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Crítica

Hot / Oreia

: "Rap de Massagem"

Ano: 2019

Selo: Independente

Gênero: Hip-Hop, Rap, Trap

Para quem gosta de: Djonga e Nill

Ouça: Eu Vou, Tema e Estilo

8.6
8.6

“Rap de Massagem”, Hot e Oreia

Ano: 2019

Selo: Independente

Gênero: Hip-Hop, Rap, Trap

Para quem gosta de: Djonga e Nill

Ouça: Eu Vou, Tema e Estilo

/ Por: Cleber Facchi 23/09/2019

A divertida fotografia que estampa a imagem de capa de Rap de Massagem (2019, Independente), álbum de estreia da dupla Hot e Oreia, funciona como um indicativo claro do lirismo cômico que embala o som produzido pelo duo mineiro. Sem necessariamente abraçar um gênero ou conceito específico, os dois artistas transitam por entre ritmos e fórmulas pouco usuais de forma a se distanciar de outros nomes recentes da produção brasileira. Frações poéticas que vão de elementos da cultura africana ao pop em uma linguagem deliciosamente acessível, despretensiosa, ainda que consciente, cuidado que se reflete até a faixa de encerramento do disco, Cigarro.

Inaugurado pela forte espiritualidade que emana dos versos do convidado Rafael Fantini (“Grandioso olá de lá, axé / Salve ó mãe Iansã / Eparrei“), Rap de Massagem aos poucos ganha forma em meio a rimas rápidas (“Tem quem espera a fruta cair depois que bate o vento … Aqui é só tijolada“), um coro de vozes infantis (“As notas têm cor, já sei de cor / Aprendi a ser bem mais que um dó“) e a criativa colagem de referências que aponta para diferentes campos da música brasileira (“Deus é todo mundo sorrindo ao mesmo tempo / Não é não, Parteum?“). Um colorido catálogo de ideias que faz da crescente Eparrei um indicativo claro da pluralidade de ideias que movimenta o álbum.

Nada que se compare ao material entregue na provocativa Eu Vou, bem-sucedida colaboração com o rapper Djonga. São pouco mais de quatro minutos em que o trio, em parceria com o produtor Coyote Beatz, se divide na composição de versos que discutem religião (“Meu precioso, Jesus era anarquista / Num era racista, jogado na pista / Bebia vinho e chupava Madalena / Respeitava as mina e fudia o sistema“), racismo (“Ó tio, cê tá me dando medo / Disseminando o ódio, coitado do primo preto / Fake news e zap zap, vicia que nem baque / Cê tá possuído pelo KKK-crack“) e o atual cenário político do Brasil (“Cê tá enganado falando de família / Tá parecendo o Dória, rodeado de puta / Broxa, doido de pedra“) de forma tão cômica quanto honesta e realista. Nem o presidente Jair Bolsonaro escapa ileso da rima disparada pelo convidado ao fim da canção (“Alguns amam, outros detestam, tipo mastigar cebola / Só que não falo de quem da boca sai merda / E que de tanto falar merda, hoje a merda sai pela bolsa“).

O mesmo dinamismo se reflete na canção seguinte do disco, Rappers, faixa que discute o deslocamento da dupla mineira em relação a outros representantes do rap nacional. “Rapper antigo do rock, você vive no k-pop / Eu vivo nos dois, eu fodo os dois, eu faço os dois“, brinca. Uma solução de rimas e versos curtos que antecedem o parcial recolhimento explícito em Xangô. Quinta faixa do álbum, a canção regressa ao mesmo ambiente religioso da inaugural Eparrei, fazendo da interferência de Luedji Luna um delicado ponto de transformação para a obra. “Os rios correm pros mares e cachoeiras / Os filhos cantam em seu louvor / E tudo isso é homenagem a Xangô“, canta enquanto sintetizadores e entalhes percussivos refletem a minúcia do produtor Henrique Staino, o Fantasmatik.

Passado o interlúdio na divertida faixa-título do disco, o encontro com Marina Sena (Rosa Neon), em Tema, convida o ouvinte a se perder em um universo de emanações eróticas, sempre provocativas. “E eu vou te lamber até o amanhecer / Pode acreditar, eu vou sim / Você vai gostar, vai gozar em mim, na língua / Esse líquido eu lambo, sou guardanapo“, segue em um misto de canto e rima que se completa pela citação orgástica de Puro Êxtase, uma das grandes composições do grupo carioca Barão Vermelho. Na canção seguinte, Bicho da Goiaba, um novo direcionamento estético, estrutura que se completa pela criativa sobreposição dos versos, sempre alternados entre os dois artistas.

Para o encerramento do trabalho, a dobradinha composta entre Estilo e Cigarro. De um lado, uma canção adornada pela poesia cômica e uso minucioso das referências. São citações a Naruto, Dragon Ball, Black Alien, RPG e aos próprios convidados do disco (“Como a Luedji Luna aceitou participar desse CD?”). No outro, a sobriedade do discurso. Instantes em que a dupla rima sobre o preço da fama (“Cuidado com o poder que vão te dar / Porque poder também pode levar ao pó, sim“), preconceito religioso (“Tem gente que vê beleza / Em desrespeitar a fé em cima de um tamanco“), racismo (“E o Estado vai passar o pano mais uma vez / Veja na revista, racista católico, a culpa é de vocês“) e repressão policial (“Só vejo fardas / Essas, mais sujas que a igreja“). Um precioso cruzamento de ideias que sintetiza a completa versatilidade da dupla em estúdio, proposta que naturalmente faz de Rap de Massagem um dos trabalhos mais importantes do ano.


Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.