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Crítica

Tássia Reis

: "Próspera"

Ano: 2019

Selo: Independente

Gênero: Rap, R&B, Neo-Soul

Para quem gosta de: Flora Matos e Drik Barbosa

Ouça: Pode Me Perdoar, Dollar Euro e Preta D+

8.3
8.3

“Próspera”, Tássia Reis

Ano: 2019

Selo: Independente

Gênero: Rap, R&B, Neo-Soul

Para quem gosta de: Flora Matos e Drik Barbosa

Ouça: Pode Me Perdoar, Dollar Euro e Preta D+

/ Por: Cleber Facchi 01/07/2019

O mundo tem que melhorar / Eu já mudei minha percepção / Agora eu sou preta demais / Mas, não na sua conotação … Eu sou incrível, eu sou demais / Eu sou preta demais“. A celebração explícita nos versos de Preta D+, uma das 16 faixas de Próspera (2019, Independente), funciona como eficiente síntese do material produzido para o terceiro álbum de estúdio de Tássia Reis. São versos marcados pelo enfrentamento ao racismo, a força do feminismo negro e, principalmente, as conquistas diárias de qualquer indivíduo minorizado, conceito que orienta a experiência do ouvinte até o último instante da obra.

Esse disco surgiu da necessidade de acreditar que podemos ser melhores do que somos agora e prosperar em todos os sentidos: pessoais, amorosos, espirituais e, também, financeiros”, explica a rapper no texto de apresentação da obra. De fato, do momento em que tem início, em Amora, até alcançar a derradeira Myriam, cada fragmento do disco parece pensado de forma a transformar as conquistas de Reis em um estímulo para o próprio ouvinte. Não se trata de autoajuda ou afirmação barata, mas de uma celebração ao domínio de diferentes símbolos, elementos e marcas que historicamente estiveram contidos nas mãos de uma minoria branca.

Ouço conversa sobre bitcoins / Minha mente diz: ‘Bitch, corre!’ / Se o 50 [Cent] resgatou milhões / Eu garantindo uns mil, já é mata ou morre / Dólar, dólar, euro, euro, euro / Eu vou fazer dinheiro com aplicações / Ora ora, olha que maneiro, se o gueto / Inteiro receber milhões“, rima em Dollar Euro, música em que perverte a imagem do preto pobre e marginalizado para dialogar com as conquistas de estrangeiros como Cardi B. Uma extensão natural de tudo aquilo que Reis havia explorado anteriormente em Shonda, uma das primeiras composições do disco a serem apresentadas ao público – “Abutres a me rondar, esperando quando eu for ao chão / Parece um roteiro de Shonda, mas esse não vai pra televisão“.

Dos poucos momentos em que rompe essa estrutura, Reis se concentra em explorar os próprios sentimentos. Exemplo disso está na rima doce de Eu + Vc, música que se abre para a chegada do cantor e compositor capixaba Fabriccio. “Dois corpos pretos entrelaçam a trama / Transmutam amor e se espalham no ar / Teu corpo sobre o meu / A luz do teu olhar, o calor de meio dia / Leonina feito eu / Eu quero impregnar meu ar com sua brisa“, confessa em um misto de canto e rima, abrindo passagem para o refrão lançado pela paulistana: “Tudo é uma incerteza / Mas senta aqui na mesa / Me paga uma breja / E pensa eu mais você / Por que não?“.

O mesmo romantismo se faz evidente na sequência formada por Ansiejazz e Pode Me Perdoar. De um lado, a completa entrega sentimental do eu lírico (“Delicia de amor / Viver essa adversidade / Morar em outra cidade / É um misto de saudade / Com um pouco de dor“), estrutura que se completa pela delicada base instrumental da canção, como um regresso ao material entregue no último álbum de estúdio da cantora, o excelente Outra Esfera (2016). No outro, o declarado pedido de perdão (“Será que pode me perdoar? / Eu preciso dizer / Eu nunca mais vou te machucar“), proposta que naturalmente aponta para o trabalho de veteranas do R&B, como Monica, Brandy e Destiny’s Child.

Consumido pelos excessos, principalmente na segunda metade do disco, Próspera perde fôlego aos poucos, efeito direto do número descomedido de composições que invadem o registro. São músicas como Try, Ah Vá! e Me Diga em que a rapper parece dar voltas em torno dos mesmos temas originalmente detalhados nos primeiros minutos do trabalho. Um evidente inchaço que corrompe o dinamismo explícito no antecessor Outra Esfera – bem-resolvido em apenas sete faixas –, mas que em nenhum momento perverte a poesia afiada de Tássia Reis, provocativa mesmo em suas pequenas redundâncias.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.