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Crítica

Papangu

: "Holoceno"

Ano: 2021

Selo: Independente

Gênero: Metal Progressivo, Sludge Metal, Jazz

Para quem gosta de: Mastodon e Baroness

Ouça: São Francisco e Holoceno

9.5
9.5

Papangu: “Holoceno”

Ano: 2021

Selo: Independente

Gênero: Metal Progressivo, Sludge Metal, Jazz

Para quem gosta de: Mastodon e Baroness

Ouça: São Francisco e Holoceno

/ Por: Cleber Facchi 23/08/2021

Guitarras colossais, criaturas folclóricas e momentos de maior experimentação. Em Holoceno (2021, Independente), estreia do grupo paraibano Papangu, cada mínimo fragmento do trabalho encanta pela completa imprevisibilidade dos elementos. São canções marcadas pela criativa colagem de referências e componentes que vão do imaginário popular nordestino ao metal progressivo, da literatura de Ariano Suassuna ao discurso ecológico anti-Bolsonaro. Um ziguezaguear de ideias e conceitos que não apenas tensionam a experiência do ouvinte durante toda a execução da obra, como refletem o evidente domínio do grupo formado por Marco Mayer (baixo, voz, guitarras, teclados), Nichollas Jaques (bateria, voz), Hector Ruslan (guitarra, voz) e Rai Accioly (guitarra, voz).

E não poderia ser diferente. Foram sete anos de maturação até a montagem, produção e entrega do repertório. Um minucioso exercício criativo que se completa pela colaboração de Torstein Lofthus, baterista e integrante de bandas como Shining e Elephant9, Benjamin Mekki Widerøe, saxofonista do grupo norueguês Seven Impale, e os tecladistas Uaná Barreto e Luís Souto Maior. Um permanente cruzamento de informações que diz a que veio logo nos primeiros minutos da obra, na intensa Ave-Bala. Pouco mais de três minutos em que o quarteto de João Pessoa sintetiza parte dos elementos que serão apresentados ao longo do trabalho, direcionamento que vai da bateria insana de Jaques à força imponente das guitarras, sempre labirínticas e imprevisíveis, ainda que essencialmente coesas.

É como um preparativo para o material que chega minutos à frente, em Água Branca. Partindo de uma base densa, íntima das criações de estrangeiros como Mastodon e Baroness, a canção de sotaque carregado rapidamente se transforma em uma composição totalmente transcendental, efeito direto do precioso cruzamento entre as guitarras e sintetizadores cósmicos de Barreto. São retalhos instrumentais e poéticos que preservam a identidade do grupo paraibano, porém, a todo momento aportam na obra de veteranos como King Crimson e Magma, esse último, importante nome da produção francesa dos anos 1970 e grande articulador do zeuhl, estilo conhecido pelo completo experimentalismo e sobreposições estéticas que parecem ser a base do som produzido pelo Papangu.

Exemplo disso acontece no que talvez seja uma das principais faixas do disco, São Francisco. Enquanto os versos refletem poesia mística e regionalista que abastece o trabalho – “Munido de carrancas / Amainando os espíritos / Afastando os demônios do grande Chico” –, vozes guturais se espalham em meio a camadas de guitarras e atravessamentos rítmicos que arremessam o ouvinte de um canto a outro. O mesmo resultado, porém, partindo de uma abordagem ainda mais insana, acontece na música seguinte, Bacia das Almas, composição que encolhe e cresce a todo instante, abrindo espaço para o minimoog de Barreto. É como um acumulo de tudo aquilo que o quarteto incorpora desde a introdutória Ave-Bala, com seus momentos de maior explosão e quebras rítmicas.

Não por acaso, com a chegada de Terra Arrasada, quinta faixa do disco, o ritmo do trabalho muda completamente. Longe da aceleração que marca o bloco inicial, o grupo passa a investir em composições cada vez mais densas e atmosféricas, mas não menos impactantes. São blocos quase intransponíveis de guitarras, como se a banda sufocasse o ouvinte. Perfeita representação desse resultado acontece na atormentada Lobisomem. Pouco menos de oito minutos em que o quarteto parte de uma base espancada e crescente para mergulhar em um território consumido pelo delírio. “Besta-fera! Demônio! Assombração! Lobisomem!“, cresce a letra da canção que se espalha em meio a improvisos jazzísticos, vozes atormentadas e sopros, como uma criação dotada de vida própria.

E essa mesma força criativa se reflete com naturalidade até o último segundo do trabalho. Com a própria faixa-título como canção de encerramento, o grupo paraibano não apenas resgata parte dos elementos incorporados ao longo do registro, como conduz o ouvinte para um cenário totalmente reformulado. Inaugurada em meio a sintetizadores atmosféricos, sopros e batidas espaçadas, a música prepara o terreno para o que se converte em um turbilhão instrumental e poético que vai da psicodelia do sertão ao mais completo caos. São mais de cinco décadas de referências diluídas em um curto intervalo de tempo, proposta que não apenas evidencia o esmero e entrega de cada realizador dentro de estúdio, como faz de Holoceno uma obra única dentro da extensa produção brasileira.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.