitada a fim de revelar suas nuances. Instantes em que o músico resgata uma série de elementos originalmente testados em He Poos Clouds (2006), quando ainda se apresentava como Final Fantasy, porém, de forma menos eufórica, como se saboreasse cada nota.

Interessante perceber em A Bloody Morning, nona composição do álbum, uma parcial corrupção desse mesmo direcionamento estético. Do uso destacado da bateria, passando pela forma como os arranjos de corda parecem se chocar no interior do registro, Pallett perverte cada elemento apresentado nos dois primeiros atos do disco, estrutura que se relaciona diretamente com a temática marítima e poesia da canção. “Acordando em uma manhã sangrenta / Com o calor do seu perdão ao meu redor / O sonho compartilhado me deixou tremendo / A memória está ameaçando virar todos os navios no mar“, canta. É como se o músico ansiasse pela fuga do próprio isolamento proposto nos minutos iniciais do trabalho, estrutura que se reflete em toda a sequência de faixas que marcam o fechamento da obra.

Turbulento, como tudo aquilo que define as criações de Pallett desde o início da carreira, Island estabelece na força dos sentimentos a base para um dos trabalhos mais complexos do músico canadense. Um exercício tão doloroso quanto libertador, estrutura que parte da própria solidão, porém, evidencia a busca por conforto e acolhimento. É como se a ilha retratada no título da obra, e reforçada em diversos momentos no decorrer do disco, fosse encarada como um ponto de regresso depois de uma longa jornada. Um estado de consciência e refúgio emocional, proposta que utiliza das experiências do artista, porém, cresce como um registro de linguagem universal.


Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.